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Acesso das mulheres sauditas ao mercado de trabalho dobra, mas avanço é desigual

Ajustes e avanços são evidentes na vida cotidiana, mas cultura do país continua conservadora

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Por Kate Kelly

RIAD, Arábia Saudita — Na loja apertada em que Kholoud Ahmed vende as tradicionais batas femininas muçulmanas conhecidas como abayas, a miríade de cores é uma revelação.

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No passado, as mulheres de Riad vestiam-se tipicamente sempre com abayas negras, não importando a ocasião. Agora, observou Kholoud, de 21 anos, há abayas com diferentes cores para diferentes ocasiões: casamentos, encontrar-se com amigas num café, visitar os pais. 

“Abayas coloridas costumavam ser algo estranho para nós em Riad, algo incomum”, afirmou Kholoud, que trabalha como vendedora na loja. “Em um ano, as coisas mudaram significativamente. Hoje isso é normal.”

Desde que o príncipe herdeiro Mohammed bin Salman tornou-se o líder de facto da Arábia Saudita, mais de quatro anos atrás, ele prometeu novas oportunidades para as mulheres sauditas, como parte de um plano de modernização mais abrangente chamado Visão 2030.

O plano, que é divulgado por todos os cantos de Riad em pôsteres e bandeiras, tem o objetivo de livrar o reino de sua dependência histórica em relação ao petróleo e voltá-lo para novas indústrias, incluindo tecnologia, farmacêuticos e turismo. 

Mas para criar mais oportunidades de emprego para sauditas e atrair investidores estrangeiros e multinacionais para a monarquia no deserto, o príncipe herdeiro Mohammed também está distanciando o país da cultura conservadora que manteve muitas mulheres trancadas em suas casas por anos e assustava muitos estrangeiros. 

Ao longo dos últimos cinco anos, a porcentagem de mulheres que trabalham fora quase dobrou, de acordo com estatísticas oficiais, para 32%, contra cerca de 18%. Mulheres sauditas trabalham atualmente como agentes aduaneiras no Aeroporto Internacional ReiKing Khalid, em Riad, gerentes de relacionamento com cliente em bancos e hostess de restaurantes. 

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Adicionalmente às mudanças nos locais de trabalho, os espaços públicos estão sendo segregados menos rigidamente por sexo. Em cafés de Riad, como o Overdose (mote: “Cafeína é minha droga preferida”), clientes homens e mulheres passaram a poder saborear seus cafés com leite no mesmo espaço. 

Grupo de mulheres e crianças faz piqueninque em Riad, Arábia Saudita;acesso das mulheres sauditas ao mercado de trabalho dobra, mas avanço é desigual Foto: Iman Al-Dabbagh/NYT

Mulheres podem frequentar estádios para assistir certos eventos esportivos, o que era proibido até poucos anos atrás. Elas não têm mais de usar portões separados para entrar nos estádios, mas alguns locais ainda adotam esse hábito. Elas também podem solicitar passaportes, viver sozinhas e trabalhar para se manter. 

Mas o progresso tem sido desigual. 

O sistema de tutela, que apesar de algumas reformas recentes ainda vigora, determina que as mulheres dependem da permissão de homens — com frequências seus pais ou maridos, mas em alguns casos, seus filhos — para poder se casar e tomar importantes decisões. 

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Uma proeminente ativista pelos direitos das mulheres ficou presa três anos por pressionar publicamente por algumas das mesmas mudanças que o príncipe herdeiro Mohammed queria fazer — incluindo permitir que mulheres dirijam carros. Desde então, ela foi libertada e publicou um artigo acadêmico sobre o status das mulheres sauditas. 

Ajustes e avanços são também evidentes na vida cotidiana. Os trajes das mulheres em Riad, apesar de mais despojados do que alguns anos atrás, ainda estão longe de ser liberais; mesmo as mulheres que evitam as abayas usam roupas com mangas longas, sem decotes e bainhas baixas.

Elas podem estar gastando o dinheiro de seus salários recentes para comprar botas de cano curto e salto baixo e vestidos da Zara, mas continuam usando itens desse tipo somente em ambientes privados.

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“Não é como antes, que a gente era obrigada a usar o hijab e tudo mais”, afirmou Marwa, uma universitária de 19 anos que fazia compras na loja de Kholoud, referindo-se ao tradicional véu usado pelas mulheres sauditas. “Agora podemos escolher com mais liberdade, mas ainda limitada. Você não vai mostrar o corpo.” 

Apesar de muitas coisas terem mudado, a cultura do país continua tão conservadora — e requerendo cautela para não enfurecer autoridades — que Marwa, como muitas das outras moradoras de Riad entrevistadas para esta reportagem, preferiram não se identificar com o nome completo. 

Marwa afirmou que outras mudanças culturais, como permitir que lojas fiquem abertas durante os períodos de oração de cada dia, para agradar tanto comerciantes quanto clientes, criaram problemas próprios. 

Algumas pessoas mais devotas, que vão rezar não importa o que aconteça, afirmou ela, poderiam se sentir ofendidas com essa prática de manter o comércio aberto nos momentos de oração. “É como se você estivesse desrespeitando a hora de rezar”, afirmou ela. Sua amiga Alaa — que usava calça de moletom e tênis por baixo da abaya e tem tatuada no pulso a frase, “Não confie em ninguém” — concordou. 

Durante um chamado para oração, alguns minutos depois, vários funcionários de lojas de artigos masculinos fecharam as portas dos estabelecimentos e se dirigiram para a sala de reza do shopping center, no andar superior do edifício. No piso térreo, cerca de 10 mulheres, clientes que usavam abayas negras e hijabs, pegaram tapetes de reza depositados em uma pilha, num canto do ambiente, e se ajoelharam para rezar. Outras mulheres sentaram-se silenciosamente nos bancos do local, de olho nos filhos que circulavam em seus carros de brinquedo movidos a bateria. 

Um homem de 52 anos, pai de seis, que se identificou apenas pelo apelido Abu Abdullah, afirmou que viu benefícios nos momentos de oração mais flexíveis e nas novas oportunidades para as mulheres. “Durante viagens, não temos de rezar”, afirmou ele. “Até as mulheres não precisam rezar por sete dias”, disse, referindo-se à proibição de que mulheres rezem quando estão menstruadas. 

Algumas das cinco filhas de Abu Abdullah estavam próximas do pai, comendo milho com manteiga e batatas fritas. Uma delas, Nout al-Qahtani, de 13 anos, afirmou estar animada com as mudanças para as mulheres na Arábia Saudita. “Quero trabalhar”, afirmou ela. “Quero muito ser médica.” 

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O pai notou que nem todo emprego dos sonhos é apropriado. 

“Alguns trabalhos não são para mulheres”, disse ele, citando profissões como de encanador e pedreiro como exemplos. “É melhor colocá-la no lugar certo”, acrescentou ele. / TRADUÇÃO DE GUILHERME RUSSO

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