Recusa do Brasil em vender armas para a Ucrânia se transforma em problema para Zelenski

Governo Lula se recusou pelo menos duas vezes a vender armamentos para Kiev

PUBLICIDADE

Por André Spigariol e Jack Nicas
Atualização:

Enquanto o Brasil se preparava para a Copa do Mundo de 2014 e as Olimpíadas de 2016, comprou 34 canhões antiaéreos da Alemanha para se proteger durante o evento. Então, depois que a Rússia invadiu a Ucrânia, o governo alemão começou a enviar à Ucrânia aquelas mesmas armas de canhão duplo, que podem derrubar uma aeronave a mais de cinco quilômetros de distância. Assim, as autoridades alemãs pediram ao governo brasileiro no ano passado que devolvesse a munição não utilizada. Mas a resposta do Brasil foi clara: não se fosse para a Ucrânia.

PUBLICIDADE

O maior país da América Latina se encontra em uma posição complicada. Sob o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), o Brasil pediu paz e, em declarações cuidadosamente formuladas, criticou a invasão da Rússia. Mas o país, que depende da Rússia para fertilizantes e combustível, também deixou claro que não enviará nenhuma arma destinada às linhas de frente e, em vez disso, está pressionando para mediar as negociações de paz.

A Ucrânia fez pelo menos dois pedidos ao Brasil para comprar uma longa lista de armamentos que incluía veículos blindados, aeronaves, sistemas de defesa aérea, morteiros, rifles de precisão, armas automáticas e munições, de acordo com correspondência obtida pelo The New York Times por meio da lei de acesso a informação. O Brasil ignorou amplamente os pedidos.

Soldados ucranianos na cidade de Bakhmut, na região de Donetsk  Foto: Oleg Petrasyuk / EFE


Brasil negou dois pedidos de Kiev para compra de armamentos

As negativas dos países são motivadas por uma série de fatores: política doméstica, políticas internas que os impedem de armar países envolvidos em conflitos e sua dependência da Rússia para importações cruciais. No entanto, eles também podem ser parceiros críticos para a Ucrânia.

Publicidade

O Brasil, em particular, é um produtor importante de aviões de guerra, muitos fabricados pela fabricante brasileira de aeronaves Embraer. De acordo com especialistas em armas, Kiev precisa de aviões e países em desenvolvimento como o Brasil possuem sistemas de armas que são mais baratos de operar e manter.

“Prejudica a Ucrânia porque ela se torna excessivamente dependente dos suprimentos da Otan, que são doados, mas são extremamente caros de manter, porque vêm de países ricos que possuem e fabricam armas extremamente sofisticadas”, apontou Sandro Teixeira Moita, professor de estratégia militar da Colégio de Comando e Estado-Maior do Exército Brasileiro. “Os países do sul global têm sistemas de armas mais adequados às suas realidades.”

O Brasil diz que seu princípio orientador de política externa há muito é permanecer amigo de todos.


Brasil já vendeu armamentos para países em guerra

Ainda assim, o país se mostrou disposto a vender para outras nações em guerra. Desde o início da Guerra do Iêmen em 2014, o Brasil forneceu à Arábia Saudita e aos Emirados Árabes Unidos mais de 21.000 toneladas de armas e munições no valor de US$ 680 milhões, incluindo munições cluster condenadas internacionalmente, segundo dados comerciais.

Publicidade

De acordo com documentos que foram vazados do Pentágono, a Ucrânia está cada vez mais desesperada por armas para conter as tropas russas, especialmente o tipo de defesa aérea que o Brasil pode fornecer. Com o esgotamento das armas no Ocidente, a Ucrânia e seus aliados estão pressionando algumas nações que evitaram se envolver no conflito para que cedam e enviem ajuda.

Presidente dos Estados Unidos, Joe Biden,se reúne com o presidente da Ucrânia, Volodmir Zelenski, na Casa Branca Foto: Demetrius Freeman/ The Washington Post

Mas em um sinal preocupante para a Ucrânia - e, por extensão, uma vitória da política externa para a Rússia - alguns desses países dizem que pretendem ficar de fora.

