Qual o impacto do indiciamento de Donald Trump para a campanha à presidência dos EUA?

Apesar dessa acusação formal, Trump continua elegível e pode ser candidato, mesmo se for condenado

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Por Luciana Rosa
Atualização:

ESPECIAL PARA O ESTADÃO, MIAMI - Único presidente americano a ser indiciado duas vezes pela justiça, Donald Trump vai fazer uma aparição em depoimento em um tribunal federal de Miami nesta terça-feira, 13, depois de ser acusado formalmente de reter documentos ultrassecretos.

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Trump vai comparecer a um tribunal federal em Miami, ainda sem um advogado definido, para enfrentar 37 acusações criminais que incluem espionagem, perjúrio e obstrução da justiça.

Apesar dessa acusação formal, Trump continua elegível e pode ser candidato, mesmo se for condenado.

Caso queira seguir com sua candidatura à presidência pelo Partido Republicano - o que é quase uma certeza - Trump terá de enfrentar poucos obstáculos legais em sua campanha.

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Walt Nauta ajusta agasalho do ex-presidente Donald Trump, após jogo de golfe: Nauta é um dos assessores mais próximos de Trump  Foto: Jonathan Ernst / Reuters

A Constituição dos Estados Unidos não prevê que um candidato à presidência esteja impedido de concorrer em função de seus antecedentes criminais. Ela diz apenas que é preciso ser cidadão nato, com pelo menos 35 anos de idade e residentes nos país há 14 anos para concorrer à presidência.

Segundo especialistas constitucionais, um Estado não pode proibir criminosos indiciados ou condenados de concorrer a cargos federais.

“Algumas pessoas ficam surpresas ao saber que não há impedimento constitucional para um criminoso concorrer à presidência, mas não há tal impedimento”, disse Kate Shaw, analista jurídica da ABC News e professora da Cardozo School of Law.

Assim, como a Constituição não exige que o presidente esteja livre de acusação, condenação ou prisão, uma pessoa sob acusação ou prisão pode concorrer ao cargo e até servir como presidente.

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No entanto, parece não haver dúvida de que a acusação, a condenação ou ambas – muito menos uma sentença de prisão – comprometeriam significativamente a capacidade de um presidente de exercer o cargo. E a Constituição não oferece uma resposta fácil ao problema.

Em casos envolvendo situações análogas para membros do Congresso, a Suprema Corte dos EUA decidiu que tais qualificações formam um “teto constitucional”, e proibiu quaisquer qualificações adicionais a serem impostas por qualquer meio.

A consequência mais imediata que uma condenação e eventual prisão de Trump poderia ter em sua candidatura seria a de dificultar o andamento de sua campanha, uma vez que o ex-presidente não poderia viajar para realizar comícios.

Mas neste caso específico, do indiciamento por causa dos documentos secretos retirados da Casa Branca, um julgamento ocorreria daqui a muitos meses, e Trump poderia fazer campanha livremente durante esse período.

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Imagem divulgada pelo Departamento de Justiça dos eUA mostra diversos documentos confidenciais do governo americano instalados no banheiro do resort de Trump em Mar-a-lago, na Flórida Foto: Departamento de Justiça dos Estados Unidos / AFP

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O único cenário em que a campanha de Trump realmente ficaria debilitada seria se o Procurador-Geral da República, Merrick Garland, resolvesse se debruçar sobre o artigo 3 da 14a emenda da Constituição americana. que diz que “nenhuma pessoa poderá ser senador ou representante no Congresso, ou eleitor do presidente e vice-presidente,(...)tendo previamente prestado juramento (...) para apoiar a Constituição dos Estados Unidos, deve ter se envolvido em insurreição ou rebelião contra o mesmo, ou dado ajuda ou conforto aos seus inimigos.”

Para Bruce Ackerman, professor da Faculdade de Direito da Universidade de Yale, especialista em Constituição, Trump poderia ter sua inabilitação decretada se Garland alegasse que há evidências concretas de que o ex-presidente Trump se envolveu em um ato de insurreição.

Neste caso, cada Estado americano poderia decidir separadamente sobre a legalidade da candidatura de Trump. No caso de os Estados liberais barrarem a candidatura de Trump, e os Estados conservadores liberarem, o país poderia se ver em uma situação política ainda mais polarizada e inédita. Tal situação no entanto é praticamente impossível: o cargo de Procurador-Geral dos EUA é uma indicação política. Garland foi conduzido ao cargo por Biden, e uma decisão dessa magnitude teria profundas implicações políticas para democratas e republicanos.

Trump fala para apoiadores em convenção do Partido Republicano na Carolina do Norte  Foto: George Walker IV/AP

Efeito nas pesquisas

Muitos estrategistas do Partido Republicano dizem que a maioria dos eleitores republicanos das primárias já traçou suas linhas de batalha contra Trump há muito tempo, o que significa que essa acusação não muda nada.

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Isso acompanha uma pesquisa da CBS News realizada em 9 e 10 de junho - logo após a divulgação da notícia da acusação - que descobriu que 76% dos prováveis eleitores das primárias republicanas pensavam que a acusação era politicamente motivada e 61% disseram que não mudou suas opiniões sobre Trump.

“Pelo menos em termos das primárias, isso certamente não deve impactar as chances do presidente Trump de conseguir a indicação”, disse ao site Vox Matt Terrill, ex-chefe de gabinete do senador republicano da Flórida, Marco Rubio.

Apoiadores do ex-presidente dos Estados Unidos Donald Trump participam de comício em apoio ao político  Foto: Alex Brandon/ AP

Trump inclusive usou os casos e as investigações que enfrenta como ferramentas de arrecadação de fundos, dizendo aos apoiadores que está sob ataque e precisa de sua ajuda. A campanha de Trump disse em abril que as doações aumentaram depois que ele foi indiciado em Nova York.

Na última vez que foi indiciado, em Nova York, a campanha de Trump arrecadou mais de US $12 milhões de dólares em doações na semana seguinte ao indiciamento.

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Para Ackerman, longe de ferir a imagem do político, os indiciamentos acabam alimentando a imagem de mártir. Ele utiliza como exemplo, o caso do presidente dos Estados Confederados durante a Guerra Civil americana Jefferson Davis, que foi preso com o fim do conflito, mas nunca condenado. “Ele traiu seu juramento, foi capturado e estava prestes a ser julgado, quando o relator do governo percebeu que levá-lo à juízo seria contraproducente. Pois, caso o levassem a julgamento por traição, isso o tornaria um mártir para milhões de escravocratas extremistas que concordavam com suas ideias”, diz Ackerman.

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