SÃO PAULO-O presidente eleito dos Estados Unidos, Donald Trump, irá retornar à Casa Branca com altas expectativas em relação ao impacto que sua administração pode ter no Oriente Médio. Em seu primeiro mandato a região foi palco de grandes momentos, como a costura dos chamados Acordos de Abraão e o reconhecimento de Jerusalém como a capital de Israel. Desta vez, Trump chega ao poder com a promessa de acabar com a guerra em Gaza e alavancar um acordo de paz entre Israel e Arábia Saudita.
Para o professor de relações internacionais da ESPM-SP, Leonardo Trevisan, a volta de Trump dá uma sobrevida aos Acordos de Abraão, uma série de tratados de paz entre Israel e Emirados Árabes Unidos, Bahrein, Marrocos e Sudão. “O republicano gosta de grandes acordos e pode ter uma nova oportunidade no próximo mandato”. Mas antes de qualquer tratado de paz será necessário acabar com a guerra entre Israel e o grupo terrorista Hamas na Faixa de Gaza. Para isso, é preciso dialogar com o governo do primeiro-ministro de Israel, Binyamin Netanyahu, e sua coalizão que conta com partidos de extrema direita.
O governo israelense comemorou a vitória de Trump, mas não tem uma estratégia traçada para o fim da guerra. Membros da coalizão de Netanyahu, como o ministro da Segurança Nacional, Itamar Ben-Gvir, e o ministro das Finanças, Bezalel Smotrich, não escondem que querem construir assentamentos israelenses no enclave palestino e anexar a Cisjordânia, território que atualmente é dividido entre Israel e a Autoridade Palestina, uma medida que não ajudaria nos esforços para um acordo entre Israel e Arábia Saudita.
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Israel
Acabar com a guerra entre Israel e o grupo terrorista Hamas é uma promessa de campanha de Trump. Ele inclusive comunicou isso a Netanyahu em uma conversa por telefone após a sua vitória.
Em uma entrevista ao portal americano Axios, o senador republicano Lindsey Graham, um político próximo a Trump, afirmou que o governo do presidente eleito gostaria que Israel e o grupo terrorista Hamas chegassem a um acordo de cessar-fogo antes do início da nova administração, no dia 20 de janeiro.
“Trump está determinado a conseguir a libertação dos reféns e apoia um cessar-fogo que inclua um acordo pelos sequestrados. Ele quer que isso aconteça agora”, afirmou Graham ao Axios.
O presidente eleito subiu o tom em uma publicação na rede social Truth Social no início de dezembro. Ele afirmou que se os reféns não forem libertados até o início de seu governo os “responsáveis serão atingidos com mais força do que qualquer um foi atingido na longa história dos Estados Unidos”.
Analistas entrevistados pelo Estadão avaliam que Israel não tem uma estratégia para o fim da guerra e o futuro da Faixa de Gaza, por mais que um acordo de cessar-fogo possa ser concluído. “Israel não fala o que quer atingir, não tem uma visão sobre como quer transformar o Oriente Médio”, destaca Yuval Benziman, professor do departamento de direito internacional e resolução de conflitos da Universidade Hebraica de Jerusalém. “É possível ter grandes conquistas a nível militar, mas se um país não sabe como quer sair da guerra, nunca terá sucesso”.
É incerto se Trump conseguirá liderar os esforços para uma realidade pós-guerra. O governo de Israel vem elogiando as escolhas do presidente eleito para o governo e agradeceu os comentários com ameaças ao grupo terrorista Hamas. Diplomatas israelenses entrevistados pelo Estadão exaltaram os indicados de Trump para posições importantes, como o senador Marco Rubio para o cargo de secretário de Estado, o apresentador Pete Hegseth para a secretária de Defesa e o ex-governador do Arkansas, Mike Huckabee, para o cargo de embaixador dos Estados Unidos em Israel.
Em relação a Arábia Saudita, os israelenses não escondem que querem um acordo de paz e acreditam que Trump é a pessoa certa para concretizar o tratado. “Neste momento, os países árabes acreditam que Israel não faz parte do problema, mas sim da solução. Não estou contando nenhum segredo aqui, estávamos próximos de assinar algum tipo de acordo com os sauditas antes dos ataques de 7 de outubro e eu tenho certeza que com Trump na Casa Branca nós poderemos retomar estas negociações”, apontou Mattanya Cohen, Diretor Adjunto para América Latina e Caribe do Ministério das Relações Exteriores de Israel, em entrevista ao Estadão.
