WASHINGTON - A invasão promovida por milhares de apoiadores de Donald Trump ao prédio do Capitólio, em Washington DC, em 6 de janeiro de 2021, culminou na maior investigação da história do Departamento de Justiça dos Estados Unidos. Antes do fim daquele mês, o FBI já havia aberto mais de 400 casos e emitido mais de 500 intimações. A primeira condenação levou mais de um ano para sair, em março de 2022, mas dois anos depois mais de 900 pessoas já foram processadas pelo motim.
O episódio, que chocou por ser o maior ataque à democracia americana, teve cenas semelhantes no último domingo em Brasília, quando milhares de apoiadores de Jair Bolsonaro - aliado de Trump que atualmente está em uma casa na Flórida - invadiram as sedes dos três poderes e depredaram patrimônio público. O presidente recém empossado - Luiz Inácio Lula da Silva - decretou intervenção federal e pediu a punição dos responsáveis.
Nos EUA, na noite após o ataque, cerca de 50 pessoas haviam sido presas pela polícia e as investigações começaram imediatamente pelo Departamento de Justiça. Em paralelo, uma investigação do Congresso americano apontou Trump como maior responsável pelo ataque e sugere que ele seja igualmente investigado.
Cinco pessoas morreram e mais de 100 policiais ficaram feridos no Capitólio. Mais de 280 réus foram acusados de agredir ou impedir ações policiais em 6 de janeiro, de acordo com o Departamento de Justiça. O FBI postou vídeos e fotos dos agressores em busca da ajuda do público para identificar outros culpados.
Os investigadores também usaram software de reconhecimento facial, leitores de placas e outras ferramentas de alta tecnologia para rastrear alguns suspeitos. Redes de detetives online ajudaram o FBI a identificar vândalos com base em pistas digitais.
Agora, o número de réus acusados de crimes federais relacionados ao 6 de janeiro está se aproximando de 1.000. As acusações variam de contravenção contra pessoas que entraram no Capitólio, mas não se envolveram em nenhuma violência, a acusações de conspiração sediciosa contra integrantes dos grupos extremistas Oath Keepers e Proud Boys, acusados de conspirar violentamente para impedir a transferência do poder presidencial para Joe Biden.
Andamento das investigações
Um ano depois da invasão ao Capitólio, mais de 700 pessoas já haviam sido acusadas e o número saltou para 950 dois anos depois, todas acusadas de crimes federais relacionados ao cerco.
Esse número aumenta a cada semana, com previsão de muitos novos julgamentos este ano. Além disso, centenas de pessoas continuam foragidas e configuram na lista de procurados do FBI. Um excesso de vídeos incriminatórios e postagens nas redes sociais tornou difícil para os suspeitos apresentarem defesas viáveis.
Os casos lotaram o tribunal federal de Washington, um prédio a menos de um quilômetro do Capitólio. Praticamente todos os dias da semana, os juízes sentenciam os manifestantes ou aceitam suas confissões de culpa enquanto abrem espaço em seus processos para julgamentos. Já estão agendados para este ano os julgamentos de cerca de 140 réus do motim.
Pelo menos 538 casos, mais da metade dos apresentados até agora, foram resolvidos por meio de confissões de culpa, julgamentos ou morte do réu, de acordo com uma revisão da Associated Press dos registros do tribunal. Isso deixa aproximadamente 400 casos não resolvidos no início de 2023.
Entre os que ainda estão foragidos está a pessoa que colocou dois explosivos do lado de fora dos escritórios dos comitês nacionais republicano e democrata antes do motim.
Quase 500 pessoas se declararam culpadas de acusações relacionadas a tumultos, normalmente esperando que a cooperação pudesse levar a uma punição mais leve. Cerca de três quartos delas se declararam culpadas de contravenções nas quais a sentença máxima era de seis meses ou um ano de prisão. Mais de 100 se declararam culpados de acusações criminais puníveis com penas de prisão mais longas.
Casos emblemáticos
A primeira condenação no caso veio em março de 2022, quando Guy Reffitt, de Wylie, no Texas, foi condenado por cinco acusações criminais, incluindo levar uma arma para o Capitólio e obstruir um processo oficial. Em agosto, ele foi condenado a sete anos de prisão.
A primeira pessoa a se declarar culpada de um crime relacionado ao 6 de janeiro foi Jon Ryan Schaffer, um músico de Indiana que se juntou aos Oath Keepers. Schaffer foi um dos pelo menos oito Oath Keepers que se declararam culpados perante o fundador do grupo, Stewart Rhodes, e outros membros foram a julgamento por acusações de conspiração sediciosa.
Os casos de agressão renderam as penalidades mais duras até agora. Em setembro, Thomas Webster, um ex-policial da cidade de Nova York, foi condenado por atacar um oficial no Capitólio com um mastro de bandeira. Ele pegou 10 anos de prisão, na sentença mais severa em um caso relacionado aos eventos no Capitólio.
Um mês depois, Albuquerque Cosper Head, um morador do Tennessee, foi condenado a sete anos e meio de prisão após se declarar culpado de arrastar Michael Fanone, um policial, para uma multidão pró-Trump enfurecida que o agrediu brutalmente e o atacou com um arma de choque.
O Departamento de Justiça obteve uma vitória de alto risco em novembro, quando um júri condenou Rhodes, o fundador do Oath Keepers. Foi a primeira condenação por conspiração sediciosa em julgamento em décadas. Os jurados absolveram três outros associados do Oath Keepers da acusação da era da Guerra Civil, mas os condenaram por outros crimes.
O réu mais conhecido foi acusado de obstrução, Jacob Chansley, o chamado xamã do QAnon, que foi condenado no final de 2021 a 41 meses de prisão.
O papel de Trump
Além de investigar e punir os próprios participantes do motim, o Departamento de Justiça investiga também a participação de Donald Trump em incitar os manifestantes. Além disso, o departamento recebeu em dezembro um extenso relatório produzido pelo comitê seleto do Congresso que também investigou o papel de Trump nos ataques.
O comitê traçou um roteiro para processar Trump e vários de seus aliados, dizendo que eles cometeram uma série de crimes federais ao empreender planos sobrepostos para reverter os resultados da eleição de 2020. As recomendações do painel de que as acusações deveriam ser feitas tiveram base em uma investigação exaustiva que durou meses e incluiu entrevistas com testemunhas importantes com as quais nem os promotores federais podem ter falado ainda. Mas o departamento não tem obrigação de acatá-las.
O relatório traça as mentiras de Trump sobre fraude eleitoral generalizada em conversas com alguns de seus aliados antes do dia da eleição, evidência de que seu plano foi premeditado, disse o comitê. Depois de executar esse plano questionando os resultados legítimos na noite da eleição, ele propositadamente divulgou falsas alegações de fraude.
O comitê também apontou como o ex-presidente incitou os manifestantes a marcharem contra o Capitólio ao fazer um discurso nas proximidades, sem conter seus manifestantes que gritavam “enforquem Mike Pence” - seu vice que era responsável por certificar Biden.
A acusação mais séria que o painel recomendou contra Trump provavelmente também será a mais difícil de provar: insurreição. Embora o Departamento de Justiça tenha vencido a condenação por uma acusação relacionada - no caso de conspiração sediciosa contra Stewart Rhodes - e esteja pronto para julgar cinco membros dos Proud Boys por sedição, não acusou ninguém de insurreição em mais de 900 casos criminais./AP, NYT e W.POST
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