Opinião | Quais as consequências da morte de Yahya Sinwar para Israel e para o mundo?

Por si só, a morte de Sinwar não cria condições suficientes para pôr fim a esta guerra em Gaza e colocar israelenses e palestinos no caminho de um futuro melhor

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Por Thomas Friedman (The New York Times)
Atualização:

É impossível exagerar a importância da morte do líder do Hamas, Yahya Sinwar, que possibilita não apenas o fim da guerra em Gaza, a libertação dos reféns israelenses e um alívio para os habitantes do território palestino, mas também o maior passo na direção de uma solução de dois Estados entre israelenses e palestinos desde Oslo, assim como a normalização das relações entre Israel e Arábia Saudita — que abrangeria praticamente todo mundo muçulmano.

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Isso é muita coisa.

Mas…

Por si só, a morte de Sinwar não cria condições suficientes para pôr fim a esta guerra em Gaza e colocar israelenses e palestinos no caminho de um futuro melhor. Sim, Sinwar e o Hamas sempre rejeitaram uma solução de dois Estados e sempre estiveram comprometidos com uma destruição violenta do Estado judaico. Ninguém pagou um preço mais alto por isso do que os palestinos de Gaza. Mas ainda que sua morte fosse necessária para um passo seguinte ser possível, de nenhuma maneira ela solucionaria tudo.

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O líder do Hamas, Yahya Sinwar, participa de uma reunião com dirigentes palestinos na Cidade de Gaza, Faixa de Gaza  Foto: Adel Hana/AP

A condição suficiente é que Israel tenha um primeiro-ministro e uma coalizão de governo dispostos a aproveitar a oportunidade que a morte de Sinwar criou. Falando sério: o primeiro-ministro israelense, Binyamin Netanyahu, seria capaz de satisfazer sua autoimagem churchilliana e adotar um rumo que rejeitou anteriormente? Que é a participação da uma Autoridade Palestina na Cisjordânia reformada em uma força de paz internacional que assumiria o controle de Gaza no lugar do Hamas liderado por Sinwar.

Pelo menos há um mês, de acordo com minhas fontes diplomáticas americanas, árabes e israelenses, o secretário de Estado Antony Blinken, sob as ordens do presidente Joe Biden e da vice-presidente Kamala Harris, e o príncipe-herdeiro da Arábia Saudita, Mohammed bin Salman, o presidente do Egito, Abdel Fattah el-Sisi, e o presidente dos Emirados Árabes Unidos, Mohammed bin Zayed, têm discutido ideias a respeito do que fazer no dia seguinte ao fim desta guerra para reconstruir a Faixa de Gaza pós-Hamas, pavimentar o caminho da normalização israelo-saudita e criar as condições para uma nova tentativa de negociação entre Israel e os palestinos sobre um futuro diferente em Gaza e na Cisjordânia.

A ideia geral é que o presidente da Autoridade Palestina, Mahmoud Abbas, concorde em nomear o economista e ex-primeiro-ministro da AP, Salam Fayyad, ou alguém com sua impecável reputação de incorruptibilidade, como novo primeiro-ministro palestino para liderar um novo gabinete tecnocrata e reformar a Autoridade Palestina, erradicar a corrupção na entidade e incrementar suas condições de governança e forças de segurança.

O secretário de Estado dos Estados Unidos, Antony Blinken, participa de uma coletiva de imprensa em Vientiane, Laos  Foto: Tang Chhin Sothy/AP

Força de paz

Essa Autoridade Palestina reformada solicitaria, então, formalmente, uma força de paz internacional — da qual a entidade participaria — que incluiria soldados dos EAU, do Egito e possivelmente de outros Estados árabes e talvez até de países europeus. Essa força seria acionada gradualmente para substituir os militares israelenses em Gaza. A Autoridade Palestina assumiria, então, a responsabilidade de reconstruir Gaza com fundos de ajuda fornecidos pela Arábia Saudita, pelos EAU e por outros Estados árabes do Golfo — e, muito provavelmente, pelos Estados Unidos.

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Uma Autoridade Palestina reformada, com fundos árabes e internacionais massivos, tentaria restaurar sua credibilidade em Gaza e a credibilidade do principal partido que a compõe, o Fatah, na política palestina — ao mesmo tempo escanteando reminiscências do Hamas.

