TÚNIS - O presidente da Tunísia, Kais Saied, um político independente e ex-advogado constitucional de 63 anos com maneiras públicas estranhas, está agora no centroda crise política em seu país. Quase dois anos após sua eleição – que ele considerou uma nova revolução –, sua decisão de afastar o primeiro-ministro e o presidente do Parlamento foi vista por críticos como uma tomada de poder inconstitucional.
Enquanto dezenas de milhares de pessoas inundavam as ruas das grandes cidades para comemorar, Saied parecia estar liderando uma onda de raiva popular contra uma elite política que há anos falha em entregar os frutos prometidos da democracia.
Enquanto o presidente do Parlamento, Rached Ghannouchi, foi contaminado pelos compromissos confusos de uma década de política democrática desde a revolução da Tunísia iniciada em 2010, Saied entrou em cena em 2019 como um recém-chegado.
Se expressando emárabe clássico ultra formal e se apresentando em sua campanha como um homem comum enfrentando um sistema corrupto, ele lutou nas eleições sem gastar dinheiro e com uma equipe restrita de conselheiros e voluntários – ganhando o apoio de esquerdistas, islâmicos e jovens.
Uma vez eleito, ele apareceu por um tempo acorrentado a uma Constituição que dá ao presidente poder direto apenas sobre os militares e as relações exteriores, enquanto a administração diária é deixada para um governo que responde mais ao Parlamento.
Saied não escondeu seu desejo de promover nova Constituição que coloque o presidente no centro das atenções. Seus críticos o acusaram de querer imitar o presidente do Egito, Abdel Fattah el-Sisi, que destituiu o poder de seus inimigos.
Como presidente, Saied rapidamente entrou em conflito com os dois primeiros-ministros que eventualmente emergiram do complexo processo de construção de coalizão. No entanto, a maior disputa foi com o partido islâmico moderado Ennahda e seu veterano líder Ghannouchi, um ex-prisioneiro político exilado que voltou à Tunísia em 2011.
Ao longo do ano passado, Saied e o primeiro-ministro Hichem Mechichi, apoiados por Ghannouchi, brigaram por causa da reorganização e controle do Gabinete sobre as forças de segurança, complicando os esforços para lidar com a pandemia e enfrentar uma crise fiscal iminente. Como os protestos eclodiram em janeiro, foi o governo e os antigos partidos do Parlamento que receberam a ira do público – uma onda de raiva que eclodiu na semana passada com o pico de casos de covid-19.
Um esforço fracassado para estabelecer centros de vacinação levou Saied a anunciar na semana passada que o Exército assumiria a resposta à pandemia – um movimento visto por seus críticos como o último passo em sua luta pelo poder com o governo. Isso preparou o terreno para seu anúncio no domingo, após protestos contra o Ennahda em cidades de todo o país.
Saied foi um dos consultores jurídicos que ajudaram a redigir a Constituição democrática da Tunísia de 2014, embora logo tenha se manifestado contra elementos do documento.
Agora, alguns dos principais herdeiros políticos da revolução da Tunísia o chamam de carrasco – dizendo que suas decisões são um ataque à democracia./REUTERS
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