ANCARA - Kemal Kilicdaroglu, principal adversário de Recep Tayyip Erdogan nas eleições deste domingo, 14, na Turquia acusou a Rússia de interferir na corrida eleitoral. O candidato lidera as pesquisas de intenção de votos e tem ganhado cada vez mais vantagem conforme outros opositores do presidente desistem do pleito. Ele afirma ter provas de que Moscou tem divulgado materiais falsos online, o que a Rússia nega.
Kilicdaroglu publicou uma mensagem em turco e russo no Twitter, acusando a Rússia de publicar “deep fakes” - técnica que utiliza Inteligência Artificial para combinar áudios e vídeos. “Caros amigos russos, vocês estão por trás das montagens, conspirações, conteúdo deep fake e fitas que foram expostas neste país ontem. Se vocês desejam que nossa amizade continue depois de 15 de maio, tire as mãos do Estado turco. Continuamos a favor da cooperação e da amizade”, escreveu na quinta-feira, 11.
Em entrevista à agência Reuters nesta sexta-feira, 12, ele reforçou que seu partido tem evidências concretas da responsabilidade de Moscou nas ações, mas não entrou em detalhes sobre qual seria o conteúdo dos fakes. “Achamos inaceitável que outro país interfira no processo eleitoral da Turquia em favor de um partido político. Eu queria que o mundo inteiro soubesse disso, por isso fiz este apelo abertamente por um tuíte”, disse Kilicdaroglu. Ele acrescentou que seu partido não entrou em contato com a embaixada russa para tratar do assunto.
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Moscou negou nesta sexta que haja interferência nas eleições turcas e disse que as acusações são forjadas. “Declaramos oficialmente que não há qualquer questão de interferência. Se alguém forneceu tal informação ao senhor Kilicdaroglu, é um mentiroso”, disse Dmitri Peskov, porta-voz do Kremlin.
Apesar do tom forte no tuíte direcionado aos russos, na entrevista à Reuters Kilicdaroglu disse que manterá as boas relações com Moscou caso vire presidente. A Turquia é um membro da Otan e tem liderado alguns esforços de mediação do conflito na Ucrânia, incluindo a exportação de grãos. O país, porém, depende fortemente das importações de energia e a Rússia é seu maior fornecedor.
Lisura das eleições
As acusações do opositor ocorrem em um cenário em que Erdogan, que é um aliado de Vladimir Putin, vai enfrentar neste domingo as eleições mais acirradas desde que assumiu o poder há 20 anos. O presidente de 69 anos está determinado a continuar por mais cinco anos na presidência da Turquia, país de 85 milhões de habitantes que ele transformou profundamente e que passa por uma grave crise econômica.
A preocupação com o lisura do processo eleitoral, no entanto, não é exclusivo do opositor. O Conselho da Europa também manifestou preocupação com as eleições e o “estado da democracia” na Turquia. O órgão enviará 350 observadores ao país, além dos designados pelos partidos, aos 50.000 locais de votação.
Oguz Kaan Salici, vice-presidente do CHP - partido social-democrata, fundado pelo pai da Turquia moderna, Mustafa Kemal Ataturkse - se mostrou otimista. Kilicdaroglu, no entanto, pediu aos seus partidários que “permaneçam em suas casas” em caso de vitória, por medo de confrontos.
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Ao mesmo tempo, Erdogan ocupa o espaço: segundo o Conselho Superior de Rádio e Televisão (RTuk), entre 1º de abril e 1º de maio o canal de televisão estatal TRT deu 32 horas de cobertura ao vivo aos discursos presidenciais e apenas 32 minutos a Kilicdaroglu.
A Freedom House, que avalia as democracias mundiais, dá à Turquia uma pontuação de 2 em 4 pela imparcialidade de suas eleições, citando críticas às eleições gerais de 2018 pela Organização para Segurança e Cooperação na Europa, que acusou o AKP de usar indevidamente recursos estatais para obter vantagem eleitoral e Erdogan de ter retratado falsamente oponentes políticos como apoiadores do terrorismo.
Opositores desistem
Erdogan vai enfrentar dois rivais, mas apenas um de peso: Kemal Kilicdaroglu, 74 anos, candidato de uma aliança de seis partidos de oposição, que vão da direita nacionalista à esquerda democrática, um movimento liderado pelo CHP de Ataturk. Ele também recebeu o apoio sem precedentes do partido pró-curdo HDP, a terceira maior força política do país.
Em caso de vitória, o opositor será o 13º presidente da história da República da Turquia - que completa 100 anos em 2023 -, sucedendo o longo mandato de Erdogan, o mais longevo desde a queda do Império Otomano.
Um quarto candidato, Muharrem Ince, que de acordo com as pesquisas tinha entre 2% e 4% das intenções de voto, desistiu da eleição na quinta-feira, o que em tese favorece Kilicdaroglu. Vários membros importantes de seu partido também renunciaram nos últimos dias, preocupados que pudessem atrapalhar Kilicdaroglu de derrotar Erdogan.
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As pesquisas projetam uma eleição muito disputada. Os dois lados estão convencidos que conquistarão a vitória no primeiro turno. Se isto não acontecer, o segundo turno está programado para 28 de maio.
Kilicdaroglu abordou rapidamente o que poderia representar um obstáculo para sua campanha em uma Turquia predominantemente sunita: o fato de pertencer ao alevismo. Em um vídeo que viralizou nas redes sociais, o candidato reconheceu publicamente sua adesão a este ramo heterodoxo do islã.
Ele promete devolver à Turquia um “sistema parlamentar forte” com freios e contrapesos, desfazendo o sistema presidencial que o líder turco introduziu por referendo em 2017. A aliança também prometeu mais direitos e liberdades e um retorno a um sistema mais convencional de políticas econômicas.
Em um país afetado por uma grave crise econômica e de confiança, onde jovens formados em Engenharia e Medicina tentam deixar o país, o onipresente Erdogan luta para salvar seu legado e conta com o índice de 30% de eleitores fiéis.
O campo do “Reis” - como ele é chamado pelos partidários - aborda as promessas de campanha com números e injúrias: acusa os rivais de conluio com o que chamam de terroristas do PKK (Partido dos Trabalhadores do Curdistão), ataca seus vínculos com o Ocidente e suas “conspirações”, além de apresentá-los como “pró-LGBT” que querem “destruir a família”.
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Os desafios para Erdogan
Erdogan, que esteve no cargo nas últimas duas décadas como primeiro-ministro e presidente, tendo vencido facilmente cinco eleições, está buscando um terceiro mandato presidencial consecutivo.
Pouco mais de cinco milhões de jovens votarão pela primeira vez, um grupo que só conheceu a Turquia governada por Erdogan e viu sua guinada autocrática desde as grandes manifestações de 2013 e a tentativa frustrada de golpe de Estado de 2016, que terminou com dezenas de milhares de detenções.
“A primavera chegará graças a vocês”, afirmou Kilicdaroglu aos jovens em um comício. Uma pesquisa do instituto Metropoll aponta que ele tem o apoio da maioria dos eleitores na faixa entre 18 e 24 anos.
Outra dúvida para as eleições é o impacto do terremoto de 6 de fevereiro, que deixou mais de 50.000 mortos e um número desconhecido de desaparecidos no sul do país. Os sobreviventes, que denunciam que a ajuda chegou muito tarde, agora estão espalhados por todo o país ou vivem em barracas provisórias.
O presidente prometeu reconstruir a região devastada pelo terremoto dentro de um ano, enfatizando o histórico de seu governo na construção de infraestrutura./AFP, AP e W.POST