O confinamento imposto na Colômbia para conter o coronavírus não impediu que criminosos recrutassem crianças e adolescentes. Pelo contrário, criou novas oportunidades para que centenas de jovens passem a integrar esses grupos. Entre janeiro e maio, ao menos 128 menores foram recrutados ou vinculados a grupos armados, 113% a mais do que o mesmo período de 2019 – quando foram registrados 60 casos.
“As escolas estão fechando, mas em áreas rurais distantes, por exemplo, é difícil ter aulas virtuais, porque as pessoas não têm equipamento, não têm os recursos necessários. Então, os grupos criminosos vão até as casas onde estão as crianças sem fazer nada”, explica Paola González Cepero, responsável pelas áreas de direitos humanos e prevenção de recrutamento de menores da Fundação Ideias para a Paz (FIP).
Quase 2 milhões de crianças e adolescentes foram mandados para casa desde o começo da pandemia. A maioria vive em regiões rurais, onde, segundo o Departamento Administrativo Nacional de Estatística, apenas 9,4% das casas possuem computador, notebook ou tablet para acompanhar as aulas online.
Segundo o procurador-geral Fernando Carrillo, dez grupos criminosos são responsáveis pelo recrutamento, entre eles os guerrilheiros do Exército de Libertação Nacional (ELN), as dissidências das antigas Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc), o Exército Popular de Libertação (EPL) e as Autodefesas Gaitanistas da Colômbia (AGC), além de grupos herdeiros dos grandes cartéis, como Los Urabeños e Agulhas Negras.
A falta de renda das famílias em meio à pandemia também leva crianças e adolescentes a ter como única opção se juntar a guerrilhas ou grupos criminosos – e assim ajudar em casa. “O recrutamento está disparado agora em todas as zonas do país com a pandemia. Os grupos chegam até as famílias e dizem que vão pagar um salário mínimo (900 mil pesos colombianos, cerca de US$ 200). Não é uma situação fácil”, afirma o chefe da defensoria pública colombiana, Carlos Negret.
“Durante muitos anos, as Farc, por exemplo, não prometiam quantias, e sim o sustento básico dos menores, ou seja, refeições e um lugar para morar. Nas áreas urbanas, é sabido que os serviços são pagos em dinheiro. Se você consegue vender determinada droga, consegue traficar armas ou atravessar pessoas pela fronteira, vai ser recompensado por isso”, diz Paola.
Ao sair de suas casas, essas crianças e jovens passam a integrar a cadeia de funcionamento dos grupos, e não apenas a linha de frente de combate, explica Paola. Meninos ocupam cargos de vigilância, transporte de armas. de drogas e cobranças de extorsões, por exemplo, enquanto meninas cozinham, têm tarefas de cuidados com outros integrantes e, em áreas urbanas, transportam armas pelo fato de serem menos revistadas. Além disso, segundo ela, os menores indígenas são muito recrutados por conhecerem bem a geografia da região.
Recuperados
Não existe um número oficial de quantos menores estão recrutados por grupos criminosos na Colômbia, mas estima-se em milhares. Entre 2017 e 2019, 661 menores foram recuperados pelas autoridades colombianas, o que implica em um número de recrutados muito maior. Segundo Negret, as crianças e adolescentes que desertam dos grupos não entram nessa conta “porque simplesmente voltam para casa e, muitas vezes, depois de um tempo, são mortas”.
Denunciar o recrutamento de um filho ou filha não é tarefa fácil na Colômbia. “Estávamos em uma visita na selva, no ano passado, e um homem veio e nos disse: ‘Eles vão me matar, mas preciso contar. Minha filha de 14 anos foi recrutada pelo ELN e quero que vocês a recuperem’. Conseguimos recuperá-la agora, em 2020”, diz Negret.
“Fizemos uma visita ao sul de Córdoba, em março de 2019, e lá o reitor de um colégio nos encontrou e chorou quando nos disse que ali havia 2,6 mil crianças. Em um ano, mil foram embora com medo do recrutamento das dissidências das Farc, do ELN e de outros grupos. Agora, voltamos ao tempo em que esses grupos correm para recrutar crianças e jovens por um preço mais barato”, afirma o defensor.
Nas áreas urbanas, o recrutamento em bairros afastados do centro, nos chamados “cordões de miséria”, também ocorre, mas de maneira mais sutil. Às vezes pela internet e mais voltado para o tráfico de drogas, segundo Paola. “Em períodos de crise, são os grupos armados que mais aproveitam. Eles se reinventam e se beneficiam desse contexto.”
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