A ascensão de Yahya Sinwar a chefe do Hamas afeta diretamente as negociações por um cessar-fogo na Faixa de Gaza, intermediado pelo Catar, Estados Unidos e outras nações. Ele passa a ser oficialmente o responsável do Hamas nas negociações, antes realizadas por Ismail Haniyeh, morto em Teerã no dia 31.
Nesta terça, o secretário de Estado dos EUA, Antony Blinken, afirmou que Sinwar já possuía um papel decisivo nas negociações e a a nomeação apenas “ressalta o fato de que realmente cabe a ele decidir se deve ou não prosseguir com o cessar-fogo”. “Ele foi e continua sendo o principal decisor (do Hamas) quando se trata de concluir um cessar-fogo”, declarou Blinken em uma coletiva de imprensa, relatada no jornal The New York Times.
Na análise da acadêmica Monique Sochaczewski, pesquisadora sênior em Oriente Médio do Centro Brasileiro de Relações Internacionais (Cebri), a atuação de Sinwar sempre foi decisiva para o cessar-fogo porque é ele o líder do Hamas que em Gaza desde o início da guerra atual. Autoridades israelenses dizem que ele está junto com os reféns do 7 de outubro nos túneis do enclave, o que dificulta que ele seja morto. “Ismail Haniyeh não conseguia negociar. O Sinwar é quem tem esse poder desde sempre, pelo fato de estar com os reféns dentro da Faixa de Gaza”, afirmou.
Mesmo sob a liderança de Haniyeh, Sinwar tinha uma palavra decisiva do Hamas nas negociações de cessar-fogo e muitas vezes a espera pela aprovação dele atrasou o andamento destas. “A nomeação dele confirma o que ele é. Sinwar é o principal articulador do ataque do 7 de outubro e tinha a liderança do Hamas na guerra. O Haniyeh não tinha autoridade para tomar uma decisão sem isso passar pelo Sinwar e havia até mesmo dúvidas se ele tinha conhecimento total sobre o próprio ataque do 7 de outubro”, acrescentou Sochaczewski.
Devorah Margolin, acadêmica do Washington Institute for Near East Policy, afirma que a nomeação também indica uma centralidade maior na estrutura do Hamas a partir de agora. Se historicamente o grupo buscava diferenciar a ala política e a ala militar, com Sinwar como número 1 isso deixa de existir. “Antes de 7 de outubro, o Hamas tentou por muito tempo diferenciar suas alas política e militar. A decisão de anunciar Yahya Sinwar — que planejou os ataques de 7 de outubro — como o novo chefe do politburo acaba com todos os equívocos em torno da estrutura do grupo”, escreveu na rede social X.
Oficialmente, a estrutura do Hamas é composta por um politburo (grupo de 15 dirigentes), com um conselho consultivo responsável pela formulação de políticas e níveis menores na hierarquia, onde está, por exemplo, o administrador da Faixa de Gaza, Issam Al-Da’alis. A nomeação de Sinwar como chefe dessa estrutura sinaliza que o grupo prioriza a guerra no enclave em vez de outros territórios, como a Cisjordânia.
Uma dúvida que paira sobre Sinwar e sobre o Hamas é como ele irá operar sobre o grupo sem estar presente nas negociações e sem aparições públicas. Assim como outras autoridades do grupo terrorista, ele possui um mandado de prisão expedido pelo Tribunal Penal Internacional (TPI) por crimes de guerra e é jurado de morte pelas Forças de Defesa de Israel.
Sochaczewski destaca ainda que Yahya Sinwar foi libertado de uma prisão israelense em 2011 em uma troca de prisioneiros para a libertação de um soldado israelense que havia sido capturado na Faixa de Gaza. “Ele é um conhecedor de negociações como essas e tem muito conhecimento sobre Israel pelo tempo em que ficou nas prisões israelenses”, declarou.
Quando foi libertado em 2011, o palestino chegou a afirmar que a captura de soldados era a melhor tática para libertar palestinos encarcerados por Israel. “Para o prisioneiro, capturar um soldado israelense é a melhor notícia do universo, porque ele sabe que um vislumbre de esperança foi aberto para ele”, disse na época.
Mais de Oriente Médio
As negociações por um cessar-fogo entre Israel e o Hamas, no entanto, estão ofuscadas pelo risco de uma guerra regional com o Irã, que promete retaliar a morte de Haniyeh em Teerã. Antes do assassinato de Haniyeh, o acordo estava paralisado por dificuldades de Israel e o Hamas de chegarem a um consenso nos termos para interromper a guerra.
Israel não assumiu a autoria da morte do antigo líder na capital iraniana, apesar das acusações do Irã. Desde o início da guerra, no entanto, as autoridades israelenses prometem assassinar Sinwar em retaliação ao 7 de outubro, o pior ataque contra judeus desde o Holocausto, com 1,2 mil mortos e 250 sequestrados. O porta-voz militar de Israel, Daniel Hagari, reafirmou o plano nesta terça. “O único lugar para ele (Sinwar) é ao lado de Muhammad Deif (morto em 13 de julho em Khan Younis) e todos os outros terroristas responsáveis pelo 7 de outubro”, declarou.
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