Pressionados por Putin e por sanções, russos vão para o exílio em busca de opções

Milhares de russos viram suas vidas confortáveis de classe média desaparecer da noite para o dia com a invasão da Ucrânia

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Por Anton Troianovski e Patrick Kingsley
Atualização:

ISTAMBUL - Eles fizeram fila nos caixas eletrônicos, desesperados por dinheiro depois que Visa e Mastercard suspenderam as operações na Rússia, trocando informações sobre onde ainda poderiam obter dólares. Nos cafés de Istambul, eles ficavam sentados em silêncio, olhando chats do Telegram ou Google Maps em seus telefones. Eles organizaram grupos de apoio para ajudar outros exilados russos a encontrar moradia.

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Dezenas de milhares de russos fugiram para Istambul desde que a Rússia invadiu a Ucrânia no mês passado, indignados com o que consideram uma guerra criminosa, preocupados com o recrutamento ou a possibilidade de uma fronteira russa fechada ou com o fato de seus meios de subsistência não serem mais suficientes.

E eles são apenas a ponta do iceberg. Dezenas de milhares viajaram para países como Armênia, Geórgia, Usbequistão, Quirguistão e Casaquistão, em geral, fontes de migração para a Rússia. Na fronteira terrestre com a Letônia - aberta apenas para quem tem visto europeu - os viajantes relataram esperas que duram horas.

Russos protestam contra guerra em Tbilisi, na Geórgia; cada vez mais isolados pelas decisões de Putin Foto: LAETITIA VANCON


Embora o êxodo de cerca de 2,8 milhões de ucranianos de seu país devastado pela guerra tenha se tornado uma crescente crise humanitária, a descida da Rússia a novas profundezas do autoritarismo fez muitos russos se desesperarem com seu futuro. Isso criou uma fuga que alguns estão comparando a 1920, quando mais de 100 mil oponentes dos bolcheviques comunistas durante a Guerra Civil Russa partiram para buscar refúgio no que era então Constantinopla.

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“Nunca houve algo assim antes em tempos de paz”, disse Konstantin Sonin, economista russo da Universidade de Chicago. “Não há guerra em território russo. Como um evento único, é muito grande.”

Alguns dos que fugiram são blogueiros, jornalistas ou ativistas que temiam ser presos sob a nova lei draconiana da Rússia que criminaliza o que o Estado considera “informação falsa” sobre a guerra.

Outros são músicos e artistas que não veem futuro para seus ofícios na Rússia. E há trabalhadores em tecnologia, direito e outros setores que viram a perspectiva de uma vida confortável de classe média se dissipar da noite para o dia.

Eles deixaram para trás empregos, família e dinheiro presos em contas bancárias russas que não podem mais acessar. Eles temem ser vistos como russos no exterior, enquanto o Ocidente isola o país por sua invasão.

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Sonho roubado

“Eles não apenas tiraram nosso futuro”, disse Polina Borodina, dramaturga de Moscou, sobre a guerra de Putin na Ucrânia. “Eles tiraram nosso passado.” A velocidade e a escala da guerra refletem a mudança tectônica que a invasão desencadeou na Rússia. Apesar de toda a repressão do presidente Vladimir Putin, a Rússia até o mês passado permaneceu um lugar com extensas conexões com o restante do mundo, uma internet praticamente sem censura dando uma plataforma para a mídia independente, uma próspera indústria de tecnologia e uma cena artística de nível mundial. Fatias da vida da classe média ocidental – Ikea, Starbucks, carros estrangeiros acessíveis – estavam amplamente disponíveis.

Mas quando acordaram em 24 de fevereiro, muitos russos sabiam que tudo aquilo havia acabado. Dmitri Aleshkovski, um jornalista que passou anos promovendo a cultura emergente de doações de caridade na Rússia, entrou em seu carro no dia seguinte e dirigiu para a Letônia.

“Ficou totalmente claro que, se essa linha vermelha foi ultrapassada, nada mais o impedirá”, disse Aleshkovski sobre Putin. “As coisas só vão piorar.”

Nos dias que se seguiram à invasão, Putin forçou os remanescentes da mídia independente da Rússia a fechar. Ele planejou uma repressão brutal contra manifestantes antiguerra, com mais de 14 mil pessoas presas em todo o país desde 24 de fevereiro, incluindo 862 em 37 cidades no domingo, segundo o grupo de direitos humanos OVD-Info.

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Certamente, muitos russos apoiam a guerra, e muitos desses apoiadores desconhecem completamente a extensão da agressão da Rússia porque dependem de notícias de emissoras estatais de televisão.

Mas outros afluíram para lugares como Istambul, que, como em 1920, voltou a ser um refúgio para exilados. Enquanto a maior parte da Europa fechou os céus para a Rússia, a Turkish Airlines voa de Moscou até cinco vezes por dia; combinado com outras companhias aéreas, mais de 30 voos chegam da Rússia.

“A história se move em espiral, especialmente a da Rússia”, disse Kirill Nabutov, de 64 anos, comentarista esportivo de São Petersburgo que fugiu para Istambul com sua mulher este mês. “Ela volta para o mesmo lugar – sempre de volta para este mesmo lugar.”

O primo em primeiro grau da mãe de Nabutov era um marinheiro recruta de 18 anos na Crimeia quando foi retirado com a frota do comandante Piotr Wrangel para Constantinopla em 1920. Ele viajou para Túnis, onde se tornou agente de seguros.