O presidente da Colômbia, Gustavo Petro, disse em janeiro que rejeitou os pedidos americanos para enviar as armas do país de fabricação russa aos Estados Unidos, que planejavam entregá-las à Ucrânia, porque a constituição colombiana exige que ele busque a paz. Ele acrescentou que a América Latina não deve escolher lados. “Não estamos com ninguém”, disse Petro.

A Coreia do Sul também se recusou a oferecer assistência letal à Ucrânia, citando sua política de não enviar armas a um país em guerra. Os documentos vazados do Pentágono sugeriram que altos funcionários em Seul temiam a pressão de Washington para enviar munição para a Ucrânia de qualquer maneira. O governo sul-coreano contestou a precisão dos documentos.

Publicidade

Brasília depende de Moscou para comprar fertilizantes

PUBLICIDADE

O Brasil, um dos maiores produtores de alimentos do mundo, também depende da Rússia para um quarto de seus fertilizantes. Em 2022, quando a Rússia atacou a Ucrânia, o Brasil comprou mais de 8,8 milhões de toneladas de fertilizantes russos, abaixo dos 10,2 milhões em 2021. O Brasil é o principal comprador de fertilizantes russos e a Rússia o principal fornecedor dos agricultores brasileiros.

O ex-presidente do Brasil, Jair Bolsonaro, manteve um relacionamento caloroso com o presidente Vladimir Putin da Rússia, chegando a visitar o Kremlin seis dias antes de a Rússia lançar sua invasão no ano passado. Mais tarde, Bolsonaro elogiou a visita em sua campanha fracassada de reeleição, dizendo que o fez para garantir fertilizantes e combustível necessários.

“Economicamente, é uma vitória fácil para os dois países que eles não querem arriscar”, disse Andrés Gannon, pesquisador militar do Conselho de Relações Exteriores, sobre o Brasil e a Rússia. O Brasil também há muito busca um assento permanente no Conselho de Segurança das Nações Unidas, disse Gannon, portanto, manter-se neutro pode evitar a divisão dos votos de russos e americanos sobre sua composição.

Autoridades ocidentais esperavam que a vitória de Lula nas eleições do ano passado, considerado mais próximo dos líderes ocidentais do que Bolsonaro, abriria as vendas de armas do Brasil para a Ucrânia. Mas a neutralidade é uma das poucas questões em que Lula e Bolsonaro estão alinhados.

Publicidade

Poucas semanas depois de assumir o cargo em janeiro, Lula rejeitou outro pedido de munição da Alemanha para equipar os tanques Leopard que está enviando para a Ucrânia.

Em vez disso, o presidente brasileiro impulsionou um plano diferente: ele quer intermediar a paz.

Em reuniões com o presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, o chanceler Olaf Scholz da Alemanha e o presidente Volodmir Zelenski da Ucrânia, Lula apresentou um plano para um grupo de nações neutras mediar as negociações de paz.

Zelensky disse que as negociações de paz não são possíveis até que a Rússia retire suas forças da Ucrânia, enquanto o Kremlin diz que qualquer acordo deve levar em conta o território que a Rússia agora ocupa.

Publicidade

Lula disse que apresentaria seu plano de negociações de paz à Rússia e à China. Ele deve se encontrar com o presidente Xi Jinping da China em Pequim na sexta-feira.

O presidente do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva, participa de uma cerimonia militar em Brasília, Brasil  Foto: Eraldo Peres/ AP

Os documentos vazados do Pentágono diziam que, de acordo com a inteligência dos EUA, o Ministério das Relações Exteriores da Rússia apoiou o plano de Lula de “estabelecer um clube de mediadores supostamente imparciais para resolver a guerra na Ucrânia”.

Os países ocidentais temem que o Brasil esteja se inclinando para a Rússia, afirmaram quatro altos diplomatas europeus no Brasil, que falaram sob condição de anonimato por causa da delicada diplomacia envolvida. As autoridades citaram o recente alinhamento do Brasil com Moscou no Conselho de Segurança da ONU, incluindo uma votação no mês passado para uma investigação sobre explosões nos gasodutos Nord Stream entre a Rússia e a Alemanha. A Rússia propôs a resolução e apenas Rússia, China e Brasil votaram a favor dela.

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.