Convidado pelo presidente da república da Itália, Mario Draghi tomou posse formalmente como primeiro-ministro em 13 de fevereiro. Atendendo às expectativas, em seu primeiro mês de governo, Draghi concentrou seus esforços no controle da covid-19: fechou o acordo para produzir a vacina Sputnik V, desenvolvida na Rússia, bloqueou 250 mil doses de vacinas que seriam exportadas para a Austrália e aprovou novas medidas de restrição. Paralelamente, o premiê trabalha no plano de recuperação econômica da Itália, que deve ser apresentado à União Europeia (UE) até o fim de abril para garantir € 209 bilhões.
A cada dia, são cerca de 170 mil italianos vacinados, disse Draghi na sexta-feira, 12. “A meta é triplicar isso rapidamente”, acrescentou. Depois de atrair a atenção do mundo em fevereiro passado, a Itália agora registra mais de 100 mil mortes pelo coronavírus.
O convite pelo presidente Sergio Mattarella não foi em vão: “Super Mario”, como é chamado, é ex-presidente do Banco Central Europeu (BCE) e reconhecido por salvar o euro na crise de 2012. Mario Draghi assumiu em um cenário não apenas de crise sanitária, mas também econômica. A estimativa mais recente de Roma prevê um déficit em relação ao PIB de 8,8% neste ano. Pouco abaixo dos 9,5% registrados em 2020, que marcaram a recessão mais profunda da Itália desde a 2ª Guerra Mundial.
Draghi anunciou que irá propor ao parlamento um novo aumento do déficit orçamentário. O decreto a ser apresentado na próxima semana propõe estender o esquema de licenças, reforçar o auxílio à população de baixa renda e simplificar procedimentos para compensar a receita de empresas afetadas pela pandemia. O pacote, orçado pelo governo anterior, custa hoje € 32 bilhões.
No primeiro momento, as ações de Draghi são de continuidade, diz o professor emérito de ciências políticas na Universidade de Bologna e associado no SAIS Europe, da Universidade Johns Hopkins, Gianfranco Pasquino. “Aqueles que apoiam Draghi dizem que ele mudou muitas coisas, o que não está correto por dois motivos. Primeiro, porque muitas das coisas que Giuseppe Conte estava fazendo estavam certas e eram boas. Segundo, porque é muito difícil inovar”, diz o professor. “A pandemia está conosco, conhecemos o problema para obter fundos da União Europeia e o fato da burocracia italiana não ser ilustre”.
O repasse de fundos da União Europeia
A competência de Mario Draghi como presidente do BCE traz grandes expectativas sobre como irá redesenhar o plano de recuperação econômica da Itália, uma das prioridades do atual governo. Para que se consiga os € 209 bilhões da UE, é necessário que o governo detalhe onde será investido, como e em que tempo. “Requer muita experiência e muitos recursos”, diz Pasquino, “Estou muito confiante em sua capacidade (de Draghi) de investir dinheiro, de saber onde colocar o dinheiro para trabalhar. Isso será feito”.
Na última semana, o governo foi fortemente criticado por contratar a consultoria McKinsey para ajudar a reescrever o plano. Foram € 25 milhões no acordo – valor bem abaixo dos padrões. Segundo o Ministério da Economia, a McKinsey pode verificar o que foi apresentado por outros países da UE e apoiar a finalização do plano italiano como um avaliador externo. “Eu entendo, mas não foi uma boa ideia. E tinha de ser comunicado antes de contatar a McKinsey, não depois. Novamente: falta de experiência”, diz Pasquino referindo-se à falta de bagagem política de Draghi. “De fato, a burocracia italiana não é excepcionalmente capaz, mas você precisa dela porque é quem implementa as decisões. Você tem que envolver a burocracia italiana no processo, escolher seus melhores elementos e usá-los. Até agora, isso não foi feito.”
O plano deve ser apresentado à Comissão Europeia até o fim de abril. Dos € 750 bilhões do programa Próxima Geração UE, 28% devem ser destinados para a recuperação italiana. Um dos pilares do programa exige que o planejamento esteja alinhado às prioridades europeias, com uma fatia relevante para ações sustentáveis e transição digital.
