MOSCOU - O presidente da Rússia, Vladimir Putin, foi contra seu próprio decreto ao chamar a guerra na Ucrânia de guerra pela primeira vez em público, e acabou virando alvo de uma ação legal de um dissidente russo. Desde março, quem chamar o conflito na Ucrânia de guerra por pegar até 15 anos de prisão por “disseminar desinformação sobre o Exército russo”.
Moscou se refere à invasão como uma “operação militar especial” e nunca fez uma declaração de guerra formal. Esta denominação, que pode soar como apenas detalhe, já trouxe implicações reais para a Rússia, que teve dificuldades de convocar novos soldados já que não é permitida mobilizações sem uma declaração de guerra.
Mas nesta quinta-feira, 22, enquanto fazia críticas à visita de Volodmir Zelenski aos Estados Unidos, o presidente russo utilizou o termo guerra. “Nosso objetivo não é controlar o volante do conflito militar, mas, ao contrário, acabar com esta guerra”, disse Putin a repórteres em Moscou, depois de participar de uma reunião do Conselho de Estado. O fato não passou despercebido por críticos.
No Twitter, Nikita Yuferev, um legislador municipal de São Petersburgo que fugiu da Rússia devido à sua postura anti-guerra, disse que pediu às autoridades russas que processassem Putin por “espalhar informações falsas sobre o exército”. “Não houve decreto para encerrar a operação militar especial, nenhuma guerra foi declarada”, escreveu Yuferev no Twitter. “Vários milhares de pessoas já foram condenadas por tais palavras sobre a guerra.”
À agência Reuters, Yuferev disse ter consciência de que seu pedido não terá repercussões legais, mas serve para expor o que chamou de falsidades do governo. “É importante para mim fazer isso para chamar a atenção para a contradição e a injustiça dessas leis que ele adota e assina, mas que ele mesmo não observa”, disse ele à agência de notícias.
No próprio Twitter ele expôs os ataques que vem sofrendo desde que decidiu publicar o processo, mas disse à Reuters que acredita que a maioria dos russos não apoiam Putin ou a guerra. “Guerra, na sociedade russa, é uma palavra assustadora. Todo mundo é criado por avós que viveram a Segunda Guerra Mundial, todo mundo se lembra do ditado ‘Tudo menos guerra’”, disse ele.
Analistas ouvidos pela imprensa americana disseram não ver uma mudança de tom de Putin ao utilizar o termo guerra, mas sim um descuido linguístico. Ou até que o deslize não se distancia muito da propaganda adotada pelo Kremlin de culpar a Ucrânia e o Ocidente pelo conflito, e a “operação militar especial” existe apenas para proteger as pessoas de origem russa.
Na lógica do Kremlin, é o Ocidente e o governo ucraniano que iniciaram uma “guerra” contra falantes de russo no leste da Ucrânia em 2014, após a revolução pró-Ocidente em Kiev. E a invasão atual da Rússia, segundo essa lógica, é uma “operação especial” projetada para acabar com essa guerra.
“Eles lançaram uma guerra contra eles em 2014 – uma guerra real”, disse Putin na entrevista coletiva de quinta-feira. “Nosso objetivo não é girar este volante de um conflito militar, mas, ao contrário, acabar com esta guerra.”
Mais ajuda para a Ucrânia
Depois da visita de Zelenski aos Estados Unidos, sua primeira viagem internacional desde a invasão da Ucrânia, o Congresso americano aprovou, nesta sexta-feira, 23, um projeto de lei orçamentária de US$ 1,7 trilhão (R$8,7 trilhões), dos quais US$ 45 bilhões (R$ 231 bilhões) serão destinados para ajudar a Ucrânia. O texto foi aprovado pelo Senado na quinta-feira e ratificado pela Câmara dos Representantes. Agora vai a sanção de Joe Biden.
Em sua viagem na última quarta-feira, 21, Zelenski fez um discurso emocionado no Congresso, agradecendo pela ajuda militar que havia recebido até então e pedindo por mais. Durante sua reunião com Joe Biden, o ucraniano recebeu a garantia de sistemas antiaéreos Patriot, que podem mudar o curso da guerra.
O novo pacote de ajuda vem em meio a crescentes preocupações sobre a profundidade do apoio político nos EUA para financiar a guerra. Alguns republicanos questionaram os gastos, enquanto alguns democratas progressistas pediram negociações de paz. Também há temores de que o envio de armamentos e sistemas cada vez mais pesados possam colocar os EUA diretamente no conflito caso a Ucrânia os utilize para atacar Moscou.
Por sua parte, o presidente russo garantiu que seu exército encontraria o antídoto para evitar esse sistema de defesa. “Aqueles que nos enfrentam afirmam que se trata de uma arma defensiva. Pois bem, vamos levar isso em conta. Sempre haverá um antídoto. De modo que as pessoas que estão fazendo isso, façam isso em vão. Não tem outra utilidade além de prolongar o conflito”, afirmou Putin na mesma coletiva que usou o termo “guerra”./AFP e NYT
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