WASHINGTON — Durante semanas, o presidente Donald Trump e seus apoiadores proclamaram o dia 6 de janeiro de 2021 como o dia de acertar as contas. Um dia para se reunir em Washington para "salvar a América" e "impedir o roubo" da eleição que ele havia definitivamente perdido, mas que ele ainda assegurava — muitas vezes por meio de uma mistura tóxica de teorias da conspiração — que havia vencido por uma vantagem devastadora.
Quando esse dia chegou, o presidente reuniu milhares de apoiadores com um discurso incendiário. Em seguida, uma grande multidão desses apoiadores, muitos agitando bandeiras e vestindo roupas com o nome de Trump, invadiu violentamente o Capitólio para tomar o controle dos salões do governo e obrigar funcionários eleitos a se esconderem, temendo por sua segurança.
Mas, se o caos no Capitólio chocou o país, um dos aspectos mais perturbadores deste dia foi que era possível vê-lo chegando. O presidente quase o marcou no calendário da nação.
"Grande protesto em D.C. [Washington, D.C.] em 6 de janeiro", Trump tuitou em 19 de dezembro — apenas um dos vários de seus tuítes promovendo a data. "Esteja lá, será selvagem!"
E seus apoiadores acreditaram na palavra do presidente.
"Se você não está preparado para usar a força para defender a civilização, então esteja preparado para aceitar a barbárie", postou um membro do grupo Red-State Secession no Facebook na terça-feira, na véspera do dia marcado, 6 de janeiro.
Abaixo dele, dezenas de pessoas postaram comentários que incluíam fotos do armamento — incluindo fuzis — que eles diziam estar planejando levar para o local. Também houve comentários fazendo menção a “ocupar” o Capitólio e forçar o Congresso a derrubar a eleição de novembro que Joe Biden havia vencido.
Renée DiResta, uma pesquisadora que estuda movimentos on-line no Observatório da Internet de Stanford, disse que a o episódio violento no Capitólio na quarta-feira foi o resultado de movimentos on-line operando em redes sociais fechadas, onde alegações de fraude eleitoral e roubo de eleições encontraram oxigênio.
"Esta é uma demonstração do impacto muito real das câmaras de eco da internet", disse DiResta.
As raízes de um dos momentos mais sombrios da democracia americana remontam a pelo menos 4 de novembro, um dia após a eleição presidencial que Trump perderia para Biden. Naquele dia, o primeiro grupo Stop the Steal ("Pare o roubo", em tradução livre) foi formado no Facebook — e rapidamente decolou, chegando a ter uma média de 100 novos membros a cada 10 segundos. O grupo chegou a 320 mil seguidores antes de o Facebook fechá-lo.
À medida que centenas de novos grupos Stop the Steal continuavam a surgir, o Facebook tornou-se mais agressivo ao fechá-los, levando apoiadores de extrema direita de Trump — incluindo alguns envolvidos em milícias e grupos de conspiração — a migrar para redes sociais menos restritivas, incluindo Parler e Gab. E foi nesses locais que um movimento para organizar um protesto pró-Trump em Washington alavancou.
Vários ativistas de extrema direita, incluindo Ali Alexander, um operador republicano antes conhecido como Ali Akbar, começaram a emergir como líderes do Stop the Steal. Suas teorias conspiratórias e sem base sobre fraude eleitoral replicavam as de Trump.
Em meados de dezembro, dezenas de ações judiciais movidas por apoiadores de Trump contestando os resultados haviam fracassado. Então, em 14 de dezembro, Biden garantiu votos suficientes no Colégio Eleitoral para confirmar sua vitória. A última formalidade antes de sua posse em 20 de janeiro seria a contagem oficial dos votos eleitorais pelo Congresso, a ser supervisionada pelo vice-presidente Mike Pence em 6 de janeiro.
Alexander e outros instaram os apoiadores de Trump de todos os lugares a ir ao Capitólio enquanto o Congresso estaria formalizando a vitória de Biden.
