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Putin e os mitos da decadência do Ocidente; leia o artigo de Paul Krugman

Putin, como muitos de seus admiradores no Ocidente, pensou que as democracias modernas estavam decadentes demais para apresentar uma resistência eficaz

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Por Paul Krugman
Atualização:

THE NEW YORK TIMES - A invasão de Vladimir Putin à Ucrânia é, acima de tudo, um crime — na realidade, os crimes de guerra continuam no momento em que você lê estas palavras. Mas também é um engano. Em menos de cinco semanas, Putin destruiu a reputação do Exército russo, abalou a economia de seu país e fortaleceu as alianças democráticas que esperava minar. Como ele pode ter cometido um erro tão catastrófico?

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Parte da resposta reside sem dúvida na síndrome do homem-forte: Putin cercou-se de pessoas que lhe dizem apenas o que ele quer escutar. Tudo indica que ele empreendeu esse fiasco acreditando em sua própria propaganda a respeito da destreza marcial de seu Exército e da ânsia dos ucranianos em se submeter ao controle russo.

Mas também há razão para acreditar que Putin, como muitos de seus admiradores no Ocidente, pensou que as democracias modernas estavam decadentes demais para apresentar uma resistência eficaz.

E veja uma coisa: Quando olho para os Estados Unidos, me preocupo que o Ocidente esteja realmente sendo enfraquecido pela decadência — mas não do tipo que obceca Putin e aqueles que pensam como ele.

O declínio dos valores democráticos

Nossa vulnerabilidade não decorre do declínio dos valores da família tradicional, mas do declínio dos valores tradicionais da democracia, como a crença no estado de direito e a disposição de aceitar resultados de eleições que não sejam do seu agrado.

Evidentemente, a ideia de que a devassidão moral destrói grandes potências remonta há séculos. Na versão hollywoodiana da história, o Império Romano caiu porque suas elites se ocuparam demais em fazer orgias em vez de se dedicar a derrotar os bárbaros. Na verdade, o cronograma dessa narrativa está completamente errado, mas retornarei a ela em um instante.

Os direitistas de hoje parecem incomodar-se menos com a fraqueza decorrente da libertinagem sexual do que com a fraqueza decorrente da igualdade de gênero: Tucker Carlson alertou que o Exército chinês está cada vez “mais masculino” enquanto o nosso está cada vez “mais feminino, seja o que for que feminino signifique hoje em dia, já que deixaram de existir homens e mulheres”.

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O senador Ted Cruz, republicano do Texas, retuitou um vídeo comparando imagens do recrutamento do Exército americano com a filmagem de um paraquedista russo de cabeça raspada e afirmou que um “Exército lacrador e emasculado” não pode ser uma boa ideia.

Putin participa de reunião no Kremlin  Foto: Mikhail Klimentyev, Sputnik, Kremlin Pool Photo via AP




Seria interessante saber o que aconteceu com aquele paraquedista desde que Putin invadiu a Ucrânia. De qualquer modo, as pesadas baixas sofridas pelo Exército antilacração e seu fracasso em conquistar as imensamente inferiores forças ucranianas confirmam o que qualquer um que estudou história percebe: Guerras modernas não são vencidas com machismo marrento. Coragem e perseverança, física e moral, continuam tão essenciais como sempre, assim como coisas mais mundanas, como logística, manutenção veicular e sistemas de comunicação que realmente funcionem.

Aliás, não posso deixar de mencionar que os eventos recentes também confirmaram o lugar-comum segundo o qual muitos dos homens que posam como sujeitos durões (talvez a sua maioria) na verdade estão longe de sê-lo. A resposta de Putin ao fracasso na Ucrânia tem sido extremamente trumpiana, insistindo que tudo vai “de acordo com o plano”, recusando-se a admitir ter cometido qualquer erro e resmungando contra a cultura do cancelamento. Estou quase esperando que ele divulgue mapas redesenhados toscamente com uma lapiseira.

Mas voltemos ao tipo de decadência que realmente interessa.

Ativistas pró-Trump invadem Congresso dos EUA em 6 de janeiro de 2020 Foto: Shannon Stapleton/Reuters

A importância da legitimidade política

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Conforme afirmei, a versão hollywoodiana do declínio e da queda de Roma não se sustenta à luz dos fatos. É verdade: os espólios do império tornaram possível a algumas pessoas levar vidas imensamente luxuosas, incluindo possivelmente aquela orgia ocasional; o mais próximo disso na modernidade seria… a oligarquia russa. Mas Roma manteve integridade territorial e eficácia militar por séculos antes do surgimento daquela elite mimada e libertina.

O que deu errado? Historiadores têm muitas teorias, mas certamente um importante fator foi a erosão das normas que ajudaram a estabelecer a legitimidade política e a sempre crescente vontade de alguns romanos, especialmente em torno de 180 d.C., de usar violência um contra o outro.

Obviamente, o que ocorre hoje nos EUA não remete detalhadamente aos problemas da antiguidade. Ainda assim, não passa um mês sequer sem que surjam cada vez mais revelações de que grande parte do corpo político dos EUA, que inclui muitos membros da elite política do país, despreza princípios democráticos e fará qualquer coisa que considere necessária para vencer.

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É inacreditável perceber o quão rapidamente nós normalizamos o fato de que o presidente anterior tentou reter o poder apesar de ter perdido a eleição e que uma turba incitada por ele atacou o Capitólio. Muitas pessoas tomaram parte do esforço para reverter a eleição — entre elas, conforme soubemos recentemente, a mulher de um ministro da Suprema Corte que não se absteve de participar nem mesmo em julgamentos de acusados pela tentativa de golpe de Estado.

E mesmo que o esforço de Donald Trump de se manter na presidência tenha fracassado, a maioria de seu partido de fato apoiou aquele esforço retroativamente.

Por que isso é relevante para a Ucrânia? Putin apostou efetivamente que um Ocidente impotente não reagiria à sua tentativa de conquista. Em vez disso, o presidente Joe Biden mobilizou de maneira concreta uma aliança democrática que enviou ajuda à Ucrânia e a ajudou a humilhar seu agressor.

Mas da próxima vez que algo assim acontecer, pode ser que os EUA não liderem uma aliança concreta de democracias, porque nós mesmos teremos desistido dos valores democráticos.

E, se me perguntarem, esse é o retrato de uma verdadeira decadência. /TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL

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