BRASÍLIA - O ministro das Relações Exteriores, Mauro Vieira, afirmou nesta quinta-feira, dia 14, que a reação das Forças de Defesa de Israel (FDI) na Faixa de Gaza tem como alvo “todo o povo palestino” e não somente integrantes do grupo terrorista Hamas, autor do ataque que deixou cerca de 1,2 mil mortos em território israelense, em 7 de outubro do ano passado.
“É preciso condenar e repudiar a atrocidade do ataque terrorista sofrido no dia 7 de outubro. Sim, Israel tem o direito de defender sua população, mas isso tem de ser feito dentro de regras do direito internacional. A cada dia que passa resta claro que a reação de Israel ao ataque sofrido tem sido extremamente desproporcional e não tem como alvo somente os responsáveis pelos ataques, mas todo o povo palestino”, afirmou o chanceler.
O ministro reiterou posição externada antes pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que acusou Israel de promover “punição coletiva” aos palestinos em Gaza e de transformar o direito de defesa em “direito de vingança”.
Em audiência no Senado, o chanceler disse que o governo de Israel “viola o direito internacional” ao bloquear o ingresso de ajuda humanitária em Gaza. Ele tentou explicar a analogia feita pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva entre o Holocausto, o extermínio de 6 milhões de judeus pelo regime nazista de Adolf Hitler, e a campanha da FDI em curso. A declaração de Lula sofreu críticas dentro de fora do País e abriu uma crise diplomática entre Brasil e Israel.
Segundo Vieira, Lula fez a comparação num contexto de “profunda indignação” por causa das mortes em Gaza. “São palavras que expressam a sinceridade de quem busca preservar e valorizar o valor supremo que é a vida humana”, disse o ministro, em defesa de Lula.
O presidente se recusou a pedir desculpas e passou a ser considerado persona non grata em Israel, o que foi anunciado pelo chanceler Israel Katz, em hebraico, durante visita do embaixador brasileiro acreditado no país ao memorial do Holocausto.
“Lamento de que chancelaria israelense tenha se dirigido de forma desrespeitosa a um chefe de Estado de país amigo, o presidente Lula. Reputo igualmente lamentável o tratamento indecoroso e descabido dado ao embaixador do Brasil em Israel, Frederico Meyer”, disse Viera, a respeito do diplomata que foi convocado por tempo indeterminado de volta a Brasília. “São páginas que desabonam a prática diplomática internacional”.
O ministro disse que o Brasil vai reagir dentro das práticas diplomáticas. O governo tem procurado evitar nova escalada de embates com os representantes do premiê Benjamin Netanyahu. “Estou seguro que as relações entre Brasil e Israel e nossa amizade com o povo israelense sobreviverão ao comportamento do atual governo de Israel”, afirmou Vieira.
O chanceler disse que a planejada operação militar terrestre israelense em Rafah, cidade na fronteira com Egito e Israel que concentra cerca de 1,4 milhão de refugiados - inclusive brasileiros - causa “espanto e consternação” no governo e na comunidade internacional.
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O ministro citou os dados difundidos pelas Nações Unidas sobre vítimas em Gaza: são cerca de 32 mil, sendo 70% delas mulheres e crianças. Os dados vêm do Ministério da Saúde em Gaza, controlado pelo Hamas, e não podem checados independentemente.
Vieira acusou ainda Israel de desrespeitar as medidas cautelares impostas pela Corte Internacional de Justiça, que em janeiro ordenou que se evitassem atos que pudessem ser enquadrados como crime de genocídio. O tribunal da ONU se manifestou de forma preliminar em processo movido pela África do Sul, endossado politicamente pelo Brasil a mando de Lula e a pedido da diplomacia palestina.
O presidente já disse reiteradas vezes que o governo israelense promove um “verdadeiro genocídio” em Gaza. A caracterização do delito é controversa, e Israel afirma que jamais teve a “intenção” de acabar com o povo palestino, o que seria uma condição jurídica para a condenação.
Vieira afirmou que as medidas determinadas pela CIJ “são de implementação imediata e obrigatória, porém não há até o momento registro de alteração da condução das operações militares levadas a cabo na Faixa de Gaza”.
O chanceler manifestou preocupação com declarações recorrentes “de altas autoridades israelenses” a respeito da ocupação de Gaza, do deslocamento forçado de palestinos e de que não aceitarão a constituição do Estado da Palestina. A coexistência dos dois Estados ganhou impulso na comunidade internacional e no G-20, mas Israel rejeita aceitar agora.
O ministro disse que o Brasil condena sistematicamente a expansão dos assentamentos israelenses na Cisjordânia, que considera ilegais, e manifestou preocupação com a crescente violência de colonos contra palestinos.
Conforme o chefe do Itamaraty, cerca de 15 mil toneladas de ajuda humanitária - mais de metade alimentos - aguardam aval de Israel para ingresso em território palestino.
O ministro foi questionado sobre o bloqueio de parte dos equipamentos e suprimentos enviados pelo Brasil a Gaza e disse que ao menos 30 de 190 purificadores de água terminaram barrados durante a inspeção. Segundo o embaixador, o País não recebeu justificativa oficial, mas apenas indicações informais de que a razão seriam os equipamentos fotovoltaicos para geração de energia solar, que fazem parte dos kits dos purificadores de água.
A maior parte dos suprimentos conseguiu chegar, conforme a instituição destinatária, o Crescente Vermelho do Egito.
“Sem sombra de dúvida o bloqueio de ajuda humanitária no contexto de atual de fome e falta de insumos médicos em Gaza consiste numa violação do direito internacional”, acusou Vieira.
