Prioridade de Lula, política externa para América do Sul tem avanços limitados no 1º ano de governo

Diálogo com os vizinhos foi retomado, mas sem resultados mais concretos para o Brasil

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Foto do author Jéssica Petrovna

ENVIADA ESPECIAL AO RIO DE JANEIRO - O presidente Luiz Inácio Lula da Silva prometeu, no dia 1 do governo, que a América Latina seria prioridade. “Nosso protagonismo se concretizará pela retomada da integração sul-americana”, disse no discurso de posse. Os avanços regionais, no entanto, ficaram limitados à retomada do diálogo ao longo do ano enquanto o petista insistiu, sem sucesso, em se apresentar como um mediador para a guerra na Ucrânia.

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A América do Sul foi o primeiro destino do tour diplomático de Lula, a começar pela pela Argentina. Foi um gesto de aproximação depois do distanciamento que não se via há mais de 30 anos, quando Brasília e Buenos Aires estabeleceram o Dia da Amizade pondo fim a tensão do período ditatorial. Figura próxima ao petista, Alberto Fernández foi um dos alvos preferenciais de Jair Bolsonaro e a rivalidade era tão explícita que a primeira conversa entre os dois só ocorreu quase um ano após a posse do argentino. Agora, a vitória de Javier Milei no país vizinho tende a esfriar novamente essa relação, mas analistas afirmam que os dois lados devem apostar no pragmatismo, como o libertário já sinalizou.

Embora a retomada do diálogo com países como a Argentina - terceiro maior parceiro comercial do Brasil - seja importante, essa nova fase da relação com a América do Sul ainda não produziu resultados concretos, afirmam analistas ouvidos pelo Estadão. “A retomada do diálogo com os vizinhos e da própria ideia de Mercosul são importantes mas não vimos avanços significativos ao longo do ano”, pondera o professor de Relações Internacionais da FGV Pedro Brites.

O momento é desafiador: a disputa entre Estados Unidos e China colocou o mundo à beira de uma nova Guerra Fria enquanto os novos e os velhos conflitos elevam o grau de instabilidade, contexto que exige um difícil equilíbrio do chamado “Sul global”. Por isso, o Brasil precisa seguir os objetivos que foram apontadas pelo próprio governo para conseguir avanços mais significativos, sugere o diplomata Rubens Barbosa.

As prioridades - reposicionamento do Brasil na arena internacional, meio ambiente e América Latina - estão “corretas”, afirma o ex-embaixador. No entanto, “nessa volta do Brasil, ao invés de focar nessas prioridades, que são temas em que o Brasil tem força, dedicou-se tanto na guerra na Ucrânia como agora em Israel a tentar interferir no processo. E o Brasil não tem força para isso”, acrescenta.

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Presidente brasileiro Luiz Inácio Lula da Silva após encontro com repatriados da Faixa de Gaza. Na ocasião, ele acusou Israel de terrorismo. Foto: REUTERS / Ueslei Marcelino

Como exemplo dessa dificuldade que o país tem para atuar em outras frentes, Barbosa cita o mês em que o Brasil esteve à frente do Conselho de Segurança da ONU e tentou aprovar resoluções sobre a guerra entre Israel e o grupo terrorista Hamas - o que só aconteceu depois que a presidência rotativa já havia sido entregue.

Antes da guerra na Faixa de Gaza, o petista tentou se lançar como mediador do conflito na Ucrânia, mas também não teve sucesso e esbarrou nas próprias palavras. Responsabilizou Kiev, EUA e Europa pelo conflito; disse que Vladimir Putin (alvo de um mandato de prisão) poderia visitar o Brasil sem medo de ser detido e, na tentativa de recuar, questionou a permanência do país no Tribunal Penal Internacional.

“O Brasil não tem excedente de poder para influir nessas crises globais, sobretudo nas crises militares”, pontua Rubens Barbosa, que considera o balanço do primeiro ano de política externa positivo, mas acredita que o país poderia ter conquistado obtido resultados mais significativos. “Definiu prioridades corretas, tomou algumas medidas positivas, mas não teve o desdobramento, pelo menos publicamente não saiu nada nesse sentido de defesa do interesse brasileiro”, acrescenta.

Questão Venezuela explica política externa ‘comedida’

Enquanto isso, a América do Sul mostrou que as promessas de integração são difíceis de implementar. Lula, que lançou a Unasul (União das Nações Sul-americanas) com o venezuelano Hugo Chávez, em 2008, recolocou o Brasil no grupo, mas pouco se houve falar dele.

A Unasul era formada inicialmente pelos 12 países da região, mas foi desidratada pela ascensão de líderes mais à direita, ressabiados com contaminação ideológica do grupo que, em tese, visa construir um “espaço regional integrado”. Desconfiança que se dá principalmente pelo papel da Venezuela, como expôs o ex-presidente da Colômbia Iván Duque ao deixar a união que chamou de “cúmplice da ditadura”.

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Quando o Brasil, junto com a Argentina, decidiram voltar, encontraram apenas Bolívia, Guiana, Suriname, Venezuela, e Peru. Esse último, suspenso.

