Quão assustadora é a crise da China? Leia a análise de Paul Krugman

Segunda maior economia do planeta parece à beira de uma crise parecida com a de 2008

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Por Por Paul Krugman*

THE NEW YORK TIMES - As agruras econômicas dos anos pós-pandêmicos têm ocasionado intensos debates intelectuais e sobre políticas. Algo com que quase todos concordam, porém, é que a crise pós-covid se assemelha muito pouco à crise financeira global de 2008. Mas a China — a segunda maior economia do planeta dependendo de como se calcula — certamente parece balançar à beira de uma crise muito parecida com a situação em que o restante do mundo se encontrou em 2008.

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Eu não confio suficientemente no meu próprio entendimento sobre a China para julgar se o país vive seu momento Minsky, o ponto em que todos de repente se dão conta de que uma dívida insustentável é, de fato, insustentável. E de fato eu duvido que alguém — incluindo as autoridades chinesas — saiba responder essa questão.

Mas eu acho que nós somos capazes de responder uma pergunta mais condicional: se a China realmente passa por uma crise em estilo 2008, esta crise transbordará de alguma maneira importante para o restante do mundo? E a resposta é bastante clara: não. Por maior que seja a economia chinesa, os Estados Unidos estão pouco expostos financeiramente ou comercialmente aos problemas da China.

Bandeiras sinalizam construção de novo empreendimento residencial, Nanchang, China, 22 de maio de 2023. Foto: Qilai Shen/The New York Times

Antes de eu chegar aí, contudo, falemos sobre por que a China de 2023 se assemelha às economias do Atlântico Norte, tanto a americana quanto a europeia, em 2008.

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A crise de 2008 foi ocasionada pelo estouro de uma enorme bolha imobiliária transatlântica. Os efeitos da bolha estourada foram amplificados por perturbações financeiras, especialmente o colapso dos ditos “shadow banks” — instituições que agiam clandestinamente como bancos, criando riscos de corridas a bancos mas prescindindo amplamente de regulamentações e das redes de segurança fornecidas a bancos convencionais.

E agora chega a China, com um setor imobiliário ainda mais inchado que o dos países ocidentais antes de 2008. A China também tem um enorme e altamente atribulado setor de shadow-banking; além de problemas peculiares, como dívidas enormes de governos locais.

A boa notícia é que a China não é como a Argentina nem a Grécia, que deviam quantias imensas a credores estrangeiros. A dívida em questão aqui é, essencialmente, de dinheiro que a China deve para si mesma. E deveria ser possível, em princípio, para o governo nacional resolver a crise por meio de alguma combinação entre resgates de devedores e abatimentos para credores.

Mas o governo da China tem competência suficiente para gerir o tipo de restruturação financeira que sua economia precisa? As autoridades chinesas têm determinação suficiente ou clareza intelectual para fazer o que é necessário ser feito?

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Eu me preocupo especialmente com a segunda questão. A China precisa substituir o investimento imobiliário insustentável por maior demanda de consumo. Mas alguns relatos sugerem que autoridades chinesas mais graduadas continuam suspeitas em relação a gastos de consumo “supérfluos” e também resistem à ideia de “dar poder para os indivíduos tomarem mais decisões a respeito da maneira que eles gastam seu dinheiro”. E não é nada tranquilizador o fato das autoridades chinesas estarem respondendo à possível crise pressionando os bancos para emprestar mais, basicamente continuando a política que levou a China à situação em que ela se encontra.

Portanto, a China poderá entrar em crise. Se entrar, como isso nos afetará?

A resposta, até onde eu consigo perceber, é que a exposição dos EUA a uma possível crise chinesa é supreendentemente pequena.

Quanto os EUA têm investido na China? O investimento direto — que envolve controle — na China e em Hong Kong é de aproximadamente US$ 215 bilhões. Investimentos em carteira — basicamente ações e obrigações — estão na casa de pouco mais de US$ 300 bilhões. Então estamos falando de um total em torno de US$ 515 bilhões.

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Este número pode parecer grande, mas para uma economia enorme como a nossa, não é. Considerem uma comparação. Neste momento, há muitas preocupações a respeito do setor imobiliário comercial dos EUA, especialmente em relação aos prédios de escritórios — que provavelmente encaram uma redução permanente na demanda em virtude do aumento no trabalho remoto. Bem, os prédios de escritórios dos EUA valem hoje cerca de US$ 2,6 trilhões, aproximadamente cinco vezes mais que o nosso investimento total na China.

Por que uma economia tão grande atraiu tão pouco investimento dos EUA? Basicamente, eu argumentaria, porque, dadas as arbitrariedades das políticas chinesas, muitos possíveis investidores temem a possibilidade da China se tornar uma armadilha de baratas: você consegue entrar, mas pode não conseguir sair.

Mas o que dizer da China enquanto mercado? A China é uma importante jogadora no comércio mundial, mas não compra muito dos EUA — apenas cerca de US$ 150 bilhões em 2022, menos de 1% do nosso PIB. Portanto uma crise chinesa não surtiria muito efeito direto na demanda por produtos americanos. O efeito seria maior em países que vendem mais para a China, como Alemanha e Japão, e algo poderia ricochetear nos EUA por meio das vendas a esses países. Mas o efeito geral ainda seria pequeno.

Uma crise na economia chinesa poderia até surtir um pequeno efeito positivo nos EUA, porque reduziria a demanda por matérias-primas, especialmente petróleo, o que possivelmente reduziria a inflação.

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Nada disso significa que nós devamos aplaudir a possibilidade de uma recessão chinesa ou tripudiar sobre os problemas de um outro país. Mesmo que por razões puramente egoístas, nós devemos nos preocupar com o que o regime chinês poderá fazer para distrair a atenção de seus cidadãos dos problemas domésticos.

Mas em termos econômicos parece que estamos diante de uma possível crise interna na China, não de um evento global em estilo 2008. / TRADUÇÃO DE GUILHERME RUSSO

*Paul Krugman é colunista do The New York Times desde 2000. É professor da City University of New York. Ganhou o Prêmio Nobel de Ciências Econômicas em 2008 por seu trabalho sobre comércio internacional e geografia econômica.

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