Quem vai ganhar? Kamala Harris e Donald Trump decidem eleição nos EUA marcada por reviravoltas

Campanha que foi marcada por trocas de candidato e tentativas de assassinato chega ao final em disputa polarizada

PUBLICIDADE

Foto do author Luiz Raatz

ENVIADO ESPECIAL A WASHINGTON - Milhões de americanos vão às urnas nesta terça-feira, 5, para eleger o 47º presidente do país, em uma eleição marcada por reviravoltas e por um grau de polarização tão alto que é praticamente impossível definir um favorito. De um lado, a vice-presidente americana, a democrata Kamala Harris, tenta se tornar a primeira mulher a chegar à Casa Branca. Do outro, o republicano Donald Trump busca ser o primeiro presidente a retornar ao cargo após perder a reeleição desde Groover Cleveland, em 1893.

PUBLICIDADE

Tanto as pesquisas eleitorais nos Estados que decidirão a eleição no colégio eleitoral quanto os levantamentos sobre a preferência nacional estão empatados dentro da margem de erro, assim como os modelos estatísticos dos principais veículos de imprensa dos Estados Unidos.

São necessários 270 votos para vencer a eleição no colégio eleitoral. Contando os 43 Estados em que a disputa tem um favorito claro, seja ele republicano ou democrata, o placar é de 226 a 219 para Kamala Harris. Estão em jogo Pensilvânia, Michigan, Wisconsin, Carolina do Norte, Geórgia, Arizona e Nevada, com 93 delegados em disputa (Veja mais detalhes no mapa abaixo)

Segundo a média de pesquisas do NYT, Trump lidera dentro da margem de erro no Arizona, Geórgia, e Carolina do Norte. O mesmo ocorre com Kamala em Michigan e Wisconsin. A Pensilvânia e Nevada estão rigorosamente empatados.

Surpresas e reviravoltas na campanha

Não foram poucas as surpresas neste ciclo eleitoral. Do lado democrata, o presidente Joe Biden desistiu da reeleição em julho, após um péssimo debate contra Trump na Geórgia. No primeiro duelo da campanha, as gafes e uma aparente falta de agilidade mental de Biden ampliaram a preocupação do partido com a aptidão do presidente de 81 anos para seguir por mais quatro anos no cargo. Após semanas de pressão resultados ruins nas pesquisas, ele desistiu e indicou Kamala para substituí-lo.

Já Trump teve um ano ainda mais atribulado. O ex-presidente, que até hoje não reconhece a derrota para Biden em 2020, teve inúmeros problemas com a lei e foi alvo de duas tentativas de assassinato ao longo da campanha. O republicano foi condenado a pagar uma indenização de US$ 5 milhões (R$ 30 milhões) à escritora E. Jean Carrol, que o acusou de estupro em um processo civil. Em paralelo, Trump também foi condenado por fraude, depois de ter falsificado registros fiscais para esconder do público durante a eleição de 2016 um caso com a atriz pornô Stormy Daniels.

Os problemas de Trump com a lei seriam ainda maiores se a Suprema Corte americana, de maioria conservadora, não tivesse decidido que ele tem direito a imunidade contra casos criminais por atos executados durante a presidência, o que na prática atrasou o andamento de outras acusações contra ele, como no caso dos roubos de documentos secretos da presidência e na tentativa de alterar o resultado da eleição de 2020.

Publicidade

Em julho, Trump escapou por pouco de um ataque a tiros em Butler, Pensilvânia, quando o atirador Thomas Matthew Cook disparou de um telhado próximo a um comício do candidato. Trump foi atingido de raspão na orelha e Cook foi morto no local pelo Serviço Secreto. Uma segunda tentativa de assassinato foi impedida pela polícia na Flórida em setembro e o suspeito, Ryan Routh, foi preso e indiciado.

Com a desistência de Biden, Kamala Harris assumiu o bastão democrata, com o desafio de estruturar uma campanha em cima da hora, a poucas semanas da convenção. A troca deu um impulso à chapa democrata, e os números do partido nas pesquisas melhoraram a partir de agosto, com a disputa se tornando competitiva novamente após as projeções darem como certa uma derrota de Biden.

