Opinião | Quem ganha e quem perde com a queda de Assad na Síria

Irã, Rússia, Hezbollah, Israel e Turquia são alguns dos atores impactados pelo terremoto geopolítico provocado pela Síria

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Por Nicholas Kristof (The New York Times)

O impressionante colapso do regime brutal de Assad na Síria, um negócio familiar desde a década de 1970, é um terremoto geopolítico que cria vencedores e perdedores ao redor do mundo. Primeiro, os perdedores:

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O Irã é um grande perdedor; a Síria tem sido um aliado próximo e um elo vital de transporte terrestre para o Líbano e o Hezbollah. O Irã apoiou a Síria enquanto o presidente Bashar Assad lutava para permanecer no poder durante a terrível guerra civil do país, e usou a Síria para projetar poder em toda a região. O Irã já foi muito enfraquecido nos meses mais recentes, e isso aumenta a sensação de que o regime iraniano estaria possivelmente vulnerável, e de certamente ser uma potência menor.

Uma questão é se tudo isso fortalece os argumentos dentro da liderança do Irã para desenvolver armas nucleares como fator de dissuasão.

A Rússia também perde um aliado importante e, presume-se, também perderá suas valiosas bases militares na Síria. Em 2015, Moscou interveio militarmente para apoiar o regime de Assad na guerra civil, lançando bombas em alvos civis e aumentando a impopularidade dele entre os cidadãos.

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A Rússia valoriza particularmente sua base naval em Tartus, que permite ao país apoiar navios de guerra no Mar Mediterrâneo.

O Hezbollah apoiou Assad na guerra civil síria e dependia de armas enviadas do Irã através da Síria com destino ao Líbano. O regime de Assad interferiu violentamente na política libanesa por décadas. Dito isso, o Hezbollah continua sendo uma força significativa no Líbano, mesmo que enfraquecido.

A seita alauíta na Síria, um desdobramento do islamismo xiita que representa talvez 10% ou mais dos sírios, agora estará em risco. Os Assads eram alauítas, e os alauítas eram alvo de ressentimento por causa dos privilégios de que desfrutavam. Se eu fosse um alauíta na Síria de hoje, ficaria apavorado.

Opositores sírios celebram queda de Assad na Síria. Foto: AP Photo/Omar Sanadiki

Preocupo-me com a possibilidade de os cristãos sírios, que até certo ponto foram protegidos pelos Assads, se tornarem alvo de perseguição, e de as mulheres perderem direitos. As forças triunfantes não são o Taleban, mas são um passo nessa direção. Dito isso, a guerra civil na Síria prejudicou a todos, incluindo mulheres e cristãos.

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Então, quem são os vencedores com a mudança de governo na Síria?

Os islâmicos sunitas foram brutalmente reprimidos na Síria durante décadas, e eles finalmente estão no comando. A nova liderança inclui forças que estiveram envolvidas no Estado Islâmico e na Al-Qaeda, embora tenham repudiado esse extremismo. Veremos. É muito cedo para ter certeza, mas recomendo cautela.

Israel ganha, pelo menos por algum tempo, com o enfraquecimento de inimigos como o Irã e o Hezbollah, sem mencionar o próprio regime de Assad. Mas ter um regime islâmico linha-dura logo ao lado, se essa for a direção seguida pela Síria, pode ser ruim no longo prazo.

A Turquia ganha influência no país vizinho. Pode usar essa influência para tentar controlar os curdos na região.

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Os Estados Unidos também podem ganhar no sentido de Rússia e Irã serem perdedores claros, mas muito depende do que virá a seguir. Tenho esperança de que Austin Tice, um jornalista americano que acredita-se estar preso na Síria desde 2012, possa ser libertado e autorizado a voltar para casa. Soltá-lo seria uma maneira da nova liderança da Síria mostrar sua boa-fé.

Qualquer um que valorize os direitos humanos deve se sentir aliviado com a saída do regime de Assad. Mas também vimos como pode ser o governo dos islâmicos linha-dura no Afeganistão e em outros lugares, e temo ataques de vingança na Síria. Então, dois vivas pela derrubada de Assad, mas fiquemos atentos ao que vem a seguir. Uma lição difícil que aprendi cobrindo as notícias do mundo: às vezes, o que se segue a um regime terrível é tão ruim quanto esse regime, ou até pior./ TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL

Opinião por Nicholas Kristof
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