Da mesma forma que um acordo com os sauditas volta a mesa de negociação, a criação de um Estado palestino fica mais distante, segundo Trevisan. “A volta de Trump deve garantir a Israel uma diminuição da pressão internacional sobre a criação de um Estado palestino”.
Arábia Saudita
Em seu primeiro governo, Trump teve uma relação próxima com a Arábia Saudita. Em 2017, quando foi eleito a primeira vez, Riad foi o primeiro destino do então presidente. Desta vez, os sauditas querem estreitar as relações de segurança com os Estados Unidos, diversificar os laços econômicos e acabar com a guerra em Gaza.
Em uma entrevista a rede de televisão Al Arabiya, do governo da Arábia Saudita, durante a campanha, o então candidato presidencial republicano elogiou o príncipe herdeiro saudita, Mohammed Bin Salman, e o chamou de “visionário”.
Um novo governo Trump deve tentar estabelecer um tratado de paz entre Israel e Arábia Saudita em troca de um pacto de segurança entre Riad e Washington. “A Arábia Saudita é um parceiro muito precioso para os Acordos de Abraão e acredito que Riad prefira negociar com Trump do que com o Partido Democrata”, destacou Trevisan. “Acredito que Bin Salman tem uma certa queda pelos métodos de negociação de Trump”.
Mas os sauditas aumentaram as exigências por um acordo e insistem em um caminho para a criação de um Estado palestino. O príncipe herdeiro classificou as operações militares das Forças de Defesa de Israel (FDI) na Faixa de Gaza e no Líbano como “genocídio” e pediu um cessar-fogo imediato na guerra que já deixou mais de 40 mil mortos em Gaza, segundo dados do ministério da Saúde do enclave palestino, que é controlado pelo Hamas.
Bin Salman também tem melhorado as relações com o Irã, país que esteve do lado oposto ao de Riad em muitas ocasiões desde a Revolução Iraniana em 1979, como na guerra civil do Iêmen. Segundo especialistas, o governo saudita busca uma autonomia diplomática para defender seus interesses, enquanto espera pelo imprevisível governo Trump.
Irã
Se o primeiro mandato de Trump indicar como será o segundo, o relacionamento do presidente eleito com Teerã será marcado pela estratégia de “máxima pressão”. Quando o republicano chegou ao poder pela primeira vez em 2017, Trump retirou os Estados Unidos do acordo nuclear de 2015 entre o Irã e as potências mundiais, chamando-o de “um acordo horrível e unilateral que nunca deveria ter sido feito”, e impôs duras sanções econômicas às receitas do petróleo iraniano e às transações bancárias internacionais. Ele também ordenou o assassinato de um importante general iraniano, Qassim Suleimani, no Iraque em 2020.
Em resposta, o líder supremo do Irã, o aiatolá Ali Khamenei, proibiu negociações com a administração Trump e autoridades iranianas prometeram vingar o assassinato de Suleimani. Promotores federais em Manhattan afirmaram em novembro, logo após a vitória de Trump, que conspiradores iranianos discutiram um plano para assassinar o presidente eleito dos Estados Unidos. Em julho, os serviços de inteligência dos EUA detectaram outro plano para matar Trump. Teerã negou as acusações dos Estados Unidos.
Saiba mais
Mesmo com as tensões, Teerã espera conseguir manter canais de dialogo com Trump em seu segundo mandato. De acordo com o jornal The New York Times, o empresário Elon Musk se encontrou com o embaixador do Irã na ONU, Amir Saeid Iravani, em novembro.
“Os métodos de negociação de Trump são incertos. Por um lado ele pode estar próximo de negociar com o Irã e por outro pode aplicar pressão”, opina Trevisan. Segundo o especialista, o presidente eleito deve explorar o momento de fragilidade do Irã para buscar concessões do regime iraniano. “Nós estamos vendo, pelo que está acontecendo na Síria com o avanço dos rebeldes em relação a Aleppo, que o Irã está frágil. Trump deve se aproveitar disso”.
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