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Agora, também, uma geração de exilados russos enfrenta a assustadora perspectiva de começar do zero. E todos tem pela frente a dura realidade de serem vistos como representantes de um país que lançou uma guerra de agressão, embora muitos insistam que passaram a vida se opondo a Putin.

Na Geórgia – onde, segundo o governo, 20 mil russos chegaram desde o início da guerra – os exilados enfrentaram um ambiente intimidador, cheio de pichações contra a Rússia e comentários hostis nas redes sociais.

“Tentamos explicar que os russos não são Putin – nós também odiamos Putin”, disse Leyla Nepesova, ativista do Memorial International, um grupo russo de direitos humanos recentemente fechado pelo Kremlin. Nepesova, de 26 anos, fugiu para a Geórgia há uma semana e se viu atacada e xingada na rua.

“Um motorista de táxi nos disse: ‘Vocês são russos, vocês são ocupantes’”, disse Nepesova. “Os russos são odiados aqui – e não posso culpá-los.”

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Muitos georgianos veem paralelos claros entre a invasão da Ucrânia e a guerra da Rússia contra a Geórgia em 2008. E, embora a maioria tenha sido receptiva aos recém-chegados, alguns não distinguiram entre os dissidentes russos que fugiram da Rússia por razões morais ou de segurança e aqueles que apoiam Putin.

O Banco da Geórgia exigiu que novos clientes russos assinem uma declaração denunciando a invasão de Putin e reconhecendo a ocupação russa de partes da Geórgia - um pedido problemático para quem espera retornar à Rússia. Alguns georgianos até pediram aos proprietários que recusassem a locação aos russos.

“Suas mãos estão sujas”, disse um georgiano voluntário na Ucrânia, em um vídeo online dirigido a proprietários, bancos e políticos na Geórgia. “Cada um de vocês”, acrescentou o lutador Nodari Karalashvili, “por que estão vendendo tudo isso? Com preço de sangue?”

Na vizinha Armênia, onde o governo diz que vários milhares de russos chegam diariamente, os exilados relatam ter sido mais bem recebidos. Davur Dordzheir, de 25 anos, disse que largou o emprego como advogado no Sberbank, estatal da Rússia, organizou suas finanças, fez um testamento e se despediu de sua mãe. Ele voou para a capital armênia, Erivan, preocupado que seus comentários públicos anteriores contra o governo russo pudessem torná-lo um alvo. “Percebi que desde o início desta guerra sou inimigo do Estado junto com milhares de russos”, disse ele.

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Em Istambul, Borodina, a dramaturga, que chegou em 5 de março, já contratou um designer e uma gráfica turca para fazer broches com a bandeira ucraniana para os russos usarem. É parte de seu esforço, diz ela, para “salvar essa identidade” de uma Rússia separada de Putin. Ela acredita que é justo que os ucranianos tenham ódio agora por todos os russos. Mas ela critica as pessoas no Ocidente que dizem que todo russo é responsável por Putin.

“Você viveu sob uma ditadura?”, diz Borodina, cujo trabalho conta as histórias de russos presos por anos depois de protestar. “Você sabe quais podem ser as consequências desses protestos?”

Alguns russos exilados estão tentando organizar esforços de ajuda mútua e buscando combater o sentimento antirrusso. Aleshkovski, o jornalista de 37 anos, disse que chorou todos os dias nos primeiros cinco dias da guerra e sofreu ataques de pânico. Então, ele disse: “Eu me recompus e percebi que precisava fazer o que sei fazer”. Ele e vários colegas estão organizando uma iniciativa provisoriamente chamada de “OK Russians” para ajudar aqueles que são forçados ou tentam partir e para produzir conteúdo de mídia em inglês e em russo.

Mikhail Khodorkovski, o magnata do petróleo exilado que passou 10 anos preso na Rússia, está financiando um projeto chamado Kovcheg – “A Arca” – que está fornecendo moradia em Istambul e Erivan e está procurando psicólogos para oferecer apoio emocional. Desde seu início, na quinta-feira, ele recebeu cerca de 10 mil consultas.

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Quando Irina Lobanovskaya, diretora de marketing de uma empresa de inteligência artificial, iniciou um grupo de bate-papo sobre imigração no aplicativo de mensagens Telegram, ela começou com 10 pessoas que compartilharam dicas sobre vistos e autorizações de trabalho. O grupo agora tem mais de 106 mil membros.


“Sou parteira, especialista em lactação, fugi de Moscou com um filho de quase 18 anos”, escreveu uma mulher, pedindo conselhos para profissionais de saúde exilados. “Estamos sentados em Praga, tentando descobrir como viver.”

A dor de deixar tudo para trás tem sido excruciante, muitos disseram - junto com a culpa de talvez não ter feito o suficiente para lutar contra Putin. Alevtina Borodulina, de 30 anos, antropóloga, juntou-se a mais de 4,7 mil cientistas russos na assinatura de uma carta aberta contra a guerra. Então, enquanto caminhava com amigos no Boulevard Ring, no centro de Moscou, um deles puxou uma sacola que dizia “não à guerra” e foi imediatamente preso.

Ela voou para Istambul em 3 de março, conheceu russos com ideias semelhantes em um protesto em apoio à Ucrânia e agora se voluntaria para o projeto Kovcheg para ajudar outros exilados.

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“Era como se eu estivesse vendo a União Soviética”, disse Borodulina sobre seus últimos dias em Moscou. “Eu estava pensando que as pessoas que deixaram a União Soviética na década de 1920 provavelmente tomaram uma decisão melhor do que aquelas que ficaram e depois acabaram nos campos.”/THE NEW YORK TIMES

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