Uma herança indigesta na economia

A aposta inicial da vice-presidente foi centrar sua mensagem nos temas de mudança e alegria e na diferença geracional entre ela e Trump. A pesada herança de Biden, sobretudo no campo econômico, no entanto, a impediu de abrir uma vantagem mais confortável contra o rival.

Não é que a economia americana esteja ruim. Muito pelo contrário. O desemprego tem caído de forma consistente desde o início do governo Biden. Com o auxílio dos pacotes de estímulo, a economia voltou a crescer. Mas essa melhora não é sentida pelos americanos por dois motivos.

CONTiNUA APÓS PUBLICIDADE

Os EUA tiveram no pós-pandemia a pior inflação desde o fim dos anos 70, com a alta de preços chegando a 8,3% em 2022. Desde então, a inflação se estabilizou sobretudo neste ano. O problema é que a renda real e o poder de compra dos americanos não cresceram num volume que desse à população a sensação de que as coisas estão baratas como estavam em 2019.

Se essa questão conjuntural joga contra a candidatura de Kamala, outra, estrutural, pode também provocar ainda mais danos. Nos Estados industriais da região dos Grandes Lagos, a criação de empregos no setor vem sendo acompanhada desde o fim da Guerra Fria de um fenômeno chamado por economistas de polarização dos salários.

Isso quer dizer o seguinte: depois da globalização e da automação da economia, as vagas criadas na indústria americana atualmente ou pagam pouco ou pagam muito. Os salários de valor intermediário, que durante a era de ouro do capitalismo nos EUA possibilitou à classe média comprar uma casa, carro e pagar pela educação dos filhos, estão cada vez mais escassos.

Publicidade

Isso é facilmente verificável em Estados como a Pensilvânia, Ohio, Michigan, Indiana e Wisconsin, que formam o chamado Cinturão da Ferrugem. Diante desse fenômeno, a base democrata nessa região, composta tradicionalmente por trabalhadores sem formação universitária, está diminuindo.

A receita populista de Trump

Muitos desses eleitores se voltaram para o Partido Republicano, sobretudo desde que Trump entrou para o cenário político americano, em 2015. A partir de sua primeira campanha presidencial, o magnata e apresentador de reality shows recorreu à velha receita populista de eleger um inimigo para jogar a culpa pelas mudanças econômicas que impactam a sociedade.

Em 2016, assim como neste ano, esse inimigo são os imigrantes. Trump fez da economia e da imigração as peças centrais de sua campanha para voltar ao poder. Se na economia, as pessoas têm a sensação de que estavam melhor sob Trump em razão dessa defasagem do poder de compra dos salários, na questão migratória, há uma insatisfação decorrente da política de Biden de flexibilizar a concessão de asilos na fronteira sul, que levou à entrada de 8 milhões migrantes ilegais nos EUA desde 2021.

Muitos desses imigrantes ocupam vagas de baixa remuneração que não interessam à maioria dos trabalhadores americanos. Mas entre os mais pobres, muitos deles negros e latinos, outra base de apoio do partido democrata, a concorrência por empregos ficou maior. Para piorar, a oferta abundante de mão de obra ajuda a jogar os salários para baixo.

No campo da economia, Trump tem a seu favor a memória de prosperidade em 2019. Mas as poucas propostas que ele traz para solucionar as inseguranças dos americanos com os rumos do país são controvertidas.

No tema da imigração ilegal, a promessa de Trump é deportar 11 milhões de imigrantes ilegais e construir campos de detenção para processar todas essas deportações em tempo hábil. Especialistas têm dúvidas sobre a viabilidade desse plano. Aliados de Trump já disseram à imprensa americana que, apesar da retórica do candidato, não há um plano concreto elaborado pela campanha, e o foco seria deportar criminosos e ameaças à segurança nacional.

A deportação de todas essas pessoas teria um impacto pesado sobre a economia americana. Como muitos imigrantes ilegais trabalham em setores dinâmicos como agricultura, turismo e gastronomia, o impacto seria equivalente a 5,8% do PIB americano.

