O deputado americano de origem brasileira George Santos foi preso nesta quarta-feira, 10, antes de uma audiência no tribunal de Nova York. O político foi acusado de lavagem de dinheiro e outros crimes federais.
George Santos foi o primeiro deputado republicano abertamente gay eleito nos EUA. Trumpista de carteirinha, ele sempre disse ser filho de brasileiros e se vendeu aos eleitores como a encarnação do sonho americano: um filho de imigrantes brasileiros que “saiu do nada”, estudou uma faculdade pública de Nova York para se tornar um “financista e investidor experiente de Wall Street” com um “portfólio imobiliário familiar de 13 propriedades e uma instituição de caridade de resgate de animais que salvou mais de 2.500 cães e gatos”.
Mas com uma reportagem investigativa, o jornal The New York Times revelou que partes importantes do currículo e da biografia de Santos vendidos aos eleitores são incompletos ou falsos. Após semanas de polêmica, o deputado admitiu ter mentido sobre sua biografia e a Comissão de Ética da Câmara dos Deputados dos EUA decidiu abrir uma investigação sobre o político, que também foi acusado de violar as leis de financiamento de campanha.
Saiba mais sobre George Santos
O Citigroup e o Goldman Sachs, as firmas de destaque de Wall Street na biografia da campanha de Santos, disseram ao Times que não tinham registro de que ele trabalhou lá. Funcionários do Baruch College, onde Santos disse ter se formado em 2010, não conseguiram encontrar nenhum registro de alguém com seu nome e data de nascimento se formando naquele ano.
Também havia poucas evidências de que seu grupo de resgate de animais, Friends of Pets United, fosse, como afirmou Santos, uma organização isenta de impostos: a Receita Federal não conseguiu localizar nenhum registro de uma instituição de caridade registrada com esse nome.
Seus formulários de divulgação financeira sugerem uma vida de alguma riqueza. Ele emprestou à sua campanha mais de US$ 700 mil (R$ 3,6 milhões) durante a eleição de meio de mandato, doou milhares de dólares a outros candidatos nos últimos dois anos e relatou um salário de US$ 750 mil (R$ 3,9 milhões) e mais de US$ 1 milhão (R$ 5,2 milhões) em dividendos de sua empresa, a Devolder Organization.
Ele era próximo também de políticos conservadores do Brasil. Em fevereiro de 2020, o deputado federal Eduardo Bolsonaro se encontrou com George Santos.
Sua empresa não tem site público ou página no LinkedIn. Em um site de campanha, Santos certa vez descreveu a Devolder como a “empresa de sua família” que administrava US$ 80 milhões (R$ 416 milhões) em ativos. Em sua divulgação financeira ao Congresso, ele a descreveu como uma empresa de consultoria de capital, um tipo de empresa boutique que serve como elo entre fundos de investimento e investidores com muito dinheiro. Mas Santos não declarou nenhum cliente, uma omissão que três especialistas em direito eleitoral disseram que poderia ser problemática se tais clientes existissem por causa de conflito de interesses.
Trump
E enquanto Santos descreveu uma fortuna familiar no setor imobiliário, ele não revelou, nem o Times encontrou, registros de suas propriedades. A vitória de Santos por oito pontos, em um distrito no norte de Long Island e no nordeste do Queens que antes favorecia os democratas, foi considerada uma reviravolta. Ele havia perdido decisivamente no mesmo distrito em 2020 para Tom Suozzi.
Sua aparição no início deste mês em uma festa de gala em Manhattan com a presença de nacionalistas brancos e teóricos da conspiração de direita destacou seus laços com a base de direita de Donald Trump. Ao mesmo tempo, novas revelações descobertas pelo Times - incluindo a omissão de informações importantes sobre as divulgações financeiras pessoais de Santos e acusações criminais por fraude de cheques no Brasil - têm o potencial de criar desafios éticos e possivelmente legais quando ele assumir o cargo.
Santos não respondeu aos repetidos pedidos do Times para que ele fornecesse documentos ou um currículo com datas que ajudariam a substanciar as alegações que ele fez durante a campanha. Ele também se recusou a ser entrevistado, e nem seu advogado nem a Big Dog Strategies, um grupo de consultoria política de orientação republicana que lida com o gerenciamento de crises, responderam a uma lista detalhada de perguntas.
O advogado dele, Joe Murray, disse em um breve comunicado que “não é surpresa que o congressista eleito Santos tenha inimigos no New York Times, que está tentando manchar seu bom nome com essas acusações difamatórias”.
Santos diz que nasceu no Queens, filho de pais que emigraram do Brasil e foi criado no bairro. Seu pai, ele disse, é católico e tem raízes em Angola. Sua mãe, Fatima Devolder, era descendente de migrantes que fugiram da perseguição aos judeus na Ucrânia e da 2ª Guerra na Bélgica. Santos se descreveu como um judeu não praticante, mas também disse que é católico.
Os registros mostram que a mãe de Santos, que morreu em 2016, morou por um tempo na cidade brasileira de Niterói, um subúrbio do Rio, onde trabalhava como enfermeira. Depois que Santos obteve um diploma de equivalência do ensino médio, ele aparentemente também passou algum tempo lá.
