Em encontro com Putin em Teerã, líder supremo do Irã declara apoio à Rússia na guerra da Ucrânia

Viagem do presidente russo à capital iraniana contou com reaproximação dos dois países e garantia de que Gazprom irá cumprir obrigações na Europa

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Por Redação
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O aiatolá Ali Khamenei, líder supremo do Irã, declarou apoio à Rússia na guerra da Ucrânia em encontro com o presidente Vladimir Putin nesta terça-feira, 19. Putin ouviu de Khamenei que o Ocidente “se opõe a uma Rússia independente e forte” e que a Rússia se viu forçada a invadir a Ucrânia, repetindo um argumento do próprio russo. O encontro é visto como uma grande honraria a Putin e prova das intenções iranianas, pelo poder que Khamenei tem no país.

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O apoio significa um passo adiante na aproximação entre os dois países, que buscam se opor ao isolamento imposto pela Europa e pelos Estados Unidos. Ao endossar a Rússia, Khamenei disse que se Putin não tivesse enviado tropas à Ucrânia, teria enfrentado um ataque da Otan. “Se você não tivesse assumido o comando, o outro lado teria feito isso e iniciado uma guerra”, disse o aiatolá, de acordo com o divulgado oficialmente.

A declaração do líder iraniano vai além do apoio mais cauteloso oferecido pela China, um importante aliado russo, por exemplo, e servem como um aviso ao Ocidente: as sanções aplicadas contra a Rússia, semelhantes às que sufocaram a economia do Irã anos atrás, reaproximam os dois países em uma parceria. O movimento das duas potências regionais é um sinal de como a guerra na Ucrânia alterou a geopolítica mundial.

Foto divulgada pelo Irã mostra o aiatolá Ali Khamenei, líder supremo iraniano, saudando o presidente russo Vladimir Putin em encontro nesta terça-feira, 19. Atingidas por sanções ocidentais, as duas nações se reaproximam Foto: Khamenei.IR / AFP

Este era um dos principais objetivos de Vladimir Putin ao viajar para o país, na sua segunda ida ao exterior durante a guerra. O russo também se reuniu com o presidente iraniano, Ebrahim Raisi, e com o presidente turco, Recep Tayyip Erdogan, para discutir uma pauta ampla, da retomada das exportações de grãos ucranianos ao conflito na Síria.

Mais cedo, um site de notícias iraniano, Fararou, prometeu que “quanto mais agressivos os EUA forem ao confrontar o Irã, mais perto estaremos da Rússia”. Um canal russo conservador, Tsargrad, proclamou que a aliança emergente representava “um novo eixo do bem”.

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Em entrevista a uma emissora iraniana antes da da chegada de Putin a Teerã, o porta-voz do Kremlin, Dmitri Peskov, evocou a história da diplomacia do século 16 entre a Rússia e a Pérsia para preparar o cenário para o que ele prometeu que seria uma nova era de amizade entre os países.

“Muitos dos países de hoje nem existiam naquela época”, disse Peskov, que também afirmou que Irã e Rússia poderão em breve assinar um tratado de cooperação estratégica, expandindo sua colaboração em bancos e finanças e deixando de usar o dólar para denominar seu comércio.

Os presidentes da Rússia e do Irã, Vladimir Putin e Ebrahim Raisi, durante encontro em Teerã. Foto: Sergei Savostyanov/ AFP - 19/07/2022

Em contrapartida, o Irã estendeu um longo tapete vermelho para Putin no aeroporto de Mehrabad, em Teerã, onde pousou por volta das 17h (10h em Brasília) e foi cumprimentado calorosamente pelo ministro iraniano do Petróleo, Javad Owji, antes de ser levado para seu comboio presidencial para a cidade.

Antes do encontro, Mohammadreza Pourebrahimi, chefe do comitê econômico do Parlamento iraniano, disse que o aumento da cooperação entre os dois países é uma prioridade. “As sanções impostas pelos EUA e pela Europa à Rússia tornaram mais necessária a cooperação entre Irã e Rússia”, disse ele na segunda-feira.

O Kremlin estava ansioso para mostrar ao mundo - e ao seu próprio povo - que ainda tem “nações amigas”, apesar das condenações globais pela guerra na Ucrânia. O momento cria para o Irã uma nova oportunidade de estimular sua economia, estrangulada por sanções, com empresas russas que estavam focadas no comércio com o Ocidente e que agora correm para encontrar novos mercados e fornecedores. Porém, uma restauração do acordo nuclear iraniano de 2015, que poderia aliviar as sanções ao Irã, ainda parece estar longe.