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A união sequer foi citada na declaração final do encontro de líderes sul-americanos promovido por Lula em Brasília. O petista queria reativar a Unasul, mas enfrentou resistência de países como o Uruguai, que havia abandonado o grupo três anos antes sob o comando de Luis Lacalle Pou, que já bateu de frente com Lula publicamente e questiona a agenda de integração regional. Por outro lado, o substituto à direita, o Prosul (Fórum para o Progresso da América do Sul), apoiado pelo ex-presidente Jair Bolsonaro, também não deslanchou. Isso mostra como as divisões ideológicas dificultam a construção desse consenso regional buscado pelo atual governo brasileiro.

O professor de Relações Internacionais da FGV Guilherme Casarões, concorda que priorizar a América Latina é “uma abordagem correta de política externa, dado o lugar central ocupado pelo Brasil na região”. E avalia que essas divisões contribuem para uma política externa mais comedida na região, especialmente, depois das críticas que o petista recebeu pela tentativa de reabilitar o ditador da Venezuela, Nicolás Maduro.

“Nos bastidores, o governo Lula tem atuado junto a Nicarágua e Venezuela para minimizar os efeitos das crises políticas locais”, afirma Casarões. “A questão é que, por estarem inseridos em uma dinâmica de polarização dentro da sociedade, o governo quer evitar lidar com esses países de maneira tão frontal. Isso explica um perfil mais comedido da política externa diante da Venezuela, por exemplo, depois das críticas a Lula pela recepção dada a Maduro”, acrescenta.

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A recepção citada por ele ocorreu na esteira do encontro de líderes sul-americanos, em maio. Na ocasião, o petista tratou as críticas à Venezuela como uma “narrativa”, reclamou das sanções americanas e disse que os “adversários vão ter que pedir desculpa pelo estrago que fizeram na Venezuela.” A declaração foi rebatida por Lacalle Pou e pelo presidente do Chile, Gabriel Boric, o jovem líder de esquerda que defende uma posição mais firme sobre a ditadura de Nicolás Maduro.

Presidente da Venezuela, Nicolás Maduro, conversa com Lula em Brasília às margens do encontro de líderes sul-americanos.  Foto: REUTERS/Ueslei Marcelino/

Sem acordo para a volta da Unasul, o encontro terminou com uma declaração vaga em defesa da integração regional e com a criação de um “grupo de contato” liderado pelos ministros das Relações Exteriores, que receberam a tarefa de traçar estratégias para essa aproximação. A criação de uma moeda comum, que também foi defendida pelo presidente brasileiro também ficou de fora do documento final, que cita apenas o compromisso de “aplicação de medidas de facilitação do comércio e de integração financeira”.

“O Brasil poderia ter uma atuação mais positiva, mais forte aqui na América Latina. O Brasil tem que exercer um papel de liderança, tem que determinar a agenda, não falo em hegemonia, mas tem que ter propostas concretas para a região não só na parte política, mas também na parte econômica, comercial, com iniciativas de formulação das cadeias produtivas regionais, por exemplo. Tem muita coisa que pode ser feita e que até agora não foi feita”, afirma Rubens Barbosa

Avanços em torno da Amazônia

A exceção, afirmam especialistas, é a pauta ambiental. Depois de quatro anos afastado da agenda, o Brasil busca se projetar como liderança regional e celebrou, em agosto, a Cúpula da Amazônia. O encontro reuniu líderes da Bolívia, Colômbia, Equador, Guiana, Peru, Suriname e Venezuela, membros da Organização do Tratado de Cooperação Amazônica (OTCA).

O grupo não se reunia desde 2009 e o encontro foi sugerido pelo Brasil. O objetivo era fortalecer o bloco para as discussões globais além de articular a busca por recursos dos países desenvolvidos em defesa da floresta. O presidente da França, Emmanuel Macron, também foi chamado já que a Guiana Francesa integra a região amazônica, mas não apareceu em Belém.

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Além de cobrar os países ricos, os países concordaram em fortalecer a OTCA e criar o Painel Intergovernamental Técnico-Científico da Amazônia inspirado no IPCC da ONU. A ideia é reunir cientistas que devem consolidar informações técnicas sobre o bioma.

Por outro lado, mais uma vez as divisões ficaram evidentes na declaração final da Cúpula, que terminou sem o compromisso de zerar o desmatamento até 2030. A meta do Brasil foi citada no texto como o “ideal”, mas não virou um dever do bloco.

A cúpula também terminou sem acordo para proibir a exploração de petróleo na região - tema que, assim como a Venezuela, expõe as diferenças dentro da própria esquerda latino-americana. O presidente da Colômbia, Gustavo Petro, foi um defensor dessa bandeira durante o encontro e, mais recentemente, na COP28 anunciou que não vai assinar novos contratos para exploração de combustíveis fósseis.

O Brasil, por sua vez, discute a possibilidade de extrair petróleo na Margem Equatorial, próximo à foz do Rio Amazonas, e aceitou entrar na Opep+, o cartel formado por gigantes do petróleo e aliados. “Eu acho importante a gente participar, porque a gente precisa convencer os países que produzem petróleo que eles precisam se preparar para reduzirem os combustíveis fósseis”, justificou o presidente ao minimizar as críticas que recebeu por aderir ao grupo do petróleo.