Quem é Viktor Bout, o ‘Senhor das Armas’ envolvido em troca por Brittney Griner

Autoridades americanas propuseram enviar traficante de armas de 55 anos de volta a Moscou em troca de estrela da WNBA

PUBLICIDADE

Por Valerie Hopkins e Alan Yuhas

O drama envolvendo a jogadora de basquete Brittney Griner, presa na Rússia desde o início da Guerra na Ucrânia por tráfico de drogas, vai terminar graças a uma troca de prisioneiros negociada entre EUA e Rússia. Os americanos vão enviar para Moscou o traficante de armas russo Viktor Bout, conhecido como “Senhor das Armas”.

Por ideia do secretário de Estado dos Estados Unidos, Antony Blinken, que negociou com o chanceler russo, Serguei Lavrov, a Rússia aceitou a proposta americana para a libertação de Brittney Griner e Paul Whelan. Bout ficou conhecido do grande público ao ser interpretado pelo ator Nicolas Cage no filme O Senhor das Armas, de 2005.

Viktor Bout espera veredicto em centro de detenção criminal em Bangkok, na Tailândia. Foto: Apichart Weerawong/ AP - 11/08/2009

PUBLICIDADE

Autoridades russas pressionavam pelo retorno de Bout desde sua condenação em 2011 por um júri de Nova York por quatro acusações que incluíam conspiração para matar cidadãos americanos. Os promotores disseram que ele concordou em vender armas antiaéreas para informantes da repressão às drogas que estavam se passando por compradores de armas para as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc).

O procurador-geral da época, Eric Holder, chamou Bout (pronuncia-se “Boot”) de “um dos traficantes de armas mais prolíficos do mundo”. Bout tornou-se notório entre os oficiais de inteligência americanos, ganhando o apelido de “Mercador da Morte” por ter evitado a captura por anos.

Ele era o russo mais notório sob custódia dos EUA e o prisioneiro que a Rússia fez campanha mais intensa para retornar. Enviado de volta à Rússia, é provável que reacenda o debate sobre realizar trocas de prisioneiros por americanos que os Estados Unidos consideram “detidos injustamente” – como são os casos de Griner e Whelan.

Publicidade

Atuação de Viktor Bout como traficante de armas inspirou filme 'O Senhor das Armas', estrelado por Nicolas Cage em 2005. Foto: Sukree Sukplang/ REUTERS - 09/06/2008

Em entrevistas com jornalistas, Bout negou repetidamente as acusações de que trabalhou para agências de inteligência russas. Mas Mark Galeotti, um especialista em serviços de segurança da Rússia, disse que há fortes sinais – a educação de Bout, suas redes sociais e profissionais e suas habilidades logísticas – de que ele é um membro, ou pelo menos estava em estreita colaboração, com a agência de inteligência dos militares russos, conhecida como GRU.

“Essa também é a opinião dos EUA e de outras autoridades - e explica as razões pelas quais a Rússia tem feito campanha tão assiduamente para recuperá-lo”, disse Galeotti, que leciona sobre Rússia e crime transnacional na University College London. “Todos os países tentam tirar seus cidadãos de jurisdições difíceis, mas está claro que tem sido uma prioridade particular para os russos recuperar Viktor Bout.”

Bout cresceu em Dushanbe, capital do Tajiquistão, até ser alistado no Exército soviético aos 18 anos. Após um período nas Forças Armadas, estudou português no Instituto Militar de Línguas Estrangeiras em Moscou, uma entrada comum para os serviços de inteligência russa. Depois, tornou-se um oficial da Força Aérea.

Bout é escoltado pela polícia tailandesa em Bangkok. Foto: Damir Sagolj/ REUTERS - 04/10/2010

A União Soviética se desmanchou pouco depois de Bout deixar a vida militar. À medida que a economia da Rússia entrava em colapso e os grupos criminosos prosperavam, ele se mudou para os Emirados Árabes Unidos e abriu uma empresa de carga que cresceu para uma frota de 60 aviões.

Com equipamentos militares de ex-Estados soviéticos escorrendo pelo mercado negro, seu império logístico entregou armas a rebeldes, militantes e terroristas em todo o mundo, de acordo com os promotores americanos. Na “nova era” da privatização na Rússia, os traficantes de armas puderam usar as antigas conexões militares e comerciais da era soviética e também desenvolver empresas de fachada para ocultar transações.

Publicidade

Bout foi acusado de vender armas para Al-Qaeda, Taleban e militantes de Ruanda. De acordo com várias investigações e com a acusação nos EUA, ele e seus associados desrespeitaram os embargos de armas em Serra Leoa, na República Democrática do Congo e na Argélia, onde vendeu armas tanto para as forças do governo quanto para os rebeldes que os combatiam.