Publicidade

Disputa entre Kamala Harris e Trump definirá o novo presidente dos EUA Foto: AP / AP

Protecionismo e isolacionismo

Diferentemente dos republicanos tradicionais que advogam pelo livre comércio, como Ronald Reagan ou a família Bush, Trump é um entusiasta do protecionismo. Para ele, uma economia forte é uma economia que exporta mais do que importa. Para isso, ele pretende subir as tarifas impostas a produtos vindos de qualquer país do exterior em 10%. N caso de produtos vindos da China, a tarifa seria de 60%. E com automóveis produzidos no México, de até 200%.

A ideia de Trump é tornar as importações caras ao ponto que compense mais para que importa produzir nos Estados Unidos. Em outras, palavras, a velha substituição de importações.

Trump diz que o dinheiro arrecadado pelo fisco com as tarifas serviria para compensar os cortes de impostos que ele pretende dar para empresas e americanos mais ricos, para tornar o investimento na economia maior, e, com isso, gerar mais emprego e renda.

O problema é que , segundo economistas, é quase certo que essas tarifas serão repassadas ao consumidor americano no preço final dos produtos importados, já que é muito difícil um plano de substituição de importações em larga escala seja implementado, dada a complexidade das cadeias de produção atuais. Isso pode voltar a aumentar a inflação no país.

Kamala e uma campanha sem foco

Já Kamala Harris tenta se distanciar do legado de Biden com um plano econômico que também provoca dúvidas entre eleitores e economistas. A proposta mais controvertida da candidata é aprovar uma lei que pune empresas que manipularem preços

Ela também oferece cortes de impostos para a classe média que possam baratear o acesso à creches e à compra da casa própria. Isso seria pago com a retomada de impostos mais altos aplicados na porção mais rica da população e em pessoas jurídicas, depois que o corte fiscal aprovado por Trump em 2017 expirar.

Os custos dos planos de Kamala acrescentariam à dívida pública americana um prejuízo de US$ 4 trilhões em dez anos. Os de Trump, US$ 7,8 trilhões.

Publicidade

A vice-presidente deu início à campanha tentando se apresentar como uma alternativa a Trump, tanto pela juventude — ela tem 60 anos e Trump, 78 — quanto no discurso. A alegria foi o tema da democrata nos dois primeiros meses da sua campanha, para tentar se desmarcar da retórica agressiva do ex-presidente.

Apesar da recuperação dos democratas nas pesquisas, o discurso otimista levou Kamala até um certo ponto, apenas. A polarização política nos EUA é tão forte que as posições parecem extremamente solidificadas, o que torna muito difícil um candidato tirar votos do outro.

Retórica agressiva na reta final

Nas últimas duas semanas de campanha, a vice-presidente enveredou por outro caminho na sua mensagem ao eleitor e passou a atacar Trump e descrevê-lo como uma ameaça à democracia. Em uma entrevista, ela chegou a chamá-lo de fascista.

O candidato republicano também tem prometido usar a estrutura do governo americano para perseguir e prender seus críticos, tanto dentro do Partido Republicano como entre os democratas.

Desde 2022, quando se apresentou como candidato, Trump tem dito que vai nomear um procurador-geral que investigue Biden, Kamala e outros rivais, como a deputada republicana Liz Cheney, afetando o sistema de freios e contrapesos que garante o funcionamento homogêneo da democracia americana.

Diante dos ataques de Kamala, Trump também ampliou a retórica agressiva na reta final da campanha. Um comício em NY foi marcado por ataques de seus aliados a imigrantes e outras minorias. Ele também disse que Cheney merecia tomar um tiro de fuzil por suas posições de política externa e chegou a afirmar que, se for eleito, protegerá as mulheres americanas “quer elas queiram ou não”.

As declarações provocaram preocupações dentro da campanha republicana e um tímido otimismo entre os democratas, já que nesta reta final a atenção do eleitor indeciso em relação à eleição aumenta, e qualquer erro pode ser fatal.

Publicidade

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.