TÚNIS - A Tunísia amanheceu nesta segunda-feira, 26, em uma grave crise política depois que o presidente Kais Saied decidiu, no domingo, 25, suspender a atividade do Parlamento, demitir o primeiro-ministro, Hichem Mechichi, e atribuir a si plenos poderes executivos, o que levou o partido Ennahdha a denunciar um "golpe de Estado".
Saied anunciou essas medidas após uma reunião de emergência no palácio presidencial de Cartago, em um momento em que a Tunísia enfrenta uma forte onda da covid-19 e uma profunda crise política que paralisa o país há meses. A notícia foi recebida com buzinaço na capital, Túnis, após as manifestações de domingo em várias cidades, nas quais pediam a dissolução do Parlamento.
“A Constituição não me permite dissolver o Parlamento, mas sim suspender sua atividade”, disse Saied, que tomou a decisão com base no Artigo 80 da Constituição, que permite que este tipo de medida seja adotada frente à um perigo iminente. "Tomei as decisões que a situação exige para salvar a Tunísia, o Estado e o povo tunisianos", afirmou o presidente após se reunir com autoridades das forças de segurança. "Estamos em momentos muito delicados na história da Tunísia."
Saied anunciou que assumirá o Poder Executivo com a ajuda do governo e nomeará um novo primeiro-ministro. Além disso, ele suspendeu a imunidade parlamentar dos deputados.
A medida foi condenada pelo partido governista, Ennahda, de orientação islamita, que a qualificou de "um golpe de Estado contra a revolução". "O que Kais Saied está fazendo é um golpe de Estado contra a revolução e a Constituição, e os membros do Ennahda e o povo da Tunísia defenderão a revolução", manifestou-se o partido em um comunicado publicado em sua página no Facebook.
A jovem democracia tunisiana funciona desde 2014 com um sistema parlamentar misto, no qual o chefe de Estado tem prerrogativas apenas nas áreas diplomática e de segurança.
Protestos populares
Milhares de tunisianos protestaram no domingo contra a classe política, especialmente contra o Ennahda, majoritário no Parlamento, mas confrontado pelo presidente. “Vamos mudar de regime” ou “O povo quer a dissolução do Parlamento” foram algumas das principais proclamações nos protestos, marcados por muitas críticas ao primeiro-ministro Mechichi.
O líder do Ennahdha e presidente do Parlamento, Rashed Ghannouchi, tentou entrar com vários deputados na sede da Câmara, protegida por soldados, de acordo com um vídeo divulgado pelo partido no Facebook.
"O exército deve proteger o país e a religião", disse Ghannouchi aos soldados, para exigir a abertura do Parlamento.
"Somos militares, cumprimos ordens. Nos pediram para fechar o Parlamento", respondeu um dos militares.
"Soldados, oficiais, pedimos que fiquem ao lado do povo", declarou Ghannouchi, que decidiu organizar uma manifestação diante da sede do Legislativo.
Os manifestantes que foram às ruas no domingo pedem uma mudança na Constituição e um período de transição liderado pelo Exército, mas no qual Saied seja mantido como chefe de Estado.
A opinião pública tunisiana se mostra incomodada com os conflitos entre partidos no Parlamento e a queda de braço entre Ghannouchi, líder do Ennahdha, e o presidente Saied, que paralisou os poderes públicos.
O presidente, por outro lado, conta com grande apoio. Com as críticas aumentando nos últimos meses, Saied, um professor de direito e político independente que conquistou a presidência com uma vitória esmagadora em 2019, manteve forte apoio nas pesquisas de opinião pública.
A população também critica a falta de resposta do governo à crise sanitária, que deixou a Tunísia sem abastecimento de oxigênio. Com cerca de 18 mil mortos neste país de 12 milhões de habitantes, a Tunísia apresenta uma das piores taxas de mortalidade no mundo por covid-19./AFP e W.POST
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