ROMA - Considerado o salvador da Zona do Euro em 2012, Mario Draghi, designado primeiro-ministro da Itália em fevereiro de 2021 para socorrer seu país da emergência sanitária, política e econômica que enfrentava, renunciou nesta quinta-feira, 21, esgotado pelas disputas dentro de sua coalizão de unidade nacional.
A crise política, que vinha crescendo há meses em Roma, tendo como pano de fundo as disputas internas do partido antissistema Movimento 5 Estrelas (M5E), o mais votado nas últimas eleições, acabou derrubando a coalizão heterogênea e abriu o caminho para novas eleições, que serão realizadas em 25 de setembro. Uma última tentativa de reunir apoio falhou na quarta-feira no Senado. “Precisamos de um novo pacto de confiança, sincero e concreto”, propôs o ex-presidente do Banco Central Europeu, ilustrando suas condições e as reformas pendentes.
Mas antes de um voto de confiança crucial no Senado, Mario Draghi se decepcionou não apenas com o Movimento 5 Estrelas, mas também com dois de seus aliados de direita, a Liga e o Forza Itália.
De cabelos grisalhos, terno e gravata, Draghi nunca se submeteu ao voto popular. Há 17 meses, ele aceitou a proposta do presidente da República, Sergio Mattarella, de se tornar chefe de Governo para tirar a Itália da crise e, sobretudo, negociar um plano bilionário de recuperação econômica com a União Europeia.
Momento delicado para o país
Figura muito respeitada, que costuma se colocar acima dos partidos, ele mostrou capacidade de conduzir o país liderando uma coalizão que caminhava em uma linha delicada, com partidos antagônicos, tanto da extrema direita quanto da esquerda. Não faltaram atritos com os partidos da coalizão, tanto com o M5E quanto com a Liga de Matteo Salvini, conhecida por sua política antimigração, até que a corda cedeu.
O “avô a serviço das instituições”, como costuma se definir, deu os primeiros sinais de cansaço em dezembro passado, quando aspirou ao cargo de chefe de Estado. Os partidos da coalizão impediram sua nomeação, o que o deixou indignado.
Respeitando seu lema “nunca se render”, como confessou a Christine Lagarde no final de um mandato turbulento no Banco Central Europeu, Draghi permaneceu no poder.
Para Benoît Coeuré, ex-membro do Comitê Executivo do BCE, Mario Draghi “tem um profundo senso de dever e de serviço público”.
No entanto, está abandonando o cargo em um momento delicado para a Itália, que está lidando com o impacto econômico da guerra na Ucrânia, além de uma nova onda de covid-19. Precisa também preparar a lei orçamentária para 2023 e implementar todas as medidas exigidas pela União Europeia para se beneficiar dos cerca de € 200 bilhões (R$ 1,1 trilhão) concedidos a Roma.
Prestígio internacional
Em oito anos à frente do BCE, Draghi tomou medidas que eram inimagináveis quando o euro surgiu, há mais de 20 anos: reduzir as taxas de juros para o negativo, injeções de liquidez por meio de compras maciças de ativos no mercado e empréstimos gigantes aos bancos.
Com a chegada ao poder do “Super Mario” - apelido que recebeu por sua atuação nas instituições econômicas - a Itália foi colocada na primeira fila e o seu primeiro-ministro se tornou uma das vozes de referência da União Europeia. A revista britânica The Economist não poupou palavras de elogio ao considerá-lo o “primeiro-ministro mais competente e respeitado internacionalmente”.
Sob seu comando, a Itália assumiu uma presença muito maior na Europa. Ele persuadiu o país, historicamente próximo e economicamente ligado à Rússia, a assumir uma forte posição de apoio à Ucrânia com armas, a assumir um papel de liderança no reconhecimento do pedido de adesão de Kiev à União Europeia e a condenar a agressão russa e punir Moscou com sanções.
Muitos partidários de Draghi argumentaram que essa injeção de estabilidade e competência na política da Itália, e a moderação necessária para trabalhar juntos em um governo de unidade nacional, tinham essencialmente inoculado o país de sua febre populista.
Nascido em Roma em 3 de setembro de 1947, casado e com dois filhos, estudou em colégio de jesuítas e é católico praticante.
Graduado em Economia, com doutorado pelo prestigiado Massachusetts Institute of Technology (MIT), foi professor de economia em várias universidades italianas e representou seu país no Banco Mundial de 1984 a 1990, antes de se tornar diretor-geral do Tesouro da Itália em 1991, cargo que ocupou por dez anos sob governos de esquerda e direita.
A partir daí, tratou das grandes privatizações realizadas entre 1996 e 2001.
Em 2002, ingressou na administração do banco americano Goldman Sachs, experiência pela qual foi duramente criticado, já que o banco americano, acusado de ter disfarçado as contas da Grécia, representa para muitos os excessos de Wall Street./AFP e NYT
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