BOGOTÁ - Em meio à migração recorde de venezuelanos com rumo aos Estados Unidos, ao menos 10 mil migrantes estão retidos em um porto da Colômbia a espera de meios de transporte para atravessar a fronteira com o Panamá, segundo a imprensa local. Até o momento, centenas de milhares de imigrantes, a maioria da Venezuela, estão arriscando cruzar a perigosa selva de Darién na intenção de chegar aos EUA, provocando caos nas cidades de trânsito.
O ativista de direitos humanos do município de Necoclí, na Colômbia, Wilfrido Menco, disse ao jornal local El Tiempo que os migrantes estão à espera de barcos que os levem à fronteira com o Panamá, para continuar sua viagem. “Neste momento, os bilhetes necessários para ir por mar até à cidade fronteiriça de Acandí estão esgotados”, disse o responsável.
O número de migrantes que chegaram ao Panamá por meio do Estreito de Darién, uma selva fechada que interrompe a estrada que liga a fronteira da Colômbia ao Panamá, bateu seu recorde histórico nos últimos dias, com mais de 160 mil arriscando a travessia, expondo-se a grupos armados e animais selvagens que habitam aquela área. Destes, quase três quartos são venezuelanos, segundo dados oficiais do Panamá.
Menco relatou o aumento de estrangeiros em Necoclí, um povoado de cerca de 45.000 habitantes. “Aproximadamente 2.500 migrantes chegam diariamente, a maioria de venezuelanos. Vimos que cerca de 15 ônibus chegam a cada 4 horas” que os levam ao porto, acrescentou. Além dos venezuelano, haitianos, cubanos, africanos e asiáticos também atravessam o Darién a pé, mas em números inferiores.
A chegada de venezuelanos à Colômbia desperta preocupações de um colapso no sistema de transporte local. Segundo as autoridades colombianas, mais de mil migrantes tem chegado diariamente ao Terminal de Transportes do Norte de Medellín, no departamento de Antioquia, onde antes o fluxo costumava ser de menos de 200 pessoas por dia.
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A situação também preocupa as autoridades panamenhas, onde a onda migratória levou à queda da ministra das Relações Exteriores. Erika Mouynes, que dias antes havia solicitado apoio internacional para enfrentar uma onda migratória que “ultrapassou” a capacidade de seu país, foi demitida e será substituída por Janaina Tewaney Mencomo, atual ministra do Governo, em um movimento considerado surpreendente pela imprensa local.
Na semana passada, durante sua participação na 52ª Assembleia Geral da Organização dos Estados Americanos (OEA), Mouynes pediu aos demais países que ajudassem o Panamá a dar acolhimento aos migrantes. “Estamos em uma situação de descontrole e crise, e temos que trabalhar juntos para consertar isso”, disse.
Recorde histórico
O aumento no fluxo migratório a pé partindo da América do Sul aos EUA ocorre em meio a várias mudanças econômicas e sociais na região, entre eles, a piora na economia dos países em meio à crise inflacionária mundial, mudança na política de vistos de países vizinhos como Costa Rica e México, além de um rumores de que o governo americano não pode devolver os migrantes aos seus países de origem.
Em setembro, o governo americano divulgou que o número de migrantes detidos na fronteira sudoeste havia ultrapassado 2 milhões pela primeira vez desde que a contabilização é feita. O movimento é observado no mundo todo, onde 1 em cada 78 pessoas foram consideradas deslocadas, segundo a ONU, sendo os venezuelanos o segundo maior grupo - atrás apenas dos Sírios.
Segundo dados das autoridades americanas obtidos pelo New York Times, mais de 150 mil venezuelanos chegaram à fronteira a dos EUA com o México este ano. De 2015 a 2018, este número costumava ficar abaixo de 100.
Em agosto, o CBP (Serviço de Alfândega e Proteção de Fronteiras), observou uma mudança no perfil das nacionalidades que se destinam aos EUA. O número de pessoas de Cuba, Nicarágua e Venezuela se igualou aos do que saem de México, El Salvador, Guatemala e Honduras, historicamente as populações que mais migravam para o Norte. O número de imigrantes sem permissão legal destes últimos países caiu 43% em relação a agosto de 2021, enquanto o de cubanos, nicaraguenses e venezuelanos aumentou 175%.
“Regimes comunistas fracassados na Venezuela, em Nicarágua e em Cuba estão impulsionando uma nova onda de migração em todo o hemisfério Ocidental, incluindo o recente aumento de detenções na fronteira sudoeste dos EUA”, disse o comissário do CBP Chris Magnus em nota ao NYT em 19 de setembro.
Como Washington não tem relações diplomáticas com esses três países, as autoridades não podem repatriar os imigrantes, como fazem com pessoas de outros lugares. Além disso, especialistas ouvidos pelo Estadão em agosto explicaram que as novas exigências de vistos para venezuelanos em países como México, Costa Rica e Belize - parte de uma política de pressão dos EUA para conter o fluxo migratório - tem levado os migrantes a se lançarem pelo Darién, já que não podem mais ir de avião até a fronteira americana e de lá cruzar a pé, como costumavam fazer.
Disputa política
Ao chegarem nos Estados Unidos, porém, esses imigrantes se veem em meio a uma disputa política entre republicanos e democratas, que se preparam para as eleições de meio de mandato, em 8 de novembro. Governadores dos Estados da fronteira, como Flórida, Arizona e Texas, reclamam da demanda que a imigração irregular traz e exigem posturas mais duras do governo democrata de Joe Biden.
Em retaliação ao que argumentam ser uma postura receptiva à imigração ilegal, esses governadores protagonizaram no mês passado um escândalo envolvendo o envio desses imigrantes para redutos democratas.
No caso mais emblemático, o governador da Flórida, o republicano Ron DeSantis - que é um cotado para a disputa presidencial de 2024 -, fretou dois aviões com imigrantes, a maioria venezuelanos, para a ilha de Martha’s Vineyard, em Massachusetts, um local de veraneio onde Barack Obama tem casa. Ônibus também foram enviados do Texas pelo republicano Greg Abbott para Washington, nos arredores da casa de Kamala Harris.
A situação dos venezuelanos em especial é um impasse para Biden, pois os EUA romperam relações diplomáticas com o governo do presidente Nicolás Maduro e fecharam sua embaixada em 2019, após acusarem o líder de fraude eleitoral. Na maioria dos casos, os agentes dos EUA permitem que os venezuelanos que se entregam às autoridades entrem no país, onde podem iniciar o processo de solicitação de asilo./AFP, AP e NYT
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