Os venezuelanos irão às urnas neste domingo, 3, para responder se apoiam a criação do Estado chamado “Guiana Essequiba”. A disputa é secular e voltou à tona com a descoberta de petróleo na Guiana, que passou a ter um dos crescimentos econômicos mais rápidos do mundo.
A ditadura de Nicolás Maduro na vizinha Venezuela agora insiste que parte desse território é seu por direito e convocou um referendo, que acirra a tensão na América do Sul. Atualmente, a região de Essequibo é território da Guiana.
A anexação do território de 160 mil quilômetros quadrados já foi antecipada em mapas divulgados pela ditadura e prevê que os seus 125 mil habitantes recebam cidadania venezuelana. Esse novo Estado que a Venezuela quer para si, da fronteira até o Rio Essequibo, corresponde a 75% do que hoje é a Guiana. É um território do tamanho da Tunísia, rico em ouro, diamantes e petróleo.
A Guiana faz fronteira com a Venezuela, com o Brasil e com o Suriname. A região reivindicada pela ditadura de Maduro faz fronteira com o território brasileiro através do Estado de Roraima. Há uma ponte que conecta a cidade brasileira de Bonfim à cidade de Lethem. Não se trata da Guiana Francesa, que é um território da França que faz fronteira com o Brasil por meio do Amapá. O Suriname fica entre a Guiana e a Guiana Francesa.
O presidente da Guiana, Irfaan Ali, diz esperar que a “sensatez” prevaleça, mas que está preparado se Caracas escolher o caminho da “imprudência”.
A reivindicação da Venezuela se intensificou desde a descoberta de petróleo em Essequibo pela ExxonMobil, em 2015. No mês passado, a Guiana anunciou outra importante descoberta que acrescenta, pelo menos, 10 bilhões de barris às reservas do país, tornando-as maiores que as do Kuwait e dos Emirados Árabes Unidos.
Desta forma, a Guiana possui as maiores reservas de petróleo per capita do mundo, e a Venezuela, as maiores reservas totais.
A Corte Internacional de Justiça (CIJ), com sede em Haia, determinou na sexta-feira, 1º, que a Venezuela deve evitar qualquer iniciativa que comprometa o status quo com a Guiana. A decisão ocorreu dois antes do referendo marcado por Caracas para decidir sobre uma possível anexação da região de Essequibo.
O tribunal determinou, sem fazer qualquer referência explícita ao referendo de domingo, 3, que a Venezuela deve “se abster de qualquer ação que modifique a situação atualmente em vigor no território em disputa”.
Território
Após declarar independência da Espanha, em 1811, a Venezuela avançou em direção ao rio. Acontece que, três anos depois, o Reino Unido assumiu o controle do que hoje é Guiana, em um acordo com a Holanda. A definição das fronteiras ficou em aberto, e a coroa britânica abocanhou o território.
Nas décadas seguintes, a Venezuela passou a disputar a fronteira e recorreu à ajuda dos Estados Unidos, algo que hoje seria impensável. A saída diplomática veio em 1899, quando foi convocado um tribunal composto por dois americanos (indicados pela Venezuela), dois britânicos e um russo para o desempate. Ficou decidido que o território pertencia a então Guiana inglesa.
Cinco décadas mais tarde, a Venezuela voltou a contestar o território alegando que o juiz russo fez parte de um complô com os britânicos. A discussão se arrastou até 1966, quando um acordo firmado em Genebra, meses antes da independência da Guiana, abriu o caminho para uma solução negociada, mas nunca houve consenso.
Agora, a Guiana pede à Corte Internacional de Justiça que a decisão de 1899 seja mantida enquanto a Venezuela usa a brecha de 1966 para reivindicar o território.
“Recorremos ao acordo de Genebra, que se firmou quando o Reino Unido decidiu dar a independência à Guiana, segundo o qual as partes se comprometem a buscar uma solução prática”, justificou Nicolás Maduro em vídeo que celebrava os 55 anos da negociação. “Então, esse território historicamente e legalmente é venezuelano, todo ele, até o rio Essequibo”, concluiu.
Com o anúncio do referendo, a Guiana voltou à Corte Internacional de Justiça para avisar que enfrenta uma “ameaça existencial” e pediu um recurso urgente contra a votação na Venezuela. Em audiência na semana passada, o representante de Caracas disse que esse é um assunto “doméstico” e que nada vai impedir o referendo.
Referendo
O referendo irá englobar cinco perguntas que abarcam desde a rejeição ao laudo de 1899, que fixou a fronteira do país com a Guiana, e o apoio ao Acordo de Genebra de 1966, que estipula uma saída negociada, até a criação de uma província venezuelana chamada “Guiana Essequiba”, concedendo nacionalidade venezuelana aos seus habitantes.
Também pergunta sobre a jurisdição da CIJ, que Caracas rejeita, embora tenha aceitado, a contragosto, recorrer ao tribunal para se defender.
Sem maior oposição, o “sim” deve vencer de forma esmagadora, resultado com o qual o governo venezuelano espera reforçar sua reivindicação territorial.
Em contraposição, o presidente guianês, Irfaan Ali, destacou a ordem da CIJ de que a “Venezuela está proibida de anexar ou invadir o território guianês ou empreender qualquer outra ação, independentemente do resultado do referendo”.
Oposição acusa Maduro de ‘distração’ antes da eleição
Em pesquisa divulgada nesta quinta-feira, 23, na estatal Telesur, 57% dos venezuelanos defenderam a união na disputa pelo Essequibo, independente das posições políticas. Apesar do apoio popular, essa não é uma unanimidade na Venezuela. A líder da oposição, María Corina Machado, pede que o referendo seja suspenso e acusa Maduro de usar a disputa para criar uma “distração” antes da eleição geral marcada para 2024.
Em acordo costurado pelos Estados Unidos, o regime se comprometeu em garantir uma votação justa. Em troca, a Casa Branca relaxou parte das sanções importas à Caracas. A oposição foi às primárias com essa garantia e escolheu María Corina Machado como candidata com mais de 90% dos votos, mesmo com a líder de centro-direita impedida de assumir cargos públicos por 15 anos.
No entanto, em mais um golpe para oposição, o Tribunal Supremo de Justiça suspendeu “todos os efeitos” das primárias, depois que aliados de Nicolás Maduro alegaram supostas irregularidades no processo. A decisão é vista pelos opositores como quebra o acordo e aumenta a incerteza que paira sobre a eleição do próximo ano./Com informações de agências internacionais
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