O momento tem sido tradicionalmente visto como mais uma garantia da transferência do poder na República. Mas Trump e seus apoiadores estavam publicamente classificando a formalidade deste ano como criminosa, fraudulenta — até mesmo traidora. E o presidente continuava tuitando:
Em 27 de dezembro: “Nos vemos em Washington em 6 de janeiro. Não perca. Informações a seguir”.
Em 30 de dezembro: "SEIS DE JANEIRO, VEMOS VOCÊ EM DC [Washington, D.C.]!"
Em 1º de janeiro: “O grande protesto" em Washington, D.C. acontecerá às 11h em 6 de janeiro. Detalhes da localização a seguir. StopTheSteal!”
No dia seguinte, 2 de janeiro, o senador Ted Cruz, do Texas, e 11 outros senadores republicanos juntaram-se a outro republicano, Josh Hawley, do Missouri — além de outros 100 membros republicanos da Câmara dos Deputados — prometendo contestar a certificação da vitória de Biden.
Naquele momento, os apoiadores extremistas de Trump — incluindo os Proud Boys e outros grupos conhecidos por incitar a violência, bem como grupos conspiracionistas como o QAnon — estavam trabalhando no que poderiam fazer em 6 de janeiro em Washington. A página da Red-State Secession no Facebook até encorajou seus 8 mil seguidores a compartilhar os endereços de “inimigos” — juízes federais, membros do Congresso e progressistas conhecidos.
Uma sensação de que o problema estava vindo chegou com um vídeo amplamente divulgado de um apoiador de Trump confrontando o senador republicano Mitt Romney, um crítico frequente de Trump, no Aeroporto Internacional de Salt Lake City enquanto esperava um voo na terça-feira para Washington.
Quando o apoiador perguntou por que ele não apoiava as alegações do presidente de fraude eleitoral, Romney disse que seguiria a Constituição.
“Eu não ficaria surpreso se você não tivesse votado legalmente”, disse a pessoa enquanto seguia o senador até o portão. “Você é uma piada, uma piada total, é uma vergonha nojenta.”
Então, amanheceu 6 de janeiro, o dia de acertar as contas. Milhares se reuniram no Centro de Washington. A multidão incluía entre 2.000 e 2.500 membros dos Proud Boys, de acordo com Enrique Tarrio, presidente do grupo.
Qualquer esperança de que o vice-presidente Mike Pence, como presidente do Senado, impedisse a confirmação pelo Congresso da vitória de Biden foi destruída antes do meio-dia. Pence disse em uma carta que o vice-presidente não tinha esse poder.
“A Presidência pertence ao povo americano, e somente a ele”, escreveu ele.
Então, ao meio-dia, Trump começou a fazer um discurso para seus entusiasmados seguidores.
À tarde, o presidente criticou seu vice-presidente por não ter “a coragem de fazer o que deveria ser feito para proteger nosso país e nossa Constituição”. Nas horas que viriam, seus apoiadores, carregando bandeiras e vestindo roupas que tinham seu nome, iriam invadir o Capitólio em um episódio caótico que levaria à implementação de um toque de recolher e que deixaria ao menos quatro mortos.
Entre aqueles que invadiriam o Capitólio estavam personagens do QAnon bem conhecidos e supremacistas brancos. Jake Angeli, um apoiador do QAnon conhecido por seu rosto pintado e chapéu com chifre, vagou pelo Senado. Tim Gionet, um teórico da conspiração neonazista, invadiria um escritório no Senado.
Mas primeiro vieram os comentários do presidente, proferidos perto da Casa Branca.
— Nunca desistiremos — disse ele. — Nós nunca iremos ceder. Isso nunca vai acontecer. Você não cede quando há morte envolvida. Nosso país está farto, não vamos aguentar mais isso.
Trump concluiu sua exortação de 70 minutos encorajando todos a caminhar pela Avenida Pensilvânia para dar aos republicanos no Capitólio “o tipo de orgulho e ousadia de que precisam para retomar nosso país”. O presidente dos EUA, então, retornou à Casa Branca, a uma distância segura do caos que deslancharia.
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