As diferentes regiões da Itália têm demandas distintas. O Movimento 5 Estrelas (M5S) encontra seu principal apoio no Sul, enquanto a Liga, no Norte. Ambos os partidos têm papel relevante no governo. “Draghi tem que ter cuidado ao equilibrar os interesses dessas duas partes”, afirma o professor de políticas italianas na LUISS em Roma, Roberto D’Alimonte, “Acredito que ele será capaz de fazer isso. Ele sabe que o desenvolvimento do Sul é uma prioridade se a Itália quer impulsionar o crescimento e isso ficará evidente no plano de recuperação”.
Impacto no sistema partidário e a queda do populismo
A posse de Draghi apareceu como solução, ainda que temporária, para a instabilidade política da Itália. Giuseppe Conte renunciou ao cargo de primeiro-ministro no fim de janeiro, após perder maioria no Senado com a saída do partido Itália Viva de sua coalizão. Logo após tomar posse, “o governo Draghi teve um impacto significativo em todo o sistema partidário”, afirma o professor D’Alimonte, especialista em sistema eleitoral.
“A Liga, que antes era um partido anti-Europa, hoje faz parte de um governo chefiado pelo ex-presidente do BCE. O M5S passou por um dramático ajuste de contas com suas mitologias do passado. De partido anti-sistema e anti-establishment, tornou-se cada vez mais institucionalizado”, observa D’Alimonte. “O populismo está diminuindo. Tanto o M5S, quanto a Liga abandonaram os tons populistas e precisam encontrar uma nova narrativa”.
Em um governo não estritamente tecnocrata, além dos esperados especialistas, figuras importantes de todo o espectro político compõem o gabinete de Mario Draghi. Dos principais partidos, o Irmãos da Itália foi o único a se opor ao primeiro ministro. “Essa oposição é importante porque é capaz de controlar o que o governo faz, o que o governo não faz ou o que o governo faz mal”, pontua o professor Gianfranco Pasquino. Ainda que o partido liderado por Giorgia Meloni não vença por ser anti-europeu, sua existência tem papel significativo para as relações democráticas, complementa o especialista.
As expectativas sobre Mario Draghi
Já no seu primeiro discurso como primeiro-ministro, Draghi deixou clara sua intenção de trabalhar com a Aliança Atlântica e, principalmente, com a União Europeia. Por sua trajetória, o premiê tem boas relações com a presidente do BCE, Christine Lagarde, e a chanceler alemã, Angela Merkel, por exemplo. “Draghi sabe o que fazer, e eles o conhecem. Essa é uma boa vantagem: ele é uma pessoa confiável. O que ele promete, ele fará. E eles sabem disso”, diz Pasquino, “O italiano não tem sido muito credível, então, quando você consegue um italiano confiável, provavelmente vai querer mantê-lo”.
Com o mandato até 2023, “Super Mario” será capaz de relançar a economia italiana, de acordo com o professor. “Estou relativamente confiante, mas não muito confiante, porque o futuro tem muitas inconveniências. Mas se Draghi conseguir utilizar os fundos europeus de uma boa maneira, então algumas melhorias ocorrerão. A Itália sobreviverá. Quão bem sobreviverá, não sei”.
Para D’Alimonte, por outro lado, “Draghi apresentou um plano abrangente para a reconstrução da Itália, mas não será capaz de implementá-lo”. De acordo com ambos os especialistas, é possível que ele sequer complete a legislatura como premiê. Na Itália, o presidente é eleito por votação no Parlamento. As próximas eleições ocorrem em fevereiro de 2022 e, a depender de seu desempenho, o ex-presidente do BCE pode ser cotado para o cargo. “O que Draghi pode razoavelmente fazer é administrar a pandemia e lançar o plano de recuperação. Se ficar até 2023, talvez consiga fazer uma ou duas reformas estruturais. Mas não será fácil. A coalizão que o apoia é bastante heterogênea”, afirma o professor.
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