WASHINGTON — O indiciamento contra o ex-presidente Donald Trump tornado público na terça-feira, 4, revelou uma acusação inesperada que impulsiona o que muitos juristas descrevem como um conjunto probatório arriscado e sem precedente: os promotores alegam que ele falsificou registros corporativos como parte de um plano para enganar as autoridades tributárias do Estado.
Acusar Trump de fraude contábil com objetivo de ocultar violações nas finanças de sua campanha, muitos creem, pode ocasionar contestações significativas. Essa acusação se revelou parte importante da teoria do promotor distrital de Manhattan Alvin Bragg — mas sua tese vai além.
“Os comentaristas vinham especulando que Trump seria acusado de suborno para afetar ilegalmente uma eleição, e essa teoria é construída sobre temas jurídicos e poderia ser difícil de provar”, afirmou Rebecca Roiphe, professora da Escola de Direito de Nova York e ex-promotora estadual.
“Acontece que o indiciamento também inclui uma alegação de que Trump falsificou registros para cometer um crime contra a tributação estadual”, continuou ela. “Essa é uma acusação muito mais simples, que evita possíveis contratempos.”
Donald Trump vira réu
Fraude contábil
O indiciamento listou 34 acusações de fraude contábil relacionadas a reembolsos pagos por Trump, em 2017, a Michael Cohen, seu ex-advogado e intermediador. Pouco antes da eleição de 2016, Cohen tinha feito um pagamento de US$ 130 mil para a atriz pornô Stormy Daniels, para que ela se calasse a respeito do caso amoroso que ela afirma ter mantido com Trump.
Vários registros corporativos desses pagamentos para Cohen, afirma a acusação, caracterizaram falsamente essas remessas como pagamentos por serviços jurídicos prestados em 2017. O júri responsável por analisar as provas da promotoria aceitou o recebimento da denúncia contra Trump por fraude contábil em relação a cada um desses registros, segundo o Artigo 175 do Código Penal de Nova York. Cada condenação pode resultar em penas de até 4 anos de prisão.
Mas normalmente fraude contábil significa um delito menor. Para classificar a violação como um crime de maior potencial ofensivo, os promotores têm de provar a intenção do réu em cometer, auxiliar ou ocultar um segundo crime.
Na terça-feira, Bragg sugeriu que Trump teria falsificado registros corporativos como mecanismo para corroborar alegações falsas e intencionais para autoridades tributárias.
No tribunal, o promotor Christopher Conroy acusou o ex-presidente de fazer a Trump Organization criar uma série de registros corporativos falsos, acrescentando que ele “chegou a descaracterizar, com objetivos tributários, a verdadeira natureza do pagamento”.
Crimes graves
Os promotores terem citado a possibilidade de falsificação intencional em registros tributários pareceu especialmente significativo para juristas, dada a especulação a respeito da maneira que fraudes contábeis poderiam vir a constituir crimes graves.
“A referência a registros tributários falsos pode poupar o caso de contestações capazes de aparecer se as acusações criminais forem fundamentadas apenas sobre leis eleitorais federais e estaduais”, afirmou o professor de direito Ryan Goodman, da Universidade de Nova York.
Bragg eventualmente terá de mostrar suas cartas. Barry Kamins, ministro aposentado da Suprema Corte do Estado de Nova York que hoje trabalha como advogado, afirmou que a próxima fase do caso exigirá que os promotores revelem mais informações.
“O que acontece agora é que os promotores serão obrigados a apresentar elementos em descoberta”, afirmou ele. “A defesa será informada a respeito da natureza das violações eleitorais e das questões tributárias simultaneamente à constatação dos elementos aventados por Bragg em seu sumário de conduta.” / TRADUÇÃO DE GUILHERME RUSSO
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