Análise | Quartelada na Bolívia expõe fragilidade política e econômica do governo de Arce, dizem analistas

General Juan José Zúñig parece ter percebido a queda de popularidade de presidente boliviano como uma oportunidade para ganhar apoio político e da oposição, segundo os especialistas

PUBLICIDADE

Foto do author Isabel Gomes
Atualização:

A quartelada liderada pelo general Juan José Zúñiga contra o presidente Luis Arce na Bolívia expõe a fragilidade do líder esquerdista e das divisões na esquerda boliviana entre o chefe de Estado e seu padrinho político, o ex-presidente Evo Morales, avaliam especialistas ouvidos pelo Estadão. O general no entanto, confundiu a insatisfação com o governo com o endosso a aventuras autoritárias. A intentona não contou com apoio de líderes da oposição de direita e foi rapidamente rechaçada pela comunidade internacional.

PUBLICIDADE

Assim, ainda de acordo com os analistas, o cerco desta quarta evidencia um cenário político já frágil e dá enfâse à crise de popularidade do presidente Arce, acentuada pelo distanciamento com Evo Morales e a proximidade das eleições de 2025.

Embora a popularidade de Luis Arce esteja em baixa e a maioria das pesquisas indique que muitos não votariam nele novamente, isso não se traduz necessariamente em um apoio a medidas drásticas como um golpe de Estado, argumenta Roberto Laserna, economista boliviano.

“Nenhum golpe de Estado tem sucesso sem o apoio social ou, pelo menos, a aceitação de uma parte significativa da população”, diz.

Publicidade



Liderados pelo general Juan José Zúñiga, militares bolivianos mobilizaram, nesta quarta-feira, 26, uma tentativa de golpe de Estado contra o presidente Luis Arce. Foto: Juan Karita/AP

“Apesar do descontentamento com o governo de Arce, o desejo popular parece estar mais inclinado para soluções dentro do sistema democrático existente, mesmo diante das dificuldades enfrentadas pelo país”, afirma Laserna.

O professor da Faculdade de Direito da Universidade Gabriel René Moreno, em Santa Cruz de la Sierra, na Bolívia, Orlando Beltrán, vai na mesma linha.“A falta de resposta a problemas específicos como a falta de dólares e a distribuição irregular de combustíveis tem gerado um mal-estar geral que afeta muito sua governabilidade”, diz.

Crise econômica

Arce assumiu o poder em 2020, com o apoio de Evo Morales. Com seu governo, embora o país tenha registrado um crescimento expressivo do PIB, a inflação crescente e aumento do desemprego provocaram desconforto entre a população.

Para piorar, no último ano, a Bolívia tem enfrentado uma grave crise econômica provocada pela escassez de moeda forte. A falta de dólares prejudica as importações, entre elas a de combustível. Em 2023, o problema chegou a provocar uma corrida em busca de dinheiro aos bancos, além do rebaixamento da nota de crédito do país.

Publicidade

Chances para Evo?

O rompimento com o padrinho político, também no início do ano passado, intensificou o rechaço a Luis Arce. Com isso, a possibilidade de Evo retornar ao poder na Bolívia em 2025 continua sendo uma questão central.

Segundo Orlando Beltran, “Evo Morales continua sendo uma figura popular e influente, especialmente entre as bases do Movimento ao Socialismo (MAS). Sua liderança ainda é percebida como crucial para muitos que buscam uma mudança significativa na política boliviana.”

Luis Arce cercado por apoiadores e pela imprensa, do lado de fora do palácio do governo em La Paz, Bolívia, após ordenar a retirada das tropas.  Foto: AP/Juan Karita

No entanto, as condições legais e políticas para o retorno de Morales são complexas. O ex-presidente enfrenta restrições constitucionais de mandatos presidenciais consecutivos.

Além das questões legais, a dinâmica interna do partido MAS também influenciará as chances de Morales. “Com o rompimento de Arce com Evo, o partido enfrenta uma divisão interna entre as facções ‘arcistas’ e ‘evistas’ no parlamento,” observa Beltran. Essa divisão reflete não apenas diferenças ideológicas, mas também disputas de poder que podem afetar a unidade e a coesão do partido frente às próximas eleições.

Publicidade

Questões pessoais

Roberto Uebel, doutor em estudos estratégicos internacionais e professor de Relações Internacionais da ESPM, lembra ainda que Zúñiga, que teve a demissão anunciada na terça-feira, 25, estava enfrentando acusações de corrupção.

“O general havia sido demitido, estava sofrendo algumas denúncias de corrupção de desvio de de recursos públicos. Ele tinha motivações muito mais pessoais do que um sentimento pátrio”, aponta Uebel.

Análise por Isabel Gomes

Jornalista formada pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Atualmente, é repórter na editoria de Internacional do 'Estadão'.

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.