Progressistas pressionam Biden para não selecionar assessores com laços com Wall Street

Várias escolhas do presidente-eleito foram elogiadas pela esquerda do Partido Democrata. As mais próximas ao mercado financeiro, no entanto, despertam a ira de grupos de pressão, o que permite notar como o Partido Democrata mudou desde Obama

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Por Alan Rappeport
Atualização:

WASHINGTON — Cinco anos atrás, Jeffrey Zients era o chefe do Conselho Econômico Nacional do governo Obama, e trabalhava para aprovar uma regra federal que impediria consultores financeiros de tirar vantagem de aposentados. Ele recebia elogios de progressistas por enfrentar a resistência feroz de Wall Street e lutar pela proteção do consumidor.

Atualmente, Zients é co-presidente da equipe de transição do presidente eleito americano, Joe Biden, e está sendo observado com cautela por membros da ala esquerda do Partido Democrata. Grupos progressistas, como o Revolving Door Project e o Justice Democrats, afirmam que ele defenderia as corporações se recebesse um cargo de destaque em política econômica no governo Biden e pressionam para mantê-lo afastado de tal papel. Eles veem seu trabalho recente administrando um fundo de investimento — o Cranemere — e sua participação no conselho do Facebook como comprometedores.

Biden terá de enfrentar resistências e lobby Foto: Carolyn Kaster/ AP Photo

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A resistência preventiva da esquerda a Zients é o mais recente sinal de como o Partido Democrata mudou nos 12 anos desde que o ex-presidente Barack Obama assumiu o cargo em meio à crise financeira. Agora, experiência em negócios e finanças pode transformar candidatos qualificados em párias para os progressistas.

Zients, de 54 anos, surgiu como um importante centro de poder na equipe de transição de Biden e foi cotado para liderar mais uma vez o Conselho Econômico Nacional ou chefiar o Escritório de Gestão e Orçamento, função que desempenhou como interino durante o governo Obama. Com esses cargos definidos para serem preenchidos por outros, Zients é o favorito, de acordo com pessoas familiarizadas com os planos da equipe de transição, para ser o czar contra a covid do governo Biden, conduzindo a resposta do governo à pandemia do coronavírus.

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Em um sinal da pressão que está por vir, o Revolving Door Project tem instado Biden a manter a influência corporativa fora de seu governo e compilou um documento de 13 páginas sobre Zients. O arquivo destaca sua riqueza, seu apetite por reduzir o déficit durante os anos de Obama e seu recente trabalho como presidente-executivo da Cranemere.

No governo Obama, “seu papel era essencialmente o de consultor de gestão para o Poder Executivo: cortar custos, aumentar a eficiência e olhar para as coisas como um homem de negócios”, diz o documento da Revolving Door.

Os progressistas têm pressionado a equipe de transição de Biden para nomear seus candidatos preferidos nas funções principais e têm apoiado bastante algumas das primeiras escolhas de Biden. Entre elas estão Janet Yellen, ex-presidente do Fed, que será secretária do Tesouro; Cecilia Rouse, economista trabalhista da Universidade Princeton, que dirigirá o Conselho de Consultores Econômicos; e Neera Tanden, presidente-executiva do Center for American Progress, que vai liderar o Escritório de Gestão e Orçamento.

Mas outros estão provocando uma reação negativa, incluindo Brian Deese, a quem Biden escolheu para chefiar o Conselho Econômico Nacional, e Adewale Adeyemo, a escolha do presidente eleito como vice-secretário do Tesouro. Ambos trabalharam na empresa de gestão de ativos BlackRock, e muitos na ala progressista veem os laços profundos  com o mercado financeiro como uma bandeira vermelha.

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“Em geral, os democratas deveriam ficar alarmados com qualquer governo democrata que considere encher a Casa Branca com membros de Wall Street e lobistas corporativos”, disse Waleed Shahid, porta-voz do Justice Democrats, um comitê de ação política.