Um avião Ilyushin Il-76, que pertenceu ao contrabandista de armas Viktor Bout, é desmontado nos Emirados Árabes Unidos. Foto: Kamran Jebreili/ AP - 27/05/2022

PUBLICIDADE

Sua capacidade de evitar ser capturado aumentou sua notoriedade entre os oficiais de inteligência ocidentais. Em 1995, o Taleban derrubou um de seus aviões no Afeganistão, apreendeu a carga e prendeu a tripulação. Bout e as autoridades russas de alguma forma conseguiram tirar a tripulação do país: em 2003, ele disse ao The New York Times Magazine que “eles foram extraídos”, e em 2012, segundo o The New Yorker, ele disse que eles simplesmente escaparam.

As autoridades norte-americanas finalmente o alcançaram em Bangkok em 2008. Bout se encontrou com agentes disfarçados da Drug Enforcement Administration (DEA, na sigla em inglês) que ele acreditava representar rebeldes das Farc, que os Estados Unidos consideravam uma organização terrorista até o ano passado.

Quando os potenciais compradores lhe disseram que as armas poderiam ser usadas para matar pilotos americanos, Bout respondeu: “Temos o mesmo inimigo”, disseram os promotores.

As autoridades tailandesas o prenderam no local. Ele foi extraditado para os EUA em 2010 e dois anos depois foi condenado a 25 anos de prisão.

Publicidade

Agentes da DEA se passaram por comerciantes de armas ligados as Farc em operação que capturou Bout. Foto: Apichart Weerawong/ AP - 05/10/2010

Nos anos seguintes, as autoridades russas defenderam a inocência de Bout e o requisitaram em uma possível troca por outros detidos americanos e ucranianos de alto nível mantidos pela Rússia. Ele esteve no centro de uma campanha russa, “nós não abandonamos os nossos”, que classificou sua prisão como injusta e politicamente motivada.

A troca de Bout tem sido uma prioridade para a Rússia “uma questão de honra e uma questão de pragmatismo implacável”, disse Galeotti.

As agências de inteligência russas “herdaram da antiga KGB soviética uma cultura que deixa claro para seus próprios agentes — ‘nós vamos ter você de volta’. Esse tipo de lealdade é realmente importante quando você espera que as pessoas se coloquem potencialmente em perigo”, disse.

Bout acena para fotógrafos enquanto aguarda veredicto em Bangkok. Foto: Chaiwat Subprasom/ REUTERS - 22/10/2008

Na noite de quarta-feira, a esposa de Bout, Alla, disse à agência de notícias estatal russa RIA Novosti que nem ela nem o marido ouviram nada sobre sua possível troca.

“Conversamos ao telefone ontem”, disse ela, segundo a agência de notícias. “Nós, é claro, assumimos que tais negociações podem ocorrer, mas não falamos sobre isso, porque nem ele nem eu temos qualquer informação”.

Publicidade

Oleg Morozov, membro do Parlamento russo, a Duma, aplaudiu a possibilidade do retorno de Bout.

“Viktor Bout foi condenado ilegalmente e aguarda ajuda do Estado russo há muitos anos”, disse ele a Ria Novosti. “Se houver uma oportunidade de conseguir sua libertação, então, na minha opinião, essa chance deve ser usada”.

Bout beija a esposa, Alla Bout, após audiência. Foto: REUTERS - 20/08/2010

Não está claro se o possível retorno de Bout encorajaria ainda mais a Rússia a prender ocidentais que podem ser negociados. Moscou nega as alegações de que prende pessoas intencionalmente para forçar uma troca.

“O risco muito real com este acordo é que ele incentiva potências estrangeiras a tirar americanos das ruas e jogá-los na prisão”, disse Lee Wolosky, ex-funcionário do Conselho de Segurança Nacional do governo Bill Clinton, que liderou o esforço inicial dos EUA para capturar Viktor Bout. “E quanto mais proeminentes forem os viajantes americanos, melhor”.

Andrei Soldatov, jornalista russo e especialista em serviços de segurança que é membro sênior do Centro de Análise de Políticas Europeias, disse que, embora Bout fosse o prisioneiro russo de maior destaque nos Estados Unidos, havia muito mais russos nas prisões dos EUA, particularmente por hackeamentos.

Publicidade

As autoridades russas, disse Soldatov, aprenderam a “criar bancos de reféns” no início dos anos 2000 durante a guerra brutal com a região separatista da Chechênia, logo após a chegada do presidente Vladimir Putin ao poder.

“Foi uma lição que eles nunca esqueceram”, disse Soldatov. Referindo-se às agências de segurança russas, ele disse: “Faz todo o sentido, do ponto de vista deles, fazer o mesmo com os EUA”.

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.