A Convenção Constituinte do Chile, que há exato um ano começou a trabalhar na redação de uma nova Constituição para o país sul-americano, apresentou o texto final ao presidente Gabriel Boric nesta segunda-feira, 4. Em meio a um cenário político já conturbado, a entrega da proposta deve acentuar ainda mais a polarização no país enquanto decide sobre a aprovação ou rejeição do texto.
A redação apresentada pelos 154 integrantes da Convenção define o Chile como um “Estado social de direito” e uma “república solidária”, trazendo uma série de novas garantias de direitos sociais em comparação à Constituição atual, outorgada nos anos 1980 durante a ditadura de Augusto Pinochet - e posteriormente reformada no período democrático.
Ao contrário do que se esperava quando o ex-presidente Sebastián Piñera e a maioria dos partidos políticos nacionais chegaram a um acordo sobre a realização de um referendo sobre uma nova Constituinte - para aplacar os estrondosos protestos sociais de 2019 -, o processo político não alcançou o objetivo de pacificar o país.
“Não foi tão simples e amigável como muitos de nós sonhamos”, afirmou o escritor Patricio Fernández, um dos representantes eleitos para a Convenção Constituinte, ao comentar sobre o ano de trabalho.
Com uma maioria significativa que impediu a oposição de vetar as propostas, a esquerda chilena conseguiu impor os artigos que quiseram - e que sobreviveram aos debates internos de “bancada”. Questões ligadas aos direitos a educação, saúde e um sistema pensões entraram sem maiores dificuldades, assim como pontos mais questionados, envolvendo povos indígenas, pautas ambientais e mesmo o reconhecimento da existência de vários povos dentro da nação chilena - alguns desses especialmente repudiados por setores da direita.
No entanto, se determinadas pautas se beneficiaram da composição da Convenção para serem incluídas no texto final, a presença delas pode dificultar a aprovação da Constituição na votação geral, que acontecerá durante um plebiscito no dia 4 de setembro. Pesquisas de opinião recentes apontam que o “rechazo” à nova Constituição tem vantagem em relação ao “Apruebo”.
Embora a campanha oficial pela rejeição ou aprovação do novo texto só comece em 6 de julho, um embate aberto já acontece nas ruas das cidades e nas redes sociais. Enquanto ativistas de esquerda defendem que votar “rechazo” é o mesmo que votar em Augusto Pinochet, a direita chilena afirma que sua aprovação seria votar pela “autodestruição” de um país.
De acordo com o cientista político Claudio Fuentes, professor da Universidad Diego Portales, o cenário para a votação de 4 de setembro ainda está em aberto. Segundo ele, ainda há muita “desinformação” sobre o que exatamente diz a proposta, o que deve ser esclarecido durante o período eleitoral.
“Com certeza será uma campanha muito polarizada e um pouco mais focada em conteúdo”, disse Fuentes em entrevista à France-Presse.
Na avaliação do professor, a disputa entre direita e esquerda neste momento é para atrair os votos moderados - que devem definir o futuro da Constituição.
Enquanto os defensores da aprovação terão que se livrar da pecha de defenderem uma proposta extremista - o que foi intensificado por discursos de algumas vozes mais radicais durante a convenção - os defensores da rejeição terão que expandir seu alcance para além da direita.
“Até agora, todas as pesquisas mostram que não há mais de 45/46% de apoio à rejeição, que é o que a direita no Chile historicamente obtém em termos de votação. Portanto, a questão será se ela tem capacidade de adicionar votos dos moderados para essa campanha”, apontou.
Para os defensores da aprovação, será necessário “um trabalho para convencer que o texto efetivamente muda a vida das pessoas”, acrescentou./ AFP e EFE
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