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Radicais palestinos na Cisjordânia tentam copiar as táticas do Hamas contra Israel em Gaza

Nas cidades de Tulkarm e Jenin, militantes armados aderem a facções mais linha-dura enquanto os militares israelenses tentam controlá-los

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Por Steven Erlanger (The New York Times)

JENIN, CISJORDÂNIA - As vielas ficam sob uma semiescuridão permanente, cobertas por lonas pretas de nylon para esconder os combatentes palestinos dos drones israelenses sobre suas cabeças. Bandeiras verdes do Hamas e cartazes em homenagem aos “mártires” estão pendurados nos edifícios, muitos deles danificados severamente por operações terrestres e aéreas de Israel com objetivo de tentar conter a crescente militância na Cisjordânia, alimentada pela guerra em Gaza.

Não estamos falando de Gaza nem algum outro reduto tradicional do Hamas. Estamos no campo de refugiados de Tulkarm, uma cidade na Cisjordânia ocupada por Israel, onde a facção palestina relativamente moderada Fatah manteve o controle por muito tempo.

Combatentes palestinos no campo de refugiados de Tulkarm, na Cisjordânia ocupada. Foto: Sergey Ponomarev/The New York Times

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Ali, em um desses becos poeirentos e despedaçados, vive um dos comandantes desses jovens militantes, Muhammad Jaber, de 25 anos. Um dos homens mais procurados por Israel, Jaber disse — assim como outros combatentes como ele — que deixou o Fatah, que domina a Cisjordânia ocupada, e passou a apoiar grupos mais radicais, como o Hamas e a Jihad Islâmica na Palestina, desde o ataque contra Israel liderado pelo Hamas em 7 de outubro.

Questionado sobre qual lição depreendeu da guerra em Gaza, Jaber parou um momento para pensar. “Paciência”, afirmou ele. “E força. E coragem.”

Incubadora de radicalismo

Campos de refugiados no norte da Cisjordânia, como este em Tulkarm, são incubadores do radicalismo palestino há anos, muito antes da guerra em Gaza, em consequência da ampliação de assentamentos judaicos e do fracasso do processo de paz. Depois do 7 de Outubro, o Hamas instou os palestinos a juntar-se à sua insurreição contra Israel, um chamado que parece ter sido atendido por alguns moradores dessas localidades.

Militantes como Jaber querem expulsar os israelenses da Cisjordânia, que Israel ocupou após a guerra de 1967, e alguns grupos, como o Hamas, querem os israelenses totalmente fora da região.

Destruição em prédio das Nações Unidas no campo de refugiados de Nur Shams após ataque israelense na Cisjordânia ocupada.  Foto: Sergey Ponomarev/The New York Times

Mais armas e explosivos estão sendo fabricados na Cisjordânia, de acordo com os próprios combatentes palestinos e autoridades militares israelenses. A Autoridade Palestina, dominada pelo Fatah, que controla partes da Cisjordânia, está perdendo terreno para facções palestinas mais radicais, que combatem Israel ativamente e têm obtido mais apoio do Irã tanto em dinheiro quanto em armas contrabandeadas para o território.

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O Fatah reconhece o direito de existir de Israel e coopera com o Exército israelense. Mas alguns dos militantes filiados ao Fatah que integram as Brigadas dos Mártires de Al-Aqsa — crucial para a Segunda Intifada, no início dos anos 2000 — nunca respeitaram a Autoridade Palestina e suas concessões na relação com Israel e a ocupação. Alguns, como Jaber, simplesmente declararam nova fidelidade a facções islâmicas da linha-dura.

Crescimento do terrorismo

Jaber, conhecido comumente por seu nome de guerra, Abu Shujaa, que significa Pai dos Corajosos, comanda um ramo local da Jihad Islâmica, que domina o campo de Tulkarm. E também lidera um coletivo que reúne todas as facções militantes presentes na área, incluindo das Brigadas dos Mártires de Al-Aqsa, conhecido como Khatiba. Ele disse que deixou o Fatah porque a Jihad Islâmica e o Hamas assumiram a luta contra Israel para pôr fim à ocupação e criar a Palestina pela força das armas.

Jaber ficou famoso há alguns meses, quando os militares israelenses anunciaram que o tinham matado durante uma operação no campo de Tulkarm. Três dias depois, ele apareceu vivo no funeral de outros palestinos mortos durante a mesma operação e foi recebido com gritos de júbilo dos moradores do campo de refugiados.

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Quando nos encontramos, em uma viela com o pavimento destroçado por tratores israelenses, logo entramos em uma loja para evitar ser detectados pelos drones. Magro a barbado, usando uma camiseta Hugo Boss e carregando uma pistola Sig Sauer na cintura, Jaber estava acompanhado de seis guarda-costas — alguns armados com fuzis M16 e M4 equipados com mira óptica.

O dia estava escaldante, a poeira impregnava o ambiente, cobrindo as folhas das poucas árvores. Esta área tem sido pesadamente danificada por ataques de drones israelenses e tratores blindados, que têm destroçado quilômetros de vias pavimentadas.

Tendas usadas para esconder combatentes palestinos dos drones israelenses.  Foto: Sergey Ponomarev/The New York Times

O ambiente era sufocante e inquietante, enquanto batedores e guarda-costas buscavam soldados israelenses disfarçados, que às vezes aparecem vestidos como trabalhadores da municipalidade, coletores de lixo ou vendedores ambulantes empurrando carroças de frutas e verduras.

Quando o Exército israelense realiza incursões em Tulkarm ou Jenin, afirmam os moradores, as forças de segurança da Autoridade Palestina ficam em suas bases no centro das cidades e não resistem.

