Qual é a verdadeira face de Giorgia Meloni? Leia a análise

Espera-se que além de vitoriosa, Meloni tenha maioria parlamentar, o que pode trazer riscos políticos e econômicos para a Itália

PUBLICIDADE

Por Maria Cristina Pinotti*
Atualização:

Depois de várias piruetas para suavizar sua imagem no início da campanha eleitoral, a perspectiva de vitória folgada vem deixando Georgia Meloni à vontade para dizer o que pensa, provocando calafrios na Itália e em toda a Europa. Em recente comício em Milão, ao se referir à União Europeia disse que “a festa acabou”: a Itália não pode mais aceitar docilmente as propostas do grupo – especialmente as da França e Alemanha - e deve defender com “a cabeça erguida” seus próprios interesses nacionais.

PUBLICIDADE

Esta é a verdadeira face Meloni, cujo mote de campanha é a defesa de “Deus, pátria e família”, como fazem Orban e Bolsonaro. Investe na polarização dos eleitores, propondo restrições à imigração, aos programas de transição para energia verde e de transferência de renda aos mais pobres, etc.

Com habilidade retórica, procura atrair o voto feminino, embora pretenda restringir a abrangência da lei de aborto, além de ser contra demandas visando melhorar as condições de vida das mulheres. Fiel ao modelo populista, ignora as complexas questões econômicas propondo um liberalismo simplista, que encanta alguns empresários ao falar de estado mínimo, corte de impostos, subsídios para empresas contratarem mão de obra, etc.

Da direita para a esquerda: Matteo Salvini, Giorgia Meloni e Silvio Berlusconi Foto: Guglielmo Mangiapane/Reuters

Diante dessa cartilha, fica claro porque o partido de Meloni, Fratelli d’Italia, foi o único a ficar fora da coalizão que apoiou Mario Draghi, em fevereiro de 2021. Com o propósito de liderar um governo de união nacional, visando o bem comum, Draghi elaborou, e negociou com os partidos da base, uma estratégia com objetivos caros à direita, como a criação de condições para melhorar a eficiência da economia, e à esquerda, como a redução da desigualdade de renda. Por isso, no início, muito se discutiu se seu governo seria de direita ou de esquerda.

Logo os resultados começaram a aparecer. A pandemia foi vencida com investimentos, campanha nacional de vacinação e amparo financeiro a famílias e empresas levando à retomada da economia, que cresceu 6,6% no ano passado, com queda de 4,5 p.p. na relação dívida/PIB.

Publicidade

Para enfrentar as urgências econômica e social a Itália precisava exibir competência e disciplina para receber os mais de €200 bilhões do Next Generation EU, fundo financiado por dívida comum a todos os países membros.

Para tanto, Draghi reescreveu o Plano Nacional de Recuperação e Resiliência (PNRR), que vem sendo implantado, e tem como objetivos aprimorar as instituições democráticas e modernizar as arcaicas engrenagens que emperram o funcionamento da economia.

Os destaques são as reformas (da justiça, administração pública, leis de concorrência pública e privada, leis tributárias), e os investimentos (em educação, creches, emprego para jovens, digitalização, e em obras públicas - ferrovias, digitalização, energia renovável, etc).

A trinca da direita italiana

Ao invadir a Ucrânia, a Rússia passou a usar o fornecimento de energia como arma para desmobilizar o apoio europeu, trazendo inflação e desaceleração econômica na região. Tais custos implodiram a coalizão, e expulsaram Draghi do governo, antecipando as eleições previstas para março de 2023. A trinca da direita - Meloni, Salvini e Berlusconi - tem cerca de 46% das intenções de votos, contra 28% da centro-esquerda. O partido de Meloni aparece com 25%, o de Salvini (Lega) 13%, e o de Berlusconi (Forza Italia) 8%.

Esta será a primeira eleição após a redução do número de parlamentares, o que altera a essência da lei eleitoral de 2017. Serão eleitos 400 deputados e 200 senadores (antes eram 630 e 315, respectivamente), sob um sistema misto. As regras são complexas e teme-se que provoquem uma tendência hiper majoritária, com sub-representação dos demais partidos.

Publicidade

Espera-se, assim, que além de vitoriosa, Meloni tenha maioria parlamentar, o que pode trazer riscos políticos e econômicos ao país. Ela insiste, por exemplo, em rediscutir o PNRR com Bruxelas. Sem ele, a Itália perde o acesso ao crédito da UE e à regalia de ter o BCE equalizando os prêmios de seus títulos através do Transmission Protection Instrument, com efeitos nefastos sobre seu risco. Resta saber Meloni será capaz de manter coesa sua coalizão.

*É graduada em administração pública pela EAESP-FGV e cursou o doutorado em economia na FEA-USP. É sócia da A.C. Pastore & Associados desde 1993. Estuda a teoria da corrupção e é coautora do livro ‘Corrupção: Operação Mãos Limpas e Lava Jato’

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.