Opinião | Putin não quer um cessar-fogo. Ele quer a Ucrânia

Líder russo faz exigências dos ucranianos em negociações, mas não tem interesse em abrir concessões

PUBLICIDADE

Por Max Boot (Washington Post)

Caso ainda restasse alguma dúvida sobre qual país — Rússia ou Ucrânia — era o obstáculo para a paz, o Kremlin a dissipou nesta semana com sua resposta ao plano de cessar-fogo de 30 dias impulsado pelo governo Trump. Representantes de Kiev concordaram incondicionalmente com o cessar-fogo na terça-feira, durante uma reunião com enviados dos Estados Unidos na Arábia Saudita. Na quinta-feira, porém, o presidente russo, Vladimir Putin, recusou a proposta americana — ainda que o tenha feito numa terminologia projetada para não ofender o presidente Donald Trump.

PUBLICIDADE

“A ideia, em si, é correta, e certamente a apoiamos. Mas há questões que precisamos discutir”, disse Putin diplomaticamente. O líder russo prosseguiu deixando claro que se oporá a qualquer cessar-fogo que permita à Ucrânia “usar esses 30 dias para continuar a mobilização forçada, obter suprimentos de armas e preparar suas unidades mobilizadas”. Putin não se ofereceu para impor uma moratória de 30 dias sobre preparativos militares da Rússia — apenas sobre os da Ucrânia.

Putin pode estar abrindo a porta para um breve cessar-fogo — talvez se os EUA oferecerem cortar o apoio à Ucrânia novamente — mas também está deixando claro que não está disposto a abrir nenhuma concessão pela paz.

Presidente russo, Vladimir Putin, disse que precisa discutir acordo de cessar-fogo com os EUA.  Foto: Alexander Zemlianichenko/Associated Press

O que não é surpresa, dado que a Rússia lançou uma invasão em escala total e sem provocação da Ucrânia, e Putin pode parar sua agressão a qualquer momento. Mas o líder russo escolheu continuar as investidas por mais de três anos, apesar das perdas acentuadas sofridas por suas próprias forças. (A Rússia perdeu pelo menos 95 mil soldados e quase 4 mil tanques, de acordo com algumas estimativas.)

Publicidade

Trump, no entanto, parece confuso a respeito de quem é o culpado nesse conflito. Absurdamente, ele culpou o presidente ucraniano, Volodmir Zelenski, por iniciar os combates e deu crédito a Putin por querer “acabar com a guerra”, enquanto se queixava: “Estou achando mais difícil, francamente, lidar com a Ucrânia”.

Dada a bizarra perspectiva pró-Putin de Trump, duvido que algo seja capaz de abrir seus olhos para a realidade da guerra. Mas talvez uma rejeição russa ao seu plano de cessar-fogo temporário o faça.

Putin apostou tudo na vitória na Ucrânia e não vai parar agora — não quando, depois de sete meses, tropas russas e norte-coreanas finalmente parecem estar perto de expulsar as forças ucranianas da província de Kursk, no sul da Rússia. Na quarta-feira, Putin chegou a fazer uma rara aparição próximo às linhas de combate de Kursk trajando uniforme militar. Ele está se preparando para dar uma volta da vitória em Kursk, mesmo enquanto a ofensiva russa na região de Donetsk, na Ucrânia, parece ter empacado.

Ao que tudo indica, os objetivos da Rússia permanecem tão maximalistas quanto nos primeiros dias da invasão, em 2022, quando tropas russas marcharam sobre Kiev. O Post obteve um documento preparado por um instituto de análise russo próximo ao Serviço Federal de Segurança (FSB) de Putin que expõe as exigências da Rússia nas negociações com os EUA.

Publicidade

O documento deixa claro que o Kremlin não ficará satisfeito em manter apenas, no futuro próximo, os cerca de 20% da Ucrânia ocupados por suas forças. Zelenski sinalizou que estaria disposto a abrir algumas concessões territoriais a curto prazo, mas que a Ucrânia nunca reconhecerá a anexação russa de seu território. No entanto, o documento russo exige o reconhecimento internacional da soberania russa sobre as quatro províncias ucranianas que Putin anexou, ainda que a Rússia não ocupe totalmente nenhuma delas.

