The Economist: Harry e Meghan são ameaça à monarquia maior do que Marx

Realeza britânica resistiu ao marxismo e ao avanço do capitalismo, mas agora sofre golpe duro do casal Sussex

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Por The Economist
Atualização:

Marx previu que o capitalismo destruiria todos os remanescentes do feudalismo. Rasgaria em pedaços “os heterogêneos laços feudais que ligavam o homem a seus superiores naturais”, nas palavras de O Manifesto Comunista. Afogaria êxtases de fervor religioso e entusiasmo cavalheiresco nas “águas geladas do cálculo egoísta”. E submeteria todas as instituições nacionais à lógica revolucionária do mercado global.

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Até agora, a monarquia britânica, um dos últimos vestígios do sistema feudal do Reino Unido, provou ser uma esplêndida rejeição do marxismo. A Coroa sobreviveu tanto ao período mais avançado do capitalismo vitoriano quanto ao renascimento da ortodoxia do mercado após 1979. 

Em A Constituição Inglesa, Walter Bagehot explicou o motivo: longe de minar o capitalismo, a monarquia, em sua forma britânica, o reforçou, funcionando como uma cola em uma sociedade dividida em classes antagônicas e desviando a atenção das massas das fontes reais de poder. Ela injetou pompa, romance, mistério e drama na vida do povo, mitigando o sombrio negócio de ser uma peça no sistema do capitalismo.

Mas Harry e Meghan, duque e duquesa de Sussex, podem estar prestes a provar que Marx estava certo. Eles representam o mais profundo perigo para o arranjo da monarquia com a modernidade desde que Bagehot empunhou sua caneta. As ameaças anteriores vieram de meros indivíduos – Edward VIII, princesa Diana e, mais recentemente, o príncipe Andrew. A atual é um sistema econômico inteiro. Ao deixar de integrar a “realeza”, ao mesmo tempo em que declaram “valorizar a liberdade de obter uma renda profissional”, o duque e a duquesa desencadeiam o espírito do capitalismo no centro da monarquia.

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Meghan Markle e príncipe Harry não consultaram a rainha Elizabeth nem o príncipe Charles sobre o anúncio de afastamento da família real. Foto: John Stillwell/Pool Photo via AP

Esta não é a primeira vez que os Windsors testam o capitalismo. Diana se referia à família real como “a empresa”, pois era muito profissional em sua abordagem da monarquia. O príncipe Charles vende mais de 200 milhões de libras (R$ 1 bilhão) por ano em alimentos orgânicos sob sua marca Duchy. Mas, até agora, a empresa tratou o capitalismo como um servo do feudalismo. Charles dá os lucros de sua marca Duchy à caridade e não perde a oportunidade de pregar os valores superiores do “Velho Mundo” a essa era venal, denunciando métodos agrícolas intensivos e a arquitetura moderna, enquanto denuncia empresários por colocar os lucros à frente dos princípios.

O casal Sussex está fazendo algo novo: adotando o capitalismo em sua forma mais bruta e moderna, global em vez de nacional, virtual em vez de sólido, impulsionado a produzir constantemente novos modismos.

Esse tipo de capitalismo é o inverso do feudalismo. Numa sociedade feudal, você é ligado a seus seguidores por laços mútuos de obrigação. No capitalismo do século 21, você acumula seguidores para monetizá-los. Em uma sociedade feudal, você é ligado a lotes de terra: Harry é o duque de Sussex, enquanto seu irmão mais velho é o duque de Cambridge. Em uma sociedade capitalista do século 21, você é impulsionado ao redor do mundo em busca da mais recente oportunidade de marketing. É apropriado que o principal agente do atual desastre, Meghan Markle, seja o produto de um setor de entretenimento que fez mais do que qualquer outra indústria para cumprir a previsão de Marx de que “tudo o que é sagrado” seria “profanado” e “tudo que é sólido derreteria no ar”.

O casal Sussex está determinado a se transformar em uma marca global. A primeira medida, após anunciar que estavam deixando a monarquia, era revelar o nome de sua marca, Sussex Royal, que soa um pouco como uma batata, mas logo começará a brilhar com a poeira estelar de Hollywood. Eles começaram a trabalhar em seu novo site em setembro e registraram o logotipo do Sussex Royal para uso em centenas de itens, desde meias até serviços de aconselhamento, em dezembro. 

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Eles já contrataram uma agência de gestão de marcas chamada Article, cujos clientes incluem o canal infantil Nickelodeon, a casa de moda Diane von Furstenberg e o time de hóquei no gelo Toronto Maple Leafs. Também já estão explorando as possibilidades de estabelecer um relacionamento com a Disney, empresa que sabe como lucrar com príncipes e princesas. 

Vários especialistas em branding declararam que Harry e Meghan têm “uma marca já pronta” que pode ganhar até 500 milhões de libras (cerca de R$ 2,6 bilhões) no primeiro ano. O site InfluencerMarketingHub aponta que, com 10 milhões de seguidores no Instagram, eles poderiam esperar US$ 34 mil por um post patrocinado. A SEMrush, empresa de análise de marketing com sede em Boston, diz que o “volume de pesquisas” por Meghan Markle é quase três vezes o de Beyoncé.

Harry e Meghan já estão reescrevendo as regras da realeza, para que possam se comportar como celebridades, não como funcionários públicos. Planejam abandonar o sistema pelo qual a rainha e outras realezas atendem jornalistas que compartilham seu material com o restante da imprensa.

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O casal pretende desistir disso, preferindo escolher seus bajuladores prediletos na mídia – embora, como parece que desejam continuar recebendo dinheiro do príncipe Charles, a geração mais velha terá certa influência. As negociações estão em andamento.  Especialistas em gestão de marcas sussurram que Harry e Meghan têm interesse em preservar a integridade de sua marca. Mas a lógica do capitalismo do século 21 é contra um acordo pacífico. Eles precisarão de mais do que a herança do príncipe Harry, estimada entre 20 milhões e 30 milhões de libras, para acompanhar os super-ricos globais. 

Garantir que sua marca permaneça quente e fornecer “conteúdo” a seus “canais de distribuição” exigirá que eles extraiam cada vez mais valor da monarquia – talvez incluindo revelações sobre racismo e sexismo no coração da família real. A luz do dia que Walter Bagehot disse que não deveria deixar transparecer a magia da monarquia não é nada diante do brilho do capitalismo do século 21. /TRADUÇÃO DE CLAUDIA BOZZO

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