Em 2008, quando Santos tinha 19 anos, ele roubou um talão de cheques de um homem de quem sua mãe cuidava, segundo registros judiciais brasileiros descobertos pelo New York Times. Registros policiais e judiciais mostram que Santos usou o talão de cheques para fazer compras fraudulentas. Dois anos depois, Santos confessou o crime e foi acusado na Justiça.
O tribunal e o promotor local no Brasil confirmaram que o caso continua sem solução. Santos não respondeu a uma intimação oficial, e um representante do tribunal não conseguiu encontrá-lo em seu endereço, mostram os registros.
Empresas
Esse período no Brasil coincide com a data em que Santos disse estar cursando o Baruch College, em Nova York, onde disse ter recebido um diploma de bacharel em economia e finanças. Mas o Baruch College disse que não foi capaz de encontrar registros de Santos - usando múltiplas variações de seu nome, nome do meio e sobrenome - tendo se formado em 2010, como ele afirmou.
Uma biografia de Santos no site do Comitê Nacional Republicano do Congresso, que é o braço de campanha dos republicanos na Câmara, também inclui uma passagem pela Universidade de Nova York. A afirmação não é repetida em outro lugar, e um porta-voz da NYU não encontrou nenhum registro de comparecimento correspondente ao seu nome e data de nascimento.
Depois de dizer que se formou na faculdade, Santos começou a trabalhar no Citigroup, tornando-se “um gerente associado de ativos” na divisão imobiliária da empresa, de acordo com uma versão de sua biografia que estava em seu site de campanha.
Uma porta-voz do Citigroup, Danielle Romero-Apsilos, disse que a empresa não poderia confirmar a contratação de Santos. Ela também disse que não estava familiarizada com o cargo autodeclarado de Santos e observou que o Citi vendeu suas operações de gestão de ativos em 2005.
Uma biografia de campanha anterior de Santos indica que ele deixou o Citi para trabalhar em uma empresa de tecnologia hoteleira com sede na Turquia, a MetGlobal, e outros perfis mencionam um breve cargo na Goldman Sachs. Os executivos da MetGlobal não foram encontrados para comentar. Abbey Collins, porta-voz do Goldman Sachs, disse que não localizou nenhum registro de Santos ter trabalhado na empresa.
Após dois despejos, uma reviravolta na sorte
Enquanto supostamente subia na hierarquia corporativa, Santos afirmou ter fundado o Friends of Pets United, que dirigiu por cinco anos a partir de 2013. Como candidato, ele citou o grupo como prova de uma história de trabalho filantrópico.
Embora remanescentes do grupo e seus esforços possam ser encontrados no Facebook, a receita Federal dos EUA não foi capaz de encontrar nenhum registro mostrando que o grupo possuía o status de isenção de impostos que Santos alegou ter. Nem os escritórios do procurador-geral de Nova York nem de New Jersey conseguiram encontrar registros de que o Friends of Pets United foi registrado como uma instituição de caridade.
Friends of Pets United realizou pelo menos uma arrecadação de fundos com um grupo de resgate de animais de New Jersey em 2017; o convite prometia bebidas, doações de rifas e banda ao vivo. Santos cobrou US$ 50 pela entrada, de acordo com uma página online de arrecadação de fundos que promoveu o evento. Mas a beneficiária do evento, que pediu anonimato por medo de represálias, disse que nunca recebeu o dinheiro, tendo Santos apenas apresentado repetidas desculpas para não repassar o dinheiro.
Nesse mesmo período, Santos também enfrentava aparentes dificuldades financeiras. Em novembro de 2015, um proprietário no bairro de Whitestone, no Queens, entrou com uma ação de despejo no tribunal habitacional acusando Santos de US$ 2.250 em aluguel não pago.
Em maio de 2017, Santos enfrentou outro caso de despejo, de um apartamento com aluguel em Sunnyside, Queens. O senhorio de Santos o acusou de dever mais de US$ 10 mil em aluguel ao longo de cinco meses e disse nos autos que um dos cheques de seu inquilino havia sido devolvido.
No início de 2021, Santos estava se tornando vocal sobre questões habitacionais, mas não da perspectiva do inquilino. Durante a moratória de despejo da era pandêmica de Nova York, Santos disse no Twitter que era um proprietário afetado pelo congelamento. “Será que nós, proprietários, algum dia poderemos retomar a posse de nossa propriedade?” ele escreveu.
Santos disse que ele e sua família não recebiam o aluguel de suas 13 propriedades há quase um ano, acrescentando que ele ofereceu assistência de aluguel a alguns inquilinos, mas descobriu que alguns estavam “tirando vantagem da situação”.
Mas Santos não listou propriedades em Nova York nos formulários de divulgação financeira exigidos para nenhuma de suas campanhas; o único imóvel que mencionou foi um apartamento no Rio de Janeiro. Os bancos de dados de registros de propriedade na cidade de Nova York e no condado de Nassau não mostraram nenhum documento ou ação associada a ele, a parentes imediatos ou à Organização Devolder.
Pressão democrata
Em uma reportagem na noite desta terça-feira, 20, o New York Times informou que o deputado Hakeem Jeffries, de Nova York, que será o líder dos democratas na Câmara quando o próximo Congresso começar em janeiro, disse em comunicado que Santos era “lamentavelmente desqualificado” e “claramente incapaz de servir”.
Susan Lerner, diretora-executiva do grupo de reforma do governo Common Cause, pediu a Santos que renuncie e instou o bipartidário Escritório de Ética do Congresso e os promotores federais a investigar o caso.
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