Processo criminal de Trump em Nova York pode colidir com a campanha de 2024

Levará muitos meses até que o ex-presidente, que está concorrendo mais uma vez ao cargo, volte ao tribunal para responder às 34 acusações de falsificação de registros

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Por Ann E. Marimow, Rosalind S. Helderman e Josh Dawsey

O juiz que preside o processo criminal de Donald Trump disse que pretende agir rapidamente, mas entre o lento sistema judiciário de Nova York e a tendência de Trump de pressionar por atrasos em questões jurídicas, analistas preveem que o caso deve se prolongar e colidir com a campanha presidencial de 2024.

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Levará muitos meses até que o ex-presidente, que está concorrendo mais uma vez ao cargo, volte ao tribunal para enfrentar as 34 acusações de falsificação de registros empresariais reveladas esta semana.

Os advogados de Trump têm até agosto para apresentar contestações ao processo que o acusa de ocultar um pagamento a uma atriz de filmes pornôs antes da eleição presidencial de 2016 para mantê-la em silêncio sobre uma relação sexual que ela diz ter tido com Trump anos antes. Essas contestações podem coincidir com o primeiro debate da temporada das primárias republicanas, que também está agendado para agosto.

Acusado criminalmente, ex-presidente Donald Trump tentará voltar à Casa Branca  Foto: Mary Altaffer/AP - 4/4/2023

Um dos advogados de Trump, Joe Tacopina, disse na quarta-feira que não espera nenhum avanço significativo antes de julho. “Vai demorar muito até que alguma coisa aconteça”, disse Tacopina em entrevista. “Vamos ser metódicos”.

Trump, que se declarou inocente das acusações, provavelmente convocará eventos para reunir apoiadores e viajará na próxima semana para falar com os principais doadores do Partido Republicano, em Nashville, e depois para a convenção anual da Associação Nacional do Rifle, em Indianápolis, segundo conselheiros do ex-presidente.

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Trump assistiu à entrevista coletiva do promotor distrital de Manhattan, Alvin Bragg, no avião de volta para sua casa na Flórida e criticou o promotor. É provável que ele continue atacando Bragg e o juiz da Suprema Corte de Nova York, Juan Merchan, embora alguns em sua órbita desejem que ele suspenda os ataques – particularmente ao juiz – de acordo com conselheiros, que falaram sob condição de anonimato para compartilhar conversas privadas.

Na terça-feira, os promotores sugeriram uma data de julgamento em janeiro, pouco antes das primeiras convenções de Iowa, em 5 de fevereiro. Mas a equipe jurídica de Trump sugeriu que uma data no segundo trimestre de 2024 seria mais “realista”, algo a que o juiz parecia aberto.

O promotor Christopher Conroy apresentou um cronograma para entregar à defesa documentos preliminares, como depoimentos de testemunhas do grande júri, e ressaltou a urgência do assunto.

“Entendemos que existe um intenso interesse público em levar este caso adiante o mais rápido possível”, disse Conroy.

No segundo trimestre do ano que vem, a campanha de Trump talvez esteja empenhada em uma longa batalha de delegados ou, se os primeiros estados estiverem a seu favor, já tenha garantido a indicação. Qualquer um dos cenários pode fornecer motivos para a equipe jurídica de Trump buscar mais adiamentos.

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Espera-se que os advogados de Trump “adotem todas as táticas para atrasar o julgamento. Esse tem sido o modus operandi de Trump em praticamente todos os casos”, disse por e-mail Neal Katyal, ex-procurador-geral interino que acompanhou de perto litígios envolvendo o ex-presidente. “Aqui, o atraso permite que ele esvazie a acusação sem ter de enfrentar o ajuste de contas no sistema jurídico”.

Arrecadação

Na quarta-feira, Trump postou uma mensagem na rede social Truth Social na qual disse que sua campanha arrecadou US$ 10 milhões desde que o indiciamento foi anunciado na semana passada.

Katyal disse que as típicas táticas de atraso de Trump talvez não tenham sucesso neste caso e que ele pode enfrentar simultaneamente outros problemas legais com investigações em andamento em Washington e na Geórgia sobre o manuseio de material sigiloso em sua residência e clube de Mar-a-Lago e seus esforços para derrubar a eleição de Joe Biden em 2020.

Também na quarta-feira, o ex-vice-presidente Mike Pence decidiu não apelar da decisão de um juiz que exige que ele testemunhe perante um grande júri como parte da investigação do conselho especial sobre o ataque de 6 de janeiro de 2021 ao Capitólio dos Estados Unidos.

A equipe de Trump espera que até o fim do ano haja algum movimento nas outras investigações – investigações que eles temem mais do que a de Nova York. De acordo com assessores, Trump ficou irritado com os relatórios que recebeu sobre seus advogados e assessores próximos testemunhando devido a ordens judiciais como parte da investigação do procurador especial Jack Smith sobre o possível tratamento incorreto de centenas de documentos sigilosos sobre segurança nacional.

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Em Nova York, Bragg acusou Trump de falsificar registros empresariais para encobrir, em 2017, pagamentos do ex-presidente a Michael Cohen, seu ex-advogado. Cohen pagou US $ 130 mil para impedir que a atriz Stormy Daniels tornasse pública suas alegações de que ela teve um caso com Trump, o que ele nega.

Os promotores dizem que os cheques, comprovantes e faturas relacionados ao reembolso de Cohen por Trump – mantidos pela Trump Organization – foram intencionalmente caracterizados de maneira errada, como pagamentos por serviços jurídicos.

