Quem é o mentor das reformas de Milei que recebeu a missão de reduzir o Estado argentino

Federico Sturzenegger é um economista de carreira, que defende a desregulamentação e a liberdade econômica, e atuou nos governo de Mauricio Macri e Fernando De la Rúa

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Foto do author Carolina Marins

A motosserra do libertário Javier Milei, um símbolo de peso de sua campanha pela presidência da Argentina, ganhou materialidade nas últimas semanas com a criação de um ministério para reduzir o tamanho do Estado na Argentina. Considerado a grande cabeça por trás dos projetos de reforma do presidente argentino, será Federico Sturzenegger o responsável pela missão.

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No último dia 5 de julho, Milei nomeou Sturzenegger, um ex-presidente do Banco Central, para um novo ministério, até então sob o guarda-chuva do ministério da Economia: a pasta de Desregulamentação e Transformação do Estado.

Os objetivos do novo ministério são a redução dos gastos públicos, o aumento da eficiência e eficácia dos órgãos que compõem a Administração Pública Nacional, a transformação da gestão e a simplificação e redução do Estado, segundo o decreto que oficializa a sua criação.

O então presidente do Banco Central da Argentina Federico Sturzenegger, atual ministro da Desregulamentação e Transformação do Estado Foto: Jose Luis Magana/AP

Mas antes mesmo de ganhar um ministério, Sturzenegger já era uma figura-chave da administração Milei. Foi ele quem elaborou o mega Decreto de Necessidades e Urgências (DNU) já nos primeiros dias do libertário no cargo e, em seguida, a ambiciosa Lei Ônibus, transformada e aprovada agora como Lei de Bases.

Ambos os projetos são o carro-chefe do projeto econômico do governo de Milei, fazendo de Sturzenegger a cabeça por trás de seus planos. Por causa desta influência sobre Milei, ele ocupava o cargo de assessor na Unidade de Transição para a Desregulamentação da Economia, ligada à presidência.

“Sturzenegger já era uma espécie de autor ideológico de alguma maneira e agora passa a ser a pessoa que tem que materializar isso em vários aspectos”, afirma o economista e professora da Universidade de Buenos Aires (UBA) Fabio Rodriguez. “Agora ele tem formalmente um organograma, um ministério e a difícil tarefa de transformar uma lei em prática”.

Antes de Milei, ele esteve envolvido em outras duas presidências argentinas: a de Mauricio Macri e de Fernando De la Rúa.

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Biografia

Nascido em 11 de fevereiro de 1966, é natural de Rufino, província de Santa Fé. Segundo seu currículo, se graduou em Economia pela Universidade Nacional de La Plata (UNLP), em 1987. Em 1991, obteve o título de doutor em Economia pelo Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT), nos Estados Unidos.

Atuou como professor na Universidade de San Andrés em Buenos Aires, na Kennedy School of Government da Universidade de Harvard, nos EUA, e na École des Hautes Etudes Commerciales, em Paris. Também passou pela Universidade da Califórnia, em Los Angeles, e pela Universidade Torcuato Di Tella, na Argentina.

Em 1994 foi convidado para ajudar na criação da petrolífera argentina YPF. Foi secretário de Política Econômica (2001), presidente do Banco Ciudad (2008-2013), deputado nacional pelo PRO (2013-2015) e presidente do Banco Central (2015-2018).

O que pensa

“Sou um otimista incorrigível. Só assim pode ser explicado que seja torcedor do Gimnasia y Esgrima de La Plata”, Sturzenegger se descreveu em seu livro “Yo no me quiero ir: Claves y razones para apostar por la Argentina” (Não quero ir embora: Chaves e razões para apostar na Argentina, em tradução livre), publicado em 2013.

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Continua dizendo que sonhou que morria sem ver seu time ser campeão. “Mas entendi que havia sonhado com nosso país e compreendi que estava elaborando a ideia de que meu desejo de ver a Argentina como uma Nação avançada, equitativa e pujante, talvez não fosse possível em toda a minha vida.”

Além deste, é autor do livro “La economía de los argentinos: reglas de juego para una sociedad próspera y justa”(A economia dos argentinos: regras do jogo para uma sociedade próspera e justa).

É um economista que defende o Estado mínimo e menos regulamentações, não à toa foi escolhido para o cargo atual. Descreve o seu atual chefe Milei como “brilhante”.

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“Por trás de cada restrição não há um sentido de proteção ao conjunto da sociedade, mas sim há uma tramoia. É por isso que cada restrição da liberdade empobrece os argentinos e beneficia a poucos. A liberdade não apenas nos permite o crescimento, mas também é a melhor política anticorrupção”, disse em entrevista recente ao Clarín.

“As empresas públicas são ineficientes e suscetíveis ao risco de corrupção. Quando o Estado possui empresas, estas tendem a influenciar negativamente na regulamentação do setor. Porque ao regulado o tornaste em regulador”, continuou na mesma entrevista.

Quando questionado sobre a proposta de dolarização, grande promessa de Milei candidato e que por enquanto está suspensa, Sturzenegger defendeu o presidente, mas não necessariamente sua ideia. “O futuro do peso depende do peso. Se a macroeconomia for estável e houver pouca inflação, o peso poderá sobreviver. Eu acho que o que incomoda o presidente é que o Estado te obriga a usar uma moeda e depois te cobra o imposto inflacionário.”

