Ratos, pombos e desespero: como a greve dos garis tira parisienses do sério

Trabalhadores travam uma greve contra reforma da previdência de Macron e capital francesa fica sem coleta urbana

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Por Redação
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Paris está suja. Quem caminha por suas ruas precisa tomar cuidado para não esbarrar nos sacos de lixo amontoados pelas calçadas. Ratos e pombos comem restos de comida espalhados pelo chão. Um cheiro desagradável persiste no ar da capital francesa, enquanto seus trabalhadores travam uma greve contra a reforma da previdência proposta pelo presidente Emmanuel Macron.

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A Cidade do Amor se tornou a Cidade do Lixo desde que seus garis aderiram às greves e cruzaram os braços há uma semana. Segundo a administração parisiense, cerca de sete toneladas de lixo se acumulam por suas calçadas sem ninguém para recolhê-los. Se Paris já foi definida como uma festa, agora é “uma gigantesca lata de lixo a céu aberto”, nas palavras do ministro de Transportes da França, Clement Beaune.

A situação deve piorar ainda mais nesta semana, quando o Parlamento debate e vota a proposta do governo de aumentar a idade legal da aposentadoria de 62 para 64 anos. O governo Macron defende que a reforma é necessária para manter o equilíbrio da previdência social do país, mas os trabalhadores argumentam que são os mais penalizados, enquanto alternativas – como o aumento dos impostos sobre empresas – são deixadas de lado.

Homem passa por montanha de lixo em rua de Paris, em imagem da segunda-feira, 13. Garis da cidade entraram em greve contra reforma previdenciária de Macron Foto: Lewis Joly/Associated Press

De acordo com a proposta, os garis, considerados uma categoria especial por insalubridade, terão a idade de aposentadoria aumentada de 57 para 59 anos. Os sindicatos consideram o aumento inaceitável por causa da natureza do trabalho, que exige dos funcionários da coleta pública o transporte de cargas pesadas, exposição a material tóxico e trabalhos em horários irregulares, causando problemas de saúde de forma mais frequente do que em outras categorias.

A greve foi deflagrada há uma semana para pressionar o governo a recuar e segue pelo menos até a próxima segunda-feira, 20. Internamente, ela provocou uma disputa entre os ministros de Macron para decidir qual a melhor resposta, cada vez mais exigida pelos parisienses. Cerca de metade dos bairros da capital francesa – incluindo alguns dos mais ricos – é coberta pelo serviço municipal.

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O serviço privado é responsável pela cobertura da outra metade e continua funcionando, mas o lixo recolhido não tem para onde ir por causa dos bloqueios de grevistas nas fábricas de incineração nos arredores de Paris. O mau cheiro se intensifica a cada dia que passa e os ratos são atraídos para as ruas à luz do dia.

Problemas de saúde pública

Os ratos são um problema em Paris mesmo quando o lixo é recolhido regularmente. Em julho, a Academia Nacional de Medicina da França afirmou que a capital tem de 1,5 a 1,75 para cada habitante, sendo uma das 10 cidades mais infestadas do mundo.

Se a estimativa estiver correta, Paris, com 2,1 milhões de habitantes, possui entre 3,1 milhões e 3,6 milhões de roedores, capazes de transmitir doenças aos humanos através de excrementos, mordidas ou arranhões.

Em entrevista ao canal France 2, Clement Beaune chamou a greve dos trabalhadores de uma “questão de saúde pública e saneamento” devido ao aumento do risco de doenças. A preocupação também cresce no setor de turismo, em um momento em que Paris se prepara para sediar os Jogos Olímpicos de 2024. Nas redes sociais, os parisienses fazem piadas e espalham memes dizendo que o rato é o novo mascote olímpico da competição no ano que vem.

O governo disse que ordenou a polícia de Paris a usar a força para acabar com a greve e obrigar funcionários dos serviços essenciais a voltar ao trabalho. Entretanto, a medida foi rejeitada pela prefeita de Paris e filiada ao Partido Socialista, Anne Hidalgo.

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Hidalgo é da oposição de Macron e apoia a greve. O vice-prefeito da cidade, Emmanuel Gregoire, disse que a prefeitura contratou empresas privadas para manter o espaço das calçadas limpo para que o lixo não se torne um problema de saúde pública e culpou o governo de Macron pela situação ao não dialogar com sindicatos sobre a reforma. “Ninguém está feliz com esta situação”, disse Gregoire.

Histórico de rejeição

Esta é a segunda vez que o governo de Emmanuel Macron enfrenta resistência dos trabalhadores do país pelo projeto de reforma da previdência. Reeleito para um segundo mandato no ano passado, o presidente tentou realizar as mudanças em 2019, mas recuou após protestos, greves e o início da pandemia de covid-19. Desta vez, no entanto, ele aposta na reforma como o legado político da sua presidência.

A proposta atual estabelece que a idade legal para aposentadoria aumente gradualmente de 62 para 64 anos. A cada ano, a idade mínima seria aumentada em três meses, até completar os dois anos a mais. As exceções são as categorias especiais, incluindo coletores de lixo, devido à insalubridade.

Pedestres caminham ao lado de pilhas de lixo em Paris, em imagem desta quarta-feira, 15. Falta de coleta aumentou número de ratos e causa odor desagradável nas ruas da capital francesa Foto: Christophe Archambault/AFP

Macron defende que a reforma é necessária para manter o sistema financeiramente viável à medida que a expectativa de vida aumenta e o número de aposentados cresce cada vez mais. A oposição afirma que o presidente desconhece a realidade dos trabalhadores e que os operários sofrem mais com as mudanças.

Greves por causa desse problema interromperam os serviços de transporte público às usinas de energia por semanas.

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A proposta foi aprovada no Senado no dia 11 deste mês, mas a Assembleia Nacional não conseguiu aprová-la dentro do prazo. Agora, ela será analisada por uma comissão formada por parlamentares das duas casas parlamentares, com o objetivo de encontrar consensos para apresentar ao Parlamento um texto que consiga reunir o apoio suficiente para ser votado e aprovado. A comissão iniciou os trabalhos nesta quarta-feira e a votação está prevista para esta quinta.

Caixas de lixos na entrada do Palácio do Eliseu, em Paris, em imagem da segunda-feira, 13. Resistência do governo em mudar proposta prolonga crise  Foto: Michel Euler/Associated Press

Se as câmaras não chegarem a um acordo, o governo de Macron tem a opção, de acordo com a Constituição da França, de forçar a reforma sem votação através de um decreto. Essa medida é vista como impopular e o governo disse querer evitá-la.

Até o momento, o conflito entre o governo e os sindicatos parece destinado a continuar. Enquanto isso, Paris continua suja, os ratos e os pombos continuam espalhados e as montanhas de lixo dividem a atenção da rua com a Torre Eiffel. Paris já não é uma festa. /TRADUÇÃO POR LUIZ HENRIQUE GOMES

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