Especialistas jurídicos disseram que a maneira como Bragg estruturou o caso pode levar a mais atrasos. Alguns criticaram Bragg por não articular claramente na acusação e na declaração dos fatos os crimes subjacentes específicos que ele acredita que Trump pretendia cometer, o que elevaria à categoria de crime as acusações de falsificação de registros empresariais – que são contravenções menores.

Bragg disse a repórteres na coletiva de imprensa da tarde de terça-feira que os crimes subjacentes correspondiam a violações das leis eleitorais estaduais e federais, além de declarações fiscais falsas. Bragg disse que os reembolsos a Cohen foram erroneamente caracterizados como renda, em vez de reembolso, às autoridades fiscais estaduais.

“O que o promotor produziu até agora é escasso”, disse Richard Hasen, professor de direito da UCLA e especialista em direito eleitoral, que ficou surpreso com o fato de a acusação não incluir um memorando legal apontando para estatutos subjacentes específicos, mesmo que essa etapa não fosse exigida pelas leis de Nova York.

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“Dada a atenção que todos sabiam que este caso iria atrair, fiquei surpreso”, disse ele. “Foi muito vago. Vejo isso como um sinal de fraqueza, não de força”.

Analistas disseram que a abordagem de Bragg pode ser problemática porque os tribunais sustentam que as leis estaduais são superadas por estatutos federais. Por esse motivo, os promotores estaduais podem ser impedidos de processar candidatos federais por crimes federais. Ao mesmo tempo, não está claro se Trump, enquanto candidato federal, pode ser responsabilizado por crimes de financiamento de campanha estadual.

Em imagem de arquivo, o então presidente Donald Trump visita tropas no Afeganistão  Foto: Tom Brenner/Reuters - 28/11/2019

Outros especialistas jurídicos previram que os juízes serão persuadidos pelos argumentos de Bragg de que Trump falsificou registros empresariais para esconder a intenção de violar as leis estaduais e federais de financiamento de campanha.

Karen Friedman Agnifilo, ex-procuradora-chefe assistente de Manhattan, e Norman Eisen, membro sênior da Brookings Institution que atuou como conselheiro dos democratas da Câmara durante o primeiro impeachment de Trump, argumentaram em um artigo de opinião no New York Times que não há “nada de novo” no caso. Eles observaram que outras autoridades foram acusadas de falsificar registros empresariais para ocultar violações de campanha, embora cada um dos casos citados envolvesse autoridades estaduais e não federais.

Eles também citaram alguns casos em que algumas leis eleitorais estaduais foram aplicadas a casos federais. “Ele está sendo tratado como qualquer outro nova-iorquino seria tratado diante de provas semelhantes”, argumentaram.

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Jerry H. Goldfeder, diretor do projeto de direitos de voto e democracia da Escola de Direito da Universidade Fordham, disse que, como candidato presidencial, Trump ainda precisa seguir as leis eleitorais de Nova York. Bragg, disse ele, não era obrigado a acusar Trump separadamente de quaisquer crimes relacionados à eleição para alegar que Trump pretendia burlar as leis eleitorais falsificando registros empresariais.

“É um processo válido. É incomum, mas perfeitamente apropriado, fazer acusações de tais violações”, disse Goldfeder. “O promotor distrital precisa fundamentar o caso para além de qualquer dúvida razoável, e caberá a doze nova-iorquinos decidir se ele fez algo errado.”

É possível que a equipe de Bragg tenha de divulgar alegações mais específicas antes de um julgamento ou antes de a equipe de Trump apresentar suas moções. Os advogados do ex-presidente provavelmente contestarão a suficiência da acusação como argumento para arquivar o caso.

Se o processo de Trump for a julgamento daqui a um ano, como sugerido pelos advogados do ex-presidente, ainda seria considerado rápido em comparação a outros casos no tribunal estadual de Manhattan. Não é incomum que questões criminais se arrastem por anos, com atrasos por recursos e outras questões. As datas dos julgamentos são alteradas com frequência devido a disponibilidade de testemunhas, feriados e outros obstáculos.

Trump também tem um longo histórico de atrasos deliberados no sistema judicial. Ele costuma trabalhar para exaurir o público e seus oponentes no tribunal na esperança de que os casos contra ele enfraqueçam com o tempo.

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Como presidente, ele tentou impedir que parlamentares acessassem suas declarações fiscais e barrar suas tentativas de entrevistar seu ex-advogado da Casa Branca sobre a tentativa de Trump de minar a investigação do procurador especial Robert S. Mueller III sobre a interferência da Rússia nas eleições. Ele efetivamente esgotou o tempo em ambos os casos, embora o Congresso tenha obtido parte do que queria.

Neste caso, Jed Shugerman, professor da Escola de Direito da Universidade Fordham, disse que Bragg abriu um flanco para que os advogados de Trump tentassem fazer com que um juiz federal interviesse e decidisse sobre questões relacionadas às supostas violações da lei eleitoral, um processo que poderia subir até a Suprema Corte dos Estados Unidos e estender o caso por mais de um ano. Ele disse que era “difícil imaginar um cenário” em que o processo fosse julgado antes da eleição de 2024, caso Trump pedisse a intervenção de um tribunal federal.

Shugerman disse que, embora os atrasos de Trump normalmente funcionem para “manipular o sistema”, neste caso, Trump tem motivos razoáveis, pois espera que o escritório de Bragg forneça provas e uma explicação mais completa do caso. “Ele pode usar isso a seu favor”, disse Shugerman. / TRADUÇÃO DE RENATO PRELORENTZOU

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