LA PAZ - Tanques do Exército da Bolívia cercaram por algumas horas nesta quarta-feira, 26, a Praça Murillo, sede do governo local, e tentaram invadir o prédio. Após horas de impasse, o chefe do Exército, Juan José Zúñiga, líder da intentona contra o presidente Luis Arce, foi preso e a cúpula militar do país, trocada. A quartelada, segundo analistas, evidencia a crise política e econômica que afeta o governo do afilhado político do ex-presidente Evo Morales.
Após a troca de comando nas Forças Armadas, os tanques e soldados que estavam cercando a sede do Executivo se desmobilizaram. O cerco não teve apoio nem da oposição de direita ao governo de Arce, nem da comunidade internacional. Aliados do presidente convocaram uma greve geral e o bloqueio de estradas em protestos aos militares.
O ministro do governo Eduardo del Castillo disse que, além de Zúñiga, o ex-vice-almirante Juan Arnez Salvador foi levado sob custódia. ”Qual era o objetivo desse grupo? O objetivo era derrubar a autoridade democraticamente eleita”, disse del Castillo aos jornalistas ao anunciar as prisões.
No final da quarta-feira, o ministro da Defesa, Edmundo Novillo, disse que “tudo está sob controle”. Cercado pelos novos chefes militares nomeados por Arce, Novillo disse que a Bolívia viveu um “golpe fracassado”.
Palácio sitiado
Durante o cerco, um dos veículos chegou a tentar derrubar a porta de entrada do palácio presidencial. O general entrou no prédio e teve uma discussão ríspida com Arce.
Antes de entrar na sede do governo, o general Zúñiga pressionou por trocas no gabinete de ministros. “Tenho certeza que teremos em breve um novo gabinete. O nosso país e o nosso Estado não podem continuar assim” disse o general, que garantiu que, “por enquanto”, reconhece Arce como comandante em chefe.
Imagens feitas pela TV boliviana da entrada de Zúñiga no palácio mostra trechos da conversa entre o presidente e o general no qual o chefe do Executivo faz alerta ao militar. ”Eu sou seu comandante e ordeno que retire seus soldados e não permitirei essa insubordinação”, disse o presidente.
Crise política
Segundo a imprensa boliviana, a tensão entre Arce e a cúpula do Exército aumentou nos últimos dias após críticas de Zúñiga a Evo.
Em entrevista na segunda-feira a um canal de televisão, o chefe do Exército disse que prenderia Morales se ele insistisse em concorrer à presidência nas eleições de 2025, mesmo tendo sido desqualificado pela Justiça eleitoral.
“Legalmente, ele está desqualificado, não pode mais ser presidente deste país”, disse Zúñiga.
Evo foi deposto por militares em 2019, em meio a intensos protestos no país que o acusavam de fraudar as eleições.
Oposição pede respeito à democracia
A oposição não apoiou a mobilização dos militares. A ex-presidente Jeanine Añez, opositora do atual governo, condenou cerco. “Repudio totalmente a tentativa de destruir a ordem constitucional”, disse ela. “Arce e Evo devem deixar o poder pelas urnas. Os bolivianos defenderão a democracia.”
Outro importante líder da oposição, Luis Fernando Camacho, também rechaçou apoiar os militares. “Diante do movimento incomum de tropas na Praça Murilo, manifestamos o respaldo às instituições e à democracia”, disse. “Devemos respeitar o voto popular e qualquer ação contra ele é ilegal e inconstitucional.”
Governo mobiliza base
No campo governista, Evo Morales, que estava rompido há meses com Arce, convocou uma greve geral e o bloqueio de estradas em protesto ao cerco do palácio do governo.
Outros ministros de Luis Arce também condenaram publicamente Zúñiga e o que chamaram de tentativa de golpe. A maior central sindical da Bolívia aderiu ao chamado do ex-presidente.
Pressão regional
No front externo, a reação ao cerco militar também foi rápida. Os governos do Brasil, do Chile, de Honduras, além da Organização dos Estados Americanos (OEA), se pronunciaram em defesa da ordem institucional na Bolívia. Os Estados Unidos pediram calma e respeito à ordem institucional.
“A posição do Brasil é clara. Sou um amante da democracia e quero que ela prevaleça em toda a América Latina. Condenamos qualquer forma de golpe de Estado na Bolívia e reafirmamos nosso compromisso com o povo e a democracia no país irmão”, disse o presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
Pouco depois das declarações de Arce, o secretário-geral da Organização dos Estados Americanos, o diplomata uruguaio Luis Almagro, disse que a entidade não tolerará a ruptura da ordem institucional no país.
“Manifestamos a nossa solidariedade para com o presidente Luis Arce. A comunidade internacional e a Secretaria-Geral da OEA não tolerarão qualquer forma de violação da ordem constitucional legítima na Bolívia ou em qualquer outro lugar”, disse Almagro.
Os presidentes do Chile, Gabriel Boric, e de Honduras, Xiomara Castro, também criticaram qualquer tentativa de ruptura institucional na Bolívia. / AP e AFP
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