O texto vai além, ao exigir “zonas-tampão” no nordeste da Ucrânia, ao longo da fronteira com a Rússia, e no sul, próximo à Crimeia, que foi ilegalmente anexada pela Rússia em 2014. A última exigência provavelmente tornaria Odessa — uma importante cidade, o principal acesso da Ucrânia para o Mar Negro — indefensável.

Zelenski tem se mostrado disposto a admitir que a Ucrânia pode não receber adesão à Otan tão cedo; ele disse que está disposto a aceitar garantias de segurança, como a presença de forças de paz ocidentais para fazer valer um cessar-fogo, menores do que a garantia de segurança coletiva do Artigo 5.º da aliança. Mas o documento ligado ao FSB descarta qualquer presença estrangeira de forças de manutenção da paz, classificando esse tipo de acionamento de tropas como “absolutamente desnecessário” e afirma até que o envio de qualquer arma dos EUA para os militares ucranianos é “absolutamente inaceitável”.

Também inaceitável, no cálculo do Kremlin, seria a Ucrânia manter um Exército de 1 milhão de soldados capaz de defender seu território contra agressões russas. Nas primeiras negociações de paz entre a Rússia e a Ucrânia, realizadas em 2022, o Kremlin exigiu que a Ucrânia reduzisse o contingente de suas Forças Armadas para apenas 50 mil soldados e aceitasse restrições severas sobre o tipo de armas que as tropas poderiam usar. Hoje não há nenhum indício de que o Kremlin esteja abrindo mão dessa exigência.

O documento russo não trata apenas da desmilitarização da Ucrânia, inclui também uma exigência por mudança de regime: “Na realidade, o atual regime de Kiev não pode ser mudado de dentro do país”, afirma o documento. “É necessário seu desmantelamento completo.”

Pressionado, presidente ucraniano, Volodmir Zelenski, concordou com o cessar-fogo proposto pelos EUA.  Foto: Efrem Lukatsky/Associated Press

Então: adeus ao governo democraticamente eleito liderado por Zelenski, que tem aprovação de 67% dos ucranianos entrevistados em uma pesquisa recente. Putin está claramente empenhado em reinstalar um fantoche do Kremlin em Kiev para substituir Viktor Yanukovich, cuja expulsão, em 2014, na Revolução da Dignidade levou Putin a anexar a Crimeia e lançar uma guerra indireta no leste da Ucrânia.

O documento ligado ao FSB é totalmente consistente com o que Putin afirmou na quinta-feira: qualquer plano de paz deve “resolver as causas originais” da guerra. Na visão de Putin, é claro, as causas originais são as tentativas da Ucrânia de afirmar sua independência em relação ao domínio russo.

Putin não quer um acordo de armistício semelhante ao que congelou as linhas de frente na Guerra da Coreia, em 1953 — e que permitiu à Coreia do Sul eventualmente florescer como uma democracia rica e pró-Ocidente.

Publicidade

Putin parece estar buscando sua própria versão do Tratado de Versalhes, de 1919, que impôs uma paz dos vencedores à Alemanha após o país ter perdido a 1.ª Guerra. Na verdade, a demanda russa em 2022 para que o contingente do Exército da Ucrânia seja limitado a 50 mil soldados é ainda mais restritiva do que os limites impostos ao Exército alemão em 1919. (Ao qual foi permitido ter 100 mil soldados.) É possível que Putin ceda, mas apenas se ele perceber que é impossível alcançar seus objetivos pela força.

Até agora, tudo o que o governo Trump tem feito — desde cortar temporariamente as remessas de armas para a Ucrânia e o compartilhamento de inteligência com Kiev até interromper as ofensivas cibernéticas contra a Rússia — serviu apenas para convencer Putin de que ele deve continuar sua guerra de agressão. Esperemos que a não aceitação do Kremlin em relação ao plano de cessar-fogo de Trump finalmente mostre ao presidente americano que abrir concessões a Putin não trará a paz. Trump só conseguirá finalmente cumprir sua promessa de acabar com a guerra se aumentar o apoio dos EUA à Ucrânia. / TRADUÇÃO DE GUILHERME RUSSO

Opinião por Max Boot
Comentários

Os comentários são exclusivos para cadastrados.