Na arte da guerra, atacar sempre foi mais difícil que defender. A guerra na Ucrânia demonstra que atacar ficou ainda mais difícil na era digital. O predomínio dos drones torna quase impossível avançar sem ser detectado, e a onipresença das munições guiadas de precisão — incluindo drones de ataque — facilita às tropas alvejar soldados e tanques inimigos em movimento.
Os russos descobriram por si mesmos as dificuldades da guerra ofensiva durante sua invasão inicial à Ucrânia — e novamente durante ofensivas mais recentes em Bakhmut e agora em Avdiivka. Soldados russos foram destroçados em ataques “moedores de carne” durante avanços modestos.
Os ucranianos tiveram mais sucesso com suas contraofensivas no ano passado: conseguiram retomar aproximadamente metade do território que a Rússia ocupou inicialmente em 2022, com ganhos especialmente impressionantes em Kherson, no sul, e Kharkiv, no oeste, antes dos russos conseguirem fortificar suas posições. Mas a contraofensiva ucraniana no sul lançada em meados de junho não alcançou o grande avanço que os líderes ucranianos e seus apoiadores no Ocidente esperavam.
Após quase cinco meses de combates intensos, os ucranianos avançaram meros 16 quilômetros. Não estão próximos de chegar o Mar de Azov e assim romper a “ponte terrestre” entre a Crimeia e a Rússia, o que, segundo me disse em janeiro o secretário da Defesa dos Estados Unidos, Lloyd Austin, era um “objetivo realista para este ano”.
Na semana passada, o mais graduado general ucraniano, Valeri Zaluzhni, admitiu para a revista The Economist que a guerra estava “estagnada” e que “muito provavelmente não haverá nenhum belo avanço mais profundo”, a não ser que a Ucrânia consiga de alguma maneira obter uma vantagem tecnológica sobre os russos.
Por que a Ucrânia não obteve mais sucesso? Nos bastidores, autoridades de Kiev e Washington apontam os dedos umas para as outras. Os americanos resmungam privadamente que os ucranianos não desempenharam bem na execução de uma ofensiva de armas combinadas no estilo da Otan e regrediram para o tipo de guerra de atrito que caracterizava a estratégia militar soviética, ao mesmo tempo que desviaram soldados necessários para esforços complementares em torno de Bakhmut.
Os ucranianos, por sua vez, reclamam que o Ocidente não lhes deu armas suficientes para romper as fortificações russas e que muitos armamentos que eles receberam não estão em boas condições de funcionamento. A Ucrânia não possui equipamentos de desminagem e blindados o suficiente — e, mais importante, não possui força aérea suficiente para evitar que as aeronaves russas convencionais e não tripuladas ataquem os soldados ucranianos enquanto eles tentam atravessar campos minados.
Soldados americanos jamais atacariam posições entrincheiradas sem superioridade aérea, mas era exatamente isso que o Pentágono esperava dos soldados ucranianos. E o governo Biden só enviou tanques M1 Abrams e sistemas de mísseis táticos do Exército (ATACMS) neste outono (Hemisfério Norte) — tarde demais para influenciar a contraofensiva do verão.
“A Ucrânia tem pedido armas o tempo todo, e a resposta tem sido, ‘Sim, elas estão chegando, logo elas chegam’; mas o envio demorou, e a Europa disse, ‘Desculpem, mas não temos armas o suficiente’”, disse-me o ex-ministro ucraniano da Defesa Andrii Zagorodniuk, na semana passada, de Kiev. “De muitas maneiras, a Ucrânia foi posicionada para fracassar em relação a expectativas excessivas sobre um ganho territorial massivo”, confirmou Alina Polyakova, presidente do Centro de Análise de Política Europeia, em Washington.
Então o que os ucranianos — e seus apoiadores no Ocidente — deveriam fazer agora? Muitos argumentarão que, com o fracasso desta contraofensiva, é hora de se costurar um acordo com o Kremlin. Mas não há indicações consistentes de que o ditador russo, Vladimir Putin, esteja disposto a abrir qualquer concessão ou desistir de seu objetivo de engolir a Ucrânia.
