Reduzir o poder da Suprema Corte de Israel não deveria preocupar a oposição; leia a análise

As cortes continuarão tendo poder pleno para julgar disputas entre empresas e agências do governo, fazer valer contratos e exercer todas as funções dos tribunais

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Por Evelyn Gordon*

Este artigo foi originalmente publicado na revista online israelense Mosaic.

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O texto foi dividido em três partes para facilitar a leitura. A primeira parte está aqui. A segunda parte está aqui.

Assumindo que os detalhes sejam acertados de forma razoável e dado que essas provisões em grande medida apenas restaurem a situação anterior à revolução judicial, dado que muitas delas são práticas democráticas comuns e dado que elas têm intenção de reparar uma situação não democrática na qual ministros da Suprema Corte não eleitos têm poder quase irrestrito para derrubar políticas do governo eleito, eu considero que os componentes individuais da reforma — à parte a mudança na maneira que os presidentes do tribunal são nomeados — são razoáveis. Mas um todo com frequência é maior do que a soma de suas partes, e juntas estas mudanças são substanciais. Consequentemente, várias objeções que têm sido levantadas contra o pacote como um todo merecem consideração.

Para começar, muitos israelenses, incluindo proeminentes economistas e empresários, estão muito preocupados com a possibilidade da reforma colocar em perigo a economia de Israel. Não existe nenhuma razão significativa para isso; as cortes continuarão tendo poder pleno para julgar disputas entre empresas e agências do governo, fazer valer contratos e exercer todas as funções que os tribunais exercem para proteger o ambiente de negócios. É verdade que elas não terão mais capacidade de derrubar políticas do governo, mas é provável que isso aumente a estabilidade em vez de subvertê-la. Considere o contrato de 2015 do governo com as empresas de gás natural que a Suprema Corte rejeitou, forçando as empresas a adiar o início da produção.

O risco verdadeiro é que isso possa se tornar uma profecia autoconsubstanciada. Se empresários e investidores suficientes preocupam-se com a possibilidade do ambiente econômico de Israel se desestabilizar, eles podem retirar seu dinheiro e suas empresas do país independentemente dessas preocupações serem bem fundamentadas ou não. Mas muitos retornariam se essas preocupações se provassem sem fundamento; contanto que o atual clima favorável aos negócios não seja afetado, poucos investidores ou empresas deixarão passar boas oportunidades meramente por opor-se ideologicamente à reforma. Também não está claro em que medida esses temores são relacionados a reformas específicas ou ao caos geral da atual coalizão.

Protestos contra o governo do primeiro-ministro de israel, Binyamin Netanyahu, lotam as ruas do país há mais de 30 semanas  Foto: Abir Sultan / EFE

Em segundo lugar, alguns opositores temem que a reforma possa deixar Israel vulnerável ao Tribunal Penal Internacional (TPI); o que se tornou uma preocupação real entre reservistas do