Enquanto o Parlamento da Tunísia permanecer suspenso - se o prazo legal de 30 dias for seguido pelo presidente Kais Saied -, viagens entre as cidades do país estarão proibidas. Também estão suspensas reuniões de mais de três pessoas em ruas ou praças, bem como o toque de recolher já vigente foi ampliado, das 19h00 e 06h00.
Essas foram algumas das medidas decretadas por Saied na segunda-feira, 26, após o fechamento do Parlamento e da demissão de alguns dos seus mais importantes ministros. Apesar delas, que marcam o processo de centralização de poder no presidente, ele nega que esteja fomentando um golpe de Estado. Segundo a narrativa oficial, as medidas não estão relacionadas ao cenário político, e sim às medidas de prevenção à covid-19 - cujo aumento de casos foi um dos fatores que provocou a manifestação do último domingo.
Apesar do anúncio das medidas, o clima de tensão no país diminuiu ligeiramente em comparação com a segunda-feira, quando parlamentares foram proibidos por forças de segurança de entrarem no Congresso. A área em frente ao prédio, local onde confrontos entre centenas de apoiadores de Saied e do Ennahdha, principal partido do Parlamento tunisiano, ocorreram na segunda, estava vazia na manhã de terça. Os apoiadores do partido partiram na noite de segunda-feira e não voltaram.
Depois de denunciar "um golpe de Estado contra a revolução e a Constituição", o partido do primeiro-ministro deposto, Hichem Mechichi, mostrou-se disposto "a realizar eleições legislativas e presidenciais antecipadas simultaneamente" nesta terça.
De acordo com a legenda de inspiração islamita, principal força parlamentar do país, a antecipação da eleição serviria para "garantir a proteção do processo democrático e evitar que qualquer atraso sirva de pretexto para manter um regime autocrático".
Após uma meia-volta em relação ao apelo feito na segunda-feira para que seus apoiadores tomassem as ruas contra as ações de Saied, o Ennahda pediu diálogo e esforços para evitar conflitos civis. "O movimento apela a todos os tunisianos para aumentar a solidariedade, sinergia e unidade e para enfrentar todos os apelos por sedição e lutas civis", disse em um comunicado.
O próprio Mechichi garantiu que estaria disposto a entregar o cargo ao futuro chefe do governo. "Garantirei a transferência de poderes ao dirigente que for nomeado pelo presidente da República", declarou em suas primeiras palavras após sua destituição.
Polarização interna
As contundentes medidas do presidente Saied contam com o apoio de vários tunisianos, indignados com o governo (na Tunísia, o presidente é apenas chefe de Estado) pela sua gestão da pandemia de covid-19 ao ser um dos países com a maior taxa de mortalidade do mundo.
Outros temem um retorno à ditadura nesta jovem democracia surgida após a revolução que derrubou Zine el Abidine Ben Ali em janeiro de 2011, geralmente apresentada como a única bem-sucedida da Primavera Árabe. Mas os problemas endêmicos do desemprego e a degradação das infraestruturas públicas que estavam na origem dessa revolta não foram resolvidos.
O órgão que governa o Parlamento tunisiano, presidido por Rached Ghannouchi, também do Ennahdha, "expressou com unanimidade sua rejeição absoluta e sua firme condenação ao que foi anunciado pelo chefe de Estado Kais Saied" em um comunicado na madrugada de segunda para terça-feira.
Em contrapartida, a União Geral dos Trabalhadores da Tunísia (UGTT), uma central sindical influente, apoiou implicitamente as decisões. A União indicou que elas estavam "em conformidade" com a Constituição, embora tenha pedido a continuação do processo democrático, mais de uma década depois do levante que terminou com a ditadura de Ben Ali.
"Está na hora" de os responsáveis pela "degradante" situação do país "assumirem as suas responsabilidades", afirmou o sindicato.
Comunidade internacional se manifesta
O chefe da diplomacia americana, Antony Blinken, falou por telefone na segunda-feira com Saied. Ele "incentivou o presidente Saied a se apegar aos princípios da democracia e dos direitos humanos, que são a base do governo na Tunísia", informou o Departamento de Estado em um comunicado.
Por sua vez, a Turquia, aliada do Ennahdha, pediu a restauração da "legitimidade democrática" e a Alemanha exigiu a "retomada da ordem constitucional o mais rápido possível".
A França pediu "um retorno, o mais rápido possível, ao funcionamento normal das instituições" e exigiu que se evite qualquer tipo de resposta violenta.
Os temores de um declínio das liberdades se acentuaram após o fechamento, na segunda-feira, pela polícia dos escritórios da rede catariana Al Jazeera na capital. Uma decisão tomada sem ordem judicial e criticada pela Anistia Internacional e os Repórteres Sem Fronteiras.
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