Os reveses militares da Ucrânia — e a diminuição do apoio à causa de Kiev entre os republicanos no Congresso — apenas o encorajam a manter a expectativa de que ele prevalecerá sobre seus inimigos. “A única razão que fará Putin parar com a guerra é ele ser impedido fisicamente e não ter outra escolha”, disse-me Zagorodniuk. “Ele não vai parar a guerra enquanto conseguir continuar; ele parará apenas quando não puder mais seguir com o conflito.”
Portanto, os ucranianos cansados com guerra não têm escolha a não ser continuar lutando se quiserem evitar que seu país seja ocupado por criminosos de guerra que cometem atrocidades abomináveis contra civis inocentes. E nós não temos outra escolha a não ser continuar apoiando os ucranianos.
Saiba mais
Os EUA têm um imperativo estratégico em jogo: os ucranianos estão infligindo baixas massivas às Forças Armadas russas, que diminuirão o nível da ameaça representada pela Rússia à Otan e seus vizinhos por anos. Há também um imperativo humanitário: armando a Ucrânia, nós estamos salvando vidas inocentes.
O Ocidente deve, particularmente, continuar a fornecer munição de defesa antiaérea para impedir os ataques aéreos que Putin deverá lançar proximamente contra cidades ucranianas para torná-las inabitáveis. “Os russos tentarão destruir a Ucrânia no inverno”, disse-me uma autoridade de governo. “Nós precisamos impedir que isso aconteça.”
Mais amplamente, o Ocidente deveria dar a Zaluzhni o que ele precisa. Num artigo que a Economist publicou juntamente com sua entrevista, ele pediu mais drones para atacar as tropas russas, sistemas de guerra eletrônica para defender-se contra os drones russos, radares melhores de contrabateria, tecnologia avançada de neutralização de minas e mais ajuda para treinar e mobilizar reservistas.
O tenente-general aposentado Frederick “Ben” Hodges, ex-comandante das forças dos EUA na Europa, enfatizou para mim que a Ucrânia ainda precisa de muito mais capacidade de ataque de longo alcance na forma de mísseis de cruzeiro, caças de combate F-16 e ATACMS para atingir aeroportos e centros de logística russos na Crimeia ocupada.
Mesmo se as forças terrestres ucranianas mudarem para uma estratégia mais defensiva durante o inverno, a Ucrânia pode continuar a destruir linhas de suprimento e postos de comando da Rússia. Hodges aponta que todas as posições russas no sul da Ucrânia são abastecidas a partir da Crimeia, “então, se você consegue fazer a Marinha, a Força Aérea e a logística russa se realocar, você muda o cálculo inteiro do lado russo”.
A Ucrânia já demonstrou que é capaz de vencer com táticas assimétricas. Sua maior vitória nos meses recentes não foi em terra, foi no mar, apesar dos ucranianos não terem uma Marinha propriamente dita. A Ucrânia alcançou um grande sucesso usando drones e mísseis de cruzeiro para atacar navios da Frota Russa no Mar Negro, portos e bases.
No início de outubro, a frota russa foi forçada a deixar seu ancoradouro histórico em Sevastopol, na Crimeia, e realocou-se no Porto de Novorossiisk, na Rússia. Como resultado, a Ucrânia pôde voltar a exportar grãos pelo Mar Negro.
Ninguém esperava que a Ucrânia conseguiria continuar a exportar grãos depois que a Rússia se retirou, neste verão, do acordo que garantia o fluxo. Mas a Ucrânia deu um jeito. Portanto, nós também precisamos manter a fé e acreditar que os ucranianos encontrarão uma maneira de continuar a defender seu país e expulsar gradualmente a ocupação russa.
Se o Congresso continuar financiando a Ucrânia e se o presidente Joe Biden derrotar seu provável oponente, o ex-presidente Donald Trump, em 2024 (duas incertezas neste momento), Putin se confrontará com a realidade de que não conseguirá vencer esta guerra. Mas se o nosso apoio à Ucrânia se abalar, Putin poderá emergir como vencedor de sua guerra de agressão — com consequências assustadoras para o mundo inteiro.
Muitos americanos afirmam que estão se cansando dessa guerra. Mas nós estamos arriscando apenas 0,65% do orçamento federal para apoiar a Ucrânia. Os ucranianos estão arriscando suas vidas. Eles também estão cansados, mas sabem que não podem desistir da luta. Nós também não. / TRADUÇÃO DE GUILHERME RUSSO
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