Prisão de ex-ministro ameaça futuro político de Cristina

Ex-presidente dependerá de rivais peronistas para não ter processo similar ao de Julio de Vido, preso após perder imunidade

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Por Márcio Resende e Buenos Aires 
Atualização:

O Congresso argentino aprovou ontem o fim da imunidade do deputado Julio de Vido, um ex-ministro-chave dos governos Néstor e Cristina Kirchner, por suspeitas de corrupção. Com a prisão pedida por dois juízes, ele se entregou à polícia quando agentes já o procuravam. 

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De Vido foi homem-forte e ministro do Planejamento durante 12 anos nos governos kirchneristas (2003-2015), nos quais foi responsável por gerenciar bilhões de dólares em obras públicas. Ele é acusado de desviar fundos na importação de gás líquido e na administração de um depósito de carvão. 

Ex-presidenteCristina Kirchner conversa com o deputadoDe Vido, em imagem de 2014 Foto: JUAN MABROMATA/AFP

A suspensão da imunidade no Parlamento recebeu 176 votos a favor e 1 abstenção. A ex-presidente Cristina Kirchner, agora senadora eleita, declarou recentemente que “não põe suas mãos no fogo por De Vido, nem por ninguém”.  Impacto. A prisão do deputado tem forte impacto no futuro político da ex-presidente. Depois de ter garantido uma vaga no Senado na eleição legislativa de domingo, ela corre risco de passar por um processo similar no Congresso para anulação de sua imunidade parlamentar. 

Essa possibilidade deve torná-la um elemento de fricção dentro do peronismo. Ela pode forçar a legenda a tê-la como líder, mas é a única referência do partido a ter imagem negativa superior à positiva (mais de 60% de imagem negativa). Isso pode manter o principal partido opositor fragmentado, beneficiando o governo de Mauricio Macri.

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“É o melhor cenário para Macri, porque o peronismo não vai aceitar essa liderança de Cristina e continuará mais tempo fragmentado”, disse ao Estado o analista em opinião pública, Raúl Aragón. “Ela já está no seu teto potencial de votos. Não tem como disputar uma eleição presidencial e o peronismo já não a tolera mais”, avalia.

Segundo analistas, Cristina terá de ceder à ala do partido não alinhada ao kirchnerismo, corrente peronista que se caracteriza justamente pelo confronto. Se ela não ceder, o peronismo terá sempre uma carta na manga. “Caso algum juiz peça a remoção da imunidade parlamentar de Cristina, o peronismo pode votar com o governo para retirar essa imunidade e deixá-la exposta a enfrentar uma série de processos judiciais”, avalia Aragón. “O que ela poderá negociar é simplesmente alguns nomes para formar as listas de candidatos parlamentares para as eleições gerais de 2019”, prevê.

No âmbito nacional, o governo obteve cerca de 41% dos votos na votação de domingo. Isso significa que hoje Macri seria reeleito no primeiro turno, se contasse com esses votos. Para ganhar a eleição, um candidato precisa apenas de 40% dos votos, desde que mantenha uma diferença igual ou superior a 10 pontos em relação ao segundo colocado. 

Macri ainda conseguiu a façanha de vencer nos cinco principais distritos eleitorais do país, responsáveis por 76% dos eleitores. Apenas em 1985, com o ex-presidente Raúl Alfonsín, houve vitória tão contundente.

Para o analista político e consultor Sergio Berensztein, a presença de Cristina e a falta de referências dentro do partido complicam a unidade da oposição peronista, mas beneficiam os planos econômicos pensados por Macri. 

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“Complica o peronismo, porque ela vai querer ter um papel nacional e o partido não vai reconhecer uma liderança dela, mas beneficia Macri pelo lado dos investimentos. Se Cristina fosse influente, o país não cresceria como Macri precisa”, indica. Macri anunciou que vai convocar, na semana que vem, um grande acordo entre legisladores, empresários, sindicalistas e juízes para avançar com reformas políticas e econômicas.

Mesmo com o vácuo interno, a oposição peronista deve começar um processo de recomposição do partido para disputar as eleições de 2019. Para dissuadir a ex-presidente de sua tentativa de ganhar protagonismo, a ameaça deverá ser a da perda da imunidade parlamentar. “Essa ameaça estará sempre. Para muitos peronistas, a forma de lavar a imagem do partido perante a sociedade é entregar Cristina”, avalia Berensztein.

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