No início de sua carreira, Zients trabalhou como consultor na Bain & Co. antes de ingressar na Advisory Board Co., uma empresa de pesquisa e consultoria em saúde, onde foi promovido a CEO. Ele ajudou a liderar uma cisão desse negócio, que abriu o capital. De acordo com a Fortune, a lucrativa oferta pública inicial ajudou a alimentar o patrimônio líquido da Zients, que a revista divulgou em quase US$ 150 milhões em 2002.

Em 2009, Zients ingressou no Escritório de Gestão e Orçamento como “responsável pelo desempenho”, ganhando destaque dentro do governo Obama como alguém que “resolvia problemas”, com fortes habilidades operacionais e um talento especial para resolver situações difíceis.

“Eu o chamo de bombeiro definitivo nessas funções”, disse Denis R. McDonough, chefe de Gabinete de Obama, que pediu a Zients para assumir o projeto de consertar o site do Obamacare em 2013. “Ele corre para os prédios em chamas. Ele não pergunta por quê. Ele não pergunta quando. Ele não pergunta quem vai com ele.”

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No segundo mandato de Obama, Zients liderou o Conselho Econômico Nacional, onde conduziu novos regulamentos para reprimir os empréstimos no dia de pagamento e conduziu o desenvolvimento da chamada regra fiduciária — uma exigência de que os profissionais financeiros colocassem os interesses de seus clientes em contas de aposentadoria à frente de seus próprios. A regra do Departamento de Trabalho, que as indústrias de serviços financeiros e seguros desafiaram fortemente, foi derrubada por um tribunal federal de apelações em 2018.

Esses esforços lhe renderam elogios de alguns democratas progressistas.

“O governo precisa de talento e experiência”, disse Dennis Kelleher, presidente da Better Markets, que promove a reforma de Wall Street, e é membro da equipe de revisão de transição de Biden para o Fed, reguladores bancários e de valores mobiliários. “As pessoas que vão tentar regulamentar um setor tão complicado como o financeiro não podem dizer que só vamos contratar pessoas que não sabem nada sobre finanças.”

Mas seu papel como ponte para os negócios durante o governo Obama levantou algumas sobrancelhas. Zients foi um dos principais contatos do governo com executivos e lobistas quando a raiva contra Wall Street pela crise financeira de 2007-08 estava no auge.

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Lobistas importantes, como a Business Roundtable e a Câmara de Comércio dos EUA, elogiaram Zients como alguém que os ouviu. Descrevendo seu desejo de ouvir os líderes empresariais, Zients disse aos executivos em um evento de 2014 no Economic Club of Washington: "Vocês são os clientes, todos vocês como líderes empresariais, em termos de crescimento da economia.”

Depois que Obama deixou o cargo, Zients juntou-se como presidente-executivo ao fundo Cranemere, do investidor Vincent Mai. A holding privada tem investidores dos Estados Unidos, da Europa, da América Latina e do Oriente Médio e adota uma abordagem de investimento de longo prazo nos moldes de Warren Buffett.

Zients, que está de licença da Cranemere, também passou dois anos no conselho do Facebook e foi membro do comitê de auditoria da empresa. Ele disse às pessoas que estava preocupado com a direção e a governança da empresa e optou por não buscar a reeleição para o conselho neste ano. O Facebook foi criticado pelos democratas por permitir a disseminação de desinformação, e também pelos republicanos, que o acusam de censura.

Jeff Hauser, diretor do Revolving Door Project, disse que a experiência de Zients trabalhando em um fundo financeiro e no Facebook foi problemática e pode ser um presságio de problemas para causas progressistas em uma Casa Branca de Biden. Embora ele veja a experiência de Zients na indústria de saúde como útil para o gerenciamento da resposta à pandemia, Hauser disse estar preocupado com a possibilidade de Zients ser muito complacente com as empresas privadas, por exemplo, na distribuição das vacinas no ano que vem.

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“A disseminação e a entrega da vacina serão um empreendimento significativo”, disse Hauser, acrescentando que Zients sabia como fazê-lo. “Mas se ele será ou não demasiadamente simpático às empresas na admnistração desse poder, ainda não se sabe.”

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