Diplomatas americanos e árabes — com assistência discreta do ex-primeiro ministro britânico Tony Blair — têm trabalhado sobre essa ideia com o ministro israelense de Assuntos Estratégicos, Ron Dermer, um dos conselheiros mais próximos de Netanyahu. Neste momento, esse caminho requer de Israel apenas permitir silenciosamente o envolvimento da Autoridade Palestina na reconstrução de Gaza enquanto integrante de uma força internacional — não aceitar formalmente sua participação.

O primeiro-ministro de Israel, Binyamin Netanyahu, discursa na Assembleia-Geral da ONU, em Nova York  Foto: Pamela Smith/AP

Netanyahu entende, porém, que os árabes só participação de uma força de paz árabe-internacional para dar jeito na bagunça em Gaza se a iniciativa for parte de um processo que leve ao Estado palestino.

Mohammed bin Salman, particularmente, deixou muito claro para todos que para a Arábia Saudita ir adiante com a normalização de relações com Israel — após tantas mortes de palestinos em Gaza — ele precisa que a guerra em Gaza acabe e que alguma força de paz árabe constitua um passo que no futuro leve ao Estado palestino. O mesmo é verdadeiro em relação aos EAU e ao Egito.

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MBS precisa mostrar depois da guerra em Gaza que obteve de Israel algo que nenhum outro líder árabe jamais conseguiu, porque ele estaria potencialmente dando a Israel algo que nenhum líder israelense jamais conseguiu: relações com o lar das duas mesquitas mais sagradas para o Islã. MBS também é vital para fazer o presidente Abbas nomear um reformador como Fayyad. Abbas respeita MBS.

Permitam-me repetir: uma iniciativa diplomática para pôr fim à guerra nessas linhas — e viabilizar a normalização das relações israelo-sauditas e uma força de paz árabe — eventualmente exigirá que Israel se comprometa com um caminho para o Estado palestino. O que desencadeará uma oposição virulenta dos parceiros de direita, extremistas e messiânicos de Netanyahu: os ministros da Segurança Nacional, Itamar Ben-Gvir, e das Finanças, Bezalel Smotrich. Temerariamente, eles considerarão a morte de Sinwar e a ruína do Hamas uma oportunidade para pensar que são capazes de matar todos os membros do grupo em Gaza para levar adiante sua agenda de instalar assentamentos coloniais de judeus em Gaza e expandi-los na Cisjordânia.

Netanyahu deseja faz tempo mostrar que é uma figura histórica e não um mero estrategista que manobra constantemente para se manter vivo na política — mas nunca esteve disposto a assumir nenhum grande risco para mudar a história.

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Bom, chegou a hora.

Netanyahu atravessará o Rubicão ou fará o que faz normalmente — apenas nadando de cachorrinho no meio do rio e dizendo a quem o espera em ambas as margens que nada em sua direção?

Mas para MBS também chegou a hora de fazer história. Se ele quer firmar um pacto de segurança com os EUA, o processo tem de ser lançado enquanto Biden ainda é presidente. (Os senadores democratas nunca aprovariam esse acordo sob Donald Trump.) Isso significa que MBS terá de normalizar as relações com Israel antes da criação de um Estado palestino — mas o fará sobre a base de israelenses e palestinos movendo-se especificamente nessa direção.

O primeiro-ministro e príncipe herdeiro da Arábia Saudita, Mohammed bin Salman bin Abdulaziz Al Saud, chega para uma reunião do Conselho de Cooperação UE-Golfo no edifício do Conselho Europeu em Bruxelas, Bélgica, quarta-feira, 16 de outubro de 2024 Foto: Johanna Geron/AP

Enquanto jornalista que tem coberto a crise no Oriente Médio intensamente desde 7 de outubro de 2023, estou novamente esperançoso a respeito da possibilidade do fim da matança dos palestinos de Gaza, da libertação dos reféns e do início de uma diplomacia real. E, se os respectivos líderes estiverem à altura deste momento, poderá haver muito mais motivo para esperança. Hoje é um início. O que acontecer no dia seguinte a esta guerra é tudo. / TRADUÇÃO DE GUILHERME RUSSO

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Opinião por Thomas Friedman

É ganhador do Pullitzer e colunista do NYT. Especialista em relações internacionais, escreveu 'De Beirute a Jerusalém'

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