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“Temos as maiores expectativas”, disse o embaixador da Rússia no Irã, Levan Dzhagarian, à televisão estatal russa antes da visita.

Durante anos, a Rússia teve o cuidado de não se aproximar demais do Irã, mesmo quando os dois países compartilhavam uma relação antagônica com os Estados Unidos e cooperavam militarmente após a intervenção da Rússia na guerra civil da Síria. Para Putin, as tentativas de construir relações com Israel e países árabes impediram uma aliança completa com Teerã.

O presidente Vladimir Putin é recebido no aeroporto internacional de Teerã por autoridades iranianas. Foto: Konstantin Zavragin/ Sputnik/ Kremlin via AP

A guerra na Ucrânia mudou o cálculo ao isolar cada vez mais a Rússia dos mercados ocidentais. Putin passou a olhar para o Irã como um parceiro econômico e como especialista em evitar sanções. A Gazprom, gigante de energia russa, assinou um acordo não vinculativo de US$ 40 bilhões para ajudar a desenvolver campos de gás e petróleo no país, segundo relatórios iranianos.

De acordo com autoridades americanas, a Rússia também olha para o Irã para conseguir fornecimento de drones de campo de batalha na Ucrânia. Peskov, porta-voz do Kremlin, se recusou a dizer se a Rússia tem planos de comprar drones iranianos. O assunto não foi abordado publicamente nesta terça-feira.

Desbloqueio de grãos e fornecimento de gás

Após o encontro com Erdogan em Teerã, Putin afirmou que vai facilitar a exportação de grãos na Ucrânia, atualmente bloqueadas por tropas no Mar Negro, mas com o pressuposto de que o Ocidente irá suspender as sanções contra os grãos russos. O líder russo também assegurou que a estatal de energia russa Gazprom vai cumprir “todas as obrigações” no fornecimento de gás à Europa.

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Os dois temas são preocupações mundiais devido às crises geradas pela guerra da Ucrânia, aumentando o risco do aumento da fome e da escassez de energia no inverno Europeu, no fim do ano. Erdogan, que tem laços estreitos tanto com Putin quanto com o presidente da Ucrânia, Volodmir Zelenski, emergiu como um mediador mais ativo entre os dois países e auxilia os acordos.

O encontro de Putin com o líder turco também foi marcado pela imagem da espera de quase um minuto de Putin por Erdogan, dentro da sala de negociações. “Aqueles 50 segundos que Erdogan fez Putin esperar, parecendo exausto na frente das câmeras, dizem muito o quanto mudou depois da Ucrânia”, comentou Joyce Karam, correspondente sênior do National News.

Erdogan elogiou o que descreveu como “abordagem muito, muito positiva” da Rússia durante as negociações de grãos da semana passada em Istambul. Ele expressou a esperança de que um acordo seja feito e “o resultado que surgirá terá um impacto positivo em todo o mundo”.

No início da reunião, Putin agradeceu por sua mediação para ajudar a “avançar” um acordo sobre as exportações de grãos ucranianos. “Nem todos os problemas foram resolvidos ainda, mas é bom que tenha havido algum progresso”, disse.

O encontro dois dois talvez tenha sido o mais crucial da viagem, porque ofereceu a Putin a chance de uma reunião de alto risco com um líder que procurou intermediar as negociações sobre uma solução pacífica do conflito Rússia-Ucrânia.

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A Turquia, membro da Otan, se viu frente à Rússia em conflitos sangrentos no Azerbaijão, Líbia e Síria e até vendeu drones letais que as forças ucranianas usaram para atacar as tropas russas, mas não impôs sanções ao Kremlin. Isso tornou o país, que lida com a inflação descontrolada e depende do mercado russo, um parceiro extremamente necessário para Moscou.

A reunião também guarda um significado simbólico para o público doméstico de Putin, mostrando a influência internacional da Rússia na região - poucos dias depois que o presidente dos EUA, Joe Biden, visitou Israel e a Arábia Saudita, rivais de Teerã. De Jerusalém e Jeddah, Biden instou Israel e os países árabes a reprimir a influência russa, chinesa e iraniana que se expandiu com a percepção da retirada dos Estados Unidos da região./NYT, AFP e AP

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