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Apesar de insistir que não está em guerra com a Autoridade Palestina, Jaber condenou aqueles “que têm armas e ficam diante de Israel sem fazer nada”.

“A libertação das nossas terras é a nossa religião”, afirmou ele. “Este conflito não é meu, é do povo; é uma guerra por terra, liberdade e dignidade.”

No domingo, um ataque de drone israelense contra uma casa no campo de refugiados matou um parente dele, Saeed Jaber, de 25 anos, um militante procurado que tinha deixado o Fatah e se filiado à Jihad Islâmica.

Abu al-Rub, o governador, não nega que as forças de segurança da Autoridade Palestina não atuam nos campos de refugiados, mas culpa Israel. “Se os israelenses não vêm, não há problemas”, afirmou ele. “Os israelenses trabalham constantemente para criar divisões entre nós, porque se eles matam as pessoas, podem tomar a terra.” É Israel, afirmou ele, “que provoca o caos, que entra em nossos campos de refugiados sem nenhum motivo, matando nossos jovens, para enfraquecer a AP e fazer as pessoas perderem o respeito por seu governo”.

Cartazes de combatentes palestinos perto de túmulos em campo de refugiados de Jenin.  Foto: Sergey Ponomarev/The New York Times

Da prisão para o Hamas

Nas vielas de outro empobrecido campo de refugiados em Tulkarm apareceu um jovem vestido na moda, de preto, ostentando logotipos North Face e Under Armour. O rapaz, de 18 anos, afirmou que foi ferido várias vezes e se identificaria apenas como Qutaybah, seu nome de guerra, em honra a um general árabe que viveu mais de mil anos atrás. O jovem é do Hamas, que domina o campo onde ele vive.

Qutaybah tem uma longa cicatriz em seu braço esquerdo, outra no abdome, e usava um tapa-olho sobre a vista esquerda, que ele disse ter perdido em um ataque de drone, em 19 de dezembro. Ele afirmou que sofreu os ferimentos anteriores em maio de 2023, quando soldados israelenses trajando uniforme de funcionários da municipalidade entraram em seu campo de refugiados.

Ele disse que ficou gravemente ferido naquele ataque, no qual outros dois palestinos foram mortos. Parentes dele corroboraram o relato posteriormente, que não pôde ser confirmado diretamente com autoridades israelenses.

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Qutaybah carregava um fuzil M16 com mira ótica, uma das duas armas que ele disse ter roubado durante um ataque em maio contra Bat Hefer, um vilarejo israelense que faz fronteira com a Cisjordânia. O ataque chocou muitos israelenses e pareceu ter diminuído a segurança em uma parte calma de Israel, prenunciando movimentos militares para combater os militantes palestinos.

A Palestinian fighter who identified himself as Qutaybah and who said he lost his left eye in an Israeli drone strike, on patrol in the Tulkarm refugee camp, in the West Bank, June 14, 2024. In the towns of Tulkarm and Jenin, armed militants are flocking to more hard-line factions, such as Hamas and Islamic Jihad, while the Israeli military tries to rein them in. (Sergey Ponomarev/The New York Times) Foto: Sergey Ponomarev/NYT

“Ninguém chega dizendo para nos juntarmos à resistência”, afirmou Qutaybah. “O que nos resta por aqui, de qualquer modo? Nós vivemos numa prisão.” O jovem acrescentou que ele e seus amigos aprenderam uma lição com Gaza.

“Nós vemos os israelenses matando nossas mulheres e crianças inocentes. Eles planejam fazer um genocídio aqui na sequência”, afirmou ele. Gaza pelo menos “encorajará mais gente na Cisjordânia a resistir”.

Qutaybah esfregou seu tênis preto no pavimento do beco. “Tem uma bomba aqui debaixo”, afirmou ele. “Para quando os israelenses vierem.”

Os guarda-costas e combatentes postados nas entradas do campo de refugiados trabalham em turnos. Eles carregam walkie-talkies para alertar sobre as incursões de Israel e qualquer estranho que se arrisque a entrar.

A maioria desses combatentes, como Hassan, de 35 anos, já esteve preso em penitenciárias israelenses. Hassan tem três filhas mas não quis falar delas, nem de seu futuro, nem dizer o nome de sua família. Ele falou apenas de sua missão.

“Todas as entradas são bloqueadas e vigiadas”, afirmou ele. “Os israelenses podem vir a qualquer momento.”

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Falta de perspectiva

Na mesma viela estava Ayham Sroudji, de 15 anos, nascido no campo de refugiados. Ele não é filiado a nenhum grupo militante e afirma que vai bem na escola, quando as aulas não são canceladas por causa da violência.

Ele gostaria de se tornar professor e ajudar as pessoas lecionando? “Virar professor?”, respondeu ele. “Aqui não existe essa opção. A única coisa que vi na minha vida foi os israelenses invadindo meu campo.”

Questionado a respeito de seus sonhos, ele disse: “Eu quero ver o mar. Nunca fui à praia na minha vida.”

Palestino cobre muro destruído por ataque israelense no campo de refugiados de Jenin. Foto: Sergey Ponomarev/The New York Times

Ao lado dele estava Ahmed, de 17 anos, armado com um fuzil M4. “Não há quem não queira ver o mar. Eles tomaram a praia de nós”, disse ele.

“Meu sonho é ver Jerusalém libertada”, acrescentou Ayham. “Os israelenses estão vivendo aqui e se aproveitando da nossa terra. Nós queremos expulsá-los da terra que eles roubaram.” Então ele apontou para o entorno — para a poeira, os escombros, as armas. “Olhe o que nós vemos todos os dias”, afirmou ele. “Não temos nem uma calçada. Às vezes eu sonho com um pavimento liso e uma calçada.” / TRADUÇÃO DE GUILHERME RUSSO

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