“Na semana retrasada assistimos a um massacre de mais de 100 palestinos mortos esperando na fila por comida enviada por assistência humanitária e apesar disso governo do primeiro-ministro de Israel continua dificultando sistematicamente a entrada de caminhões com ajuda humanitária nas fronteiras com Gaza”, criticou o ministro.
Vieira afirmou que o governo brasileiro “não está sozinho” em suas posições e considera “inadmissível” a catástrofe em Gaza. Ele citou declarações similares de autoridades dos EUA, maior apoiador de Israel, e afirmou que é hora de o Conselho de Segurança da ONU agir em favor de um cessar-fogo de seis semanas.
Venezuela
O chanceler adotou a escusa da não intervenção em assuntos internos de outros países, ao responder sobre a crise política na Venezuela. Vieira foi questionado pelos senadores sobre o agendamento de eleições, para 28 de julho, pelo governo do ditador Nicolás Maduro, e sobre a relação política próxima do presidente Lula com ele e outros líderes autoritários.
“Não podemos fazer outra coisa senão o diálogo”, disse o ministro. “Nossa posição é continuar o diálogo”. O ministro afirmou ter considerado “fundamental” e “importantíssimo” a convocação das eleições presidenciais, que segundo ele foi fruto de diálogo de bastidores e pressão inclusive do governo brasileiro. O ministro disse que esses contatos e cobranças continuam, mas que precisam ser feitos em sigilo, pela prática diplomática.
Segundo Vieira, o País não pode intervir na legislação interna venezuelana, que não prevê uma data fixa para o pleito nacional como no Brasil, mas um prazo para que sejam convocadas pelo Executivo. Portanto, disse ele, o regime chavista teria atendido ao critério.
Depois de ajudar na reabilitação internacional de Maduro, Lula disse ter ficado feliz com a convocação fora do calendário de praxe, mas dentro do previsto por um acordo com a oposição assinado em 2023, em Barbados, mas que vem sendo desrespeitado parcialmente pelo governo. O regime chavista inabilitou os principais nomes da oposição - entre eles a vencedora das primárias María Corina Machado - e prendeu lideranças da campanha eleitoral da direita, além de ter expulsado funcionários do escritório de direitos humanos da ONU, cassado o sinal de uma TV alemã por conteúdo crítico ao governo e de ter detido a ativista Rocío San Miguel. Mesmo assim, o presidente Lula disse que era necessário aguardar se as eleições serão mesmo livres e justas, e que é necessário dar “presunção de inocência” a Maduro e seus aliados no poder. Ele sugeriu que a oposição deveria escolher outro candidato, “em vez de ficar chorando”.
“Nos preocupamos muito e queremos apoiar para que haja eleições justas, transparentes, abertas e aceitas por todos”, disse o chanceler, que também citou o caso de Corina e San Miguel. “O governo tomou conhecimento, informamos ao presidente. Nós não podemos e não devemos interferir internamente em nenhum país como nunca fizemos, não dizemos, não ensinamos a ninguém o que deve fazer. Esperamos que possa haver um entendimento também e para isso participamos em todas as iniciativas de diálogo e continuamos apoiando o acordo de Barbados. O importante é manter interlocução para buscar soluções aceitáveis.”
Itaipu
O ministro disse aos senadores que os governos do Brasil e do Paraguai ainda não começaram na prática a discutir as novas regras de compra e venda da energia gerada pela usina hidrelétrica de Itaipu Binacional. A revisão do chamado Anexo C, que estabelece os parâmetros, está prevista desde o ano passado, quando quitou-se o valor de construção da usina, dentro do prazo previsto. O governo criou um comitê para avaliar a revisão. Segundo o ministro, os governos se concentram agora na discussão da tarifa de energia praticada anualmente. O valor é sempre acordado a cada ano. O Brasil quer manter o valor mais baixo praticado desde o ano passado, cerca de US$ 16, ou reduzir, enquanto o Paraguai exige elevar. Assunção chegou a bloquear o orçamento da empresa temporariamente, como forma de pressionar Brasília a aceitar um valor próximo dos US$ 20.
Vieira afirmou que o foco deve ser a sustentabilidade da produção de energia pela empresa e o barateamento do custo aos consumidores brasileiros e paraguaios.
G-7 na Itália
O ministro informou que o presidente foi convidado pelos países do G-7 a participar da reunião de cúpula do bloco em Puglia, na Itália, entre 15 e 17 de julho. Ele não confirmou se o presidente aceitou o convite. Lula vem comparecendo a reuniões do bloco ocidental, principal aliado da Ucrânia na guerra contra a Rússia.
No ano passado, no G-7 do Japão, Lula não conseguiu encontrar-se com o presidente da Ucrânia, Volodimir Zelenski. O chanceler teve de dar respostas aos senadores, que cobraram mais interlocução com Kiev e o agendamento de visitas de Estado e até um encontro com seu homólogo ucraniano, por causa das recentes visitas de autoridades russas ao Brasil, entre eles o ministro Sergei Lavrov.
O ministro disse que vê com preocupação declarações de que o conflito pode se prolongar e escalar para o uso de armas nucleares, como ameaça o presidente russo Vladimir Putin, que reagiu a ameaças de europeus de reforçarem a defesa ucraniana com forças da Otan.
O discurso do presidente Lula foi visto como pró-Rússia por aliados internacionais, ao acusar Europa e EUA de prolongarem o conflito e equiparar responsabilidades de Putin e Zelenski, apesar de as tropas russas terem invadido e tomado o território ucraniano, em fevereiro de 2022.
O ministro também disse que espera ver concluída a negociação do acordo comercial entre Mercosul e União Europeia no segundo semestre deste ano. As tratativas se arrastam há 25 anos e fracassaram no ano passado, por oposição da França.
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