O presidente Javier Milei e sua vice Victoria Villarruel na celebração do aniversário de independência da Argentina em 9 de julho Foto: Luis Robayo/AFP

Governos De la Rúa e Mauricio Macri

Em seu site oficial, onde agrega uma robusta biografia, seu currículo e publicações, Sturzenegger dá pouco espaço para um momento importante de sua carreira: quando foi secretário de Política Econômica do presidente Fernando De la Rúa, aquele que fugiu em meio à profunda crise econômica e social da Argentina em 2001.

Sua secretaria estava dentro da órbita do Ministério da Economia, então a cargo de Ricardo López Murphy. Poucos dias depois, porém, o ministro foi substituído por Domingo Cavallo, a quem Sturzenegger passou a ser assistente direto.

Renunciou ao cargo em novembro daquele ano, dois dias antes do anúncio do chamado “corralito” por Cavallo, que desencadeou o estampido social. Poucas semanas depois, o próprio De la Rúa renunciou ao cargo e protagonizou a fatídica cena de um presidente fugindo da Casa Rosada de helicóptero.

Sturzenegger chegou a ser investigado mais tarde pelo caso Megacanje, decreto que ele assinou junto com Cavallo que consistia em uma troca de títulos para atrasar os prazos de pagamento da dívida argentina em troca de um aumento significativo nos juros. Ele foi absolvido em 2015.

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Após o episódio de 2001, ele voltou para a vida acadêmica e seu retorno à política ocorreu em 2008 quando foi convidado por Mauricio Macri, então prefeito de Buenos Aires, para ser presidente do Banco Ciudad. Em sua biografia ele conta que não era próximo de Macri, tendo o conhecido por meio de um amigo famoso: Horacio Rodríguez Larreta.

“Neste ponto, é importante refletir sobre tudo o que significa que Macri tenha escolhido para liderar o banco da cidade, um professor universitário, sem experiência bancária, sem contatos e/ou ‘amizades’ políticas, vínculos ou compromissos com ninguém na Argentina”, ele celebra em sua biografia.

Em 2013 se tornou deputado pelo PRO, partido de Macri. Dois anos depois, quando Macri foi eleito presidente, foi convidado pelo mesmo para presidir o Banco Central da Argentina. Renunciou ao posto em 2018, no contexto de uma nova corrida cambiária. Desde então, teceu críticas à gestão econômica de Macri.

“O fracasso econômico é surpreendente porque Macri enfrentou não apenas um cenário internacional relativamente benigno (sem mudanças significativas em seus termos de troca, por exemplo), mas também porque recebeu um apoio sem precedentes de uma série de circunscrições”, escreveu em um artigo de opinião publicado no site Infobae em 2019.

“Sturzenegger é casta pura do ponto de vista de um funcionário que serviu ao Estado”, observa Fabio Rodriguez. “É um funcionário que já serviu a três governos e atua como funcionário público desde o final dos anos 90, o que significa que não poderia ser definido como um outsider, pelo contrário.”

O novo cargo

O ministro da Desregulamentação e Transformação do Estado, Federico Sturzenegger, após um evento que marca o Dia da Independência em Buenos Aires em 9 de julho Foto: Natacha Pisarenko/AP

Durante a gestão Macri, inclusive, compartilhou trabalhos com outra figura central da agenda econômica de Milei: Luis Caputo, atual ministro da Economia. A criação do ministério de Desregulamentação chegou a criar atritos entre os dois, que se questionaram se não entrariam em conflito.

“A dupla Sturzenegger-Caputo teve participação, de certa forma, em uma das piores crises dos últimos 10 anos, que foi a de 2018, da qual a Argentina não se recuperou mais, começando um ciclo de desvalorizações, descontrole financeiro, fuga de reservas, e assim caímos no FMI”, aponta Rodriguez. “Agora eles são as duas pessoas mais importantes na área econômica. Claro que o que aconteceu antes não implica que vai se repetir, mas essa discussão tem estado presente.”

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“Embora tenham sido 12 economistas que participaram do governo Macri, neste caso Sturzenegger terá um papel muito menos relacionado com o que é a macroeconomia”, explica o economista argentino Juan Manuel Telechea. “Isso basicamente ficará a cargo, ou continua a cargo, de Caputo, no Ministério da Economia e Finanças, e o papel fundamental de Sturzenegger, em suas próprias palavras, é a desregulamentação e também a remoção de barreiras burocráticas.”

Mal começou e o novo ministro já tem uma missão ambiciosa: aprovar no Congresso a lei “Hojarasca” (Serapilheira, em tradução livre) que visa eliminar mais de 100 leis que ele chamou de “obsoletas”.

“Nossa agenda legislativa será retomada com a Lei Hojarasca: leis obsoletas que representam riscos à liberdade econômica, entraves, ou são simplesmente obsoletas (como as que regulam as corridas de pombos, obrigam a procedimentos impossíveis, ou promovem a poluição)”, disse Sturzenegger ao postar sobre seu novo cargo no X (antigo Twitter).

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