ULAN BATOR - O presidente russo, Vladimir Putin, chegou à Mongólia na noite desta segunda-feira, 2, (horário local) para sua primeira visita oficial a um país membro do Tribunal Penal Internacional (TPI) desde que o tribunal emitiu um mandado de prisão contra ele em março do ano passado.
O tribunal acusou Putin e sua comissária de direitos das crianças de serem pessoalmente responsáveis pela “deportação ilegal” e transferência de crianças ucranianas para a Rússia. Antes da viagem de Putin, o TPI declarou que a Mongólia era obrigada a prender Putin, mas o país depende fortemente da Rússia para obter combustível, e uma prisão é considerada extremamente improvável. A Rússia desconsiderou essa possibilidade.
“Não há preocupações. Temos um ótimo diálogo com nossos amigos da Mongólia”, disse DmitrI Peskov, porta-voz do Kremlin, a repórteres na última sexta-feira, 30, observando que “todos os aspectos da visita foram cuidadosamente preparados.”
Leia também
Putin foi recebido por uma guarda militar mongol no aeroporto e passou a noite na capital, Ulaanbaatar. A visita de Putin, a convite do presidente mongol Ukhnaa Khurelsukh e em desafio ao mandado de prisão do TPI, serve como um lembrete de que a Rússia ainda exerce influência estratégica sobre seu vizinho do sul, apesar dos esforços para se proteger.
Com a visita, “Putin obtém uma vitória simbólica, com certeza”, disse Alexander Gabuev, diretor do Carnegie Russia Eurasia Center em Berlim. Para a Mongólia, disse Gabuev, a visita mostra que a necessidade de manter o relacionamento com a Rússia supera o compromisso do país, assumido em 2002 ao assinar o Estatuto de Roma, de ratificar sua adesão ao TPI.
Ele acrescentou que os adversários da Rússia teriam que “pensar duas vezes” sobre a narrativa de que “Putin é um pária, ele está ostracizado, e sempre que houver um mandado do TPI para um país que ratificou o Estatuto de Roma, ele será preso.”
O tribunal internacional, com sede em Haia, emitiu um mandado de prisão para Putin no ano passado, acusando-o de cometer crimes de guerra com o sequestro e deportação de crianças ucranianas. O tribunal também emitiu um mandado para a comissária russa de direitos das crianças, Maria Lvova-Belova. O TPI não tem mecanismo de aplicação. Os países que aderiram ao tribunal devem deter aqueles que estão sujeitos aos seus mandados de prisão. A Rússia não é signatária do tribunal e rejeita consistentemente sua autoridade.
A Mongólia, uma democracia situada entre a Rússia e a China, mantém uma linha política cuidadosa, equilibrando-se entre seus dois vizinhos muito mais poderosos. Isso incluiu adotar uma postura neutra sobre a guerra na Ucrânia. Embora tenha procurado o Ocidente para aliviar parte da pressão geopolítica, recebendo convidados como o presidente francês Emmanuel Macron, o secretário de Estado dos EUA Antony Blinken e o secretário de Relações Exteriores britânico David Cameron, a Mongólia também depende economicamente de seus vizinhos muito maiores.
Uma relação complexa
O país compartilha uma fronteira de 3.380 quilômetros com a Rússia e depende do gigantesco vizinho produtor de gás para 95% de seu combustível. Ela tenta manter relações estáveis com Moscou para ajudar a equilibrar as relações com a China, que também exerce considerável influência sobre Ulan Bator ao comprar praticamente todas as exportações de commodities da Mongólia.
“O establishment político mongol acha que é mais fácil administrar relações seguras e previsíveis com Moscou” ao receber Putin, disse Munkhnaran Bayarlkhagva, um analista geopolítico independente que trabalhou no Conselho de Segurança Nacional da Mongólia. “Ulaanbaatar está escolhendo ter relações previsíveis com Moscou e fazer o controle de danos depois”, disse Bayarlkhagva. “Afinal, a geografia não pode ser mudada.”
Bayarlkhagva disse que a Mongólia provavelmente determinou que haveria poucas repercussões para a visita de Putin, dado que há precedentes de membros do TPI desafiando o Estatuto de Roma. Em 2015, a África do Sul se recusou a prender o então presidente do Sudão, Omar al-Bashir, durante sua visita a Joanesburgo, apesar de ele ser procurado pelo TPI por suposto genocídio e crimes de guerra em Darfur. No ano passado, Joanesburgo pediu ao TPI uma isenção para não prender Putin para que ele pudesse participar da cúpula do Brics. Quando a isenção não foi concedida, Putin optou por não participar da cúpula.
Ainda assim, a decisão da Mongólia de convidar Putin foi condenada por observadores dos direitos humanos.
“Receber Putin, um fugitivo do TPI, não seria apenas uma afronta às muitas vítimas dos crimes das forças russas, mas também minaria o princípio crucial de que ninguém, não importa quão poderoso, está acima da lei”, disse Maria Elena Vignoli, conselheira sênior de justiça internacional da Human Rights Watch, em uma declaração antes da visita.
Um diplomata ocidental que falou sob condição de anonimato devido à sensibilidade do assunto disse que o governo mongol convocou enviados ocidentais para explicar seu raciocínio por trás da visita de Putin. Entre eles estava a necessidade de garantir mais suprimentos de combustível e eletricidade da Rússia para evitar uma repetição da escassez que o país enfrentou no inverno passado.
O diplomata disse que as autoridades mongóis foram solicitadas a não dar a Putin uma plataforma para fazer propaganda da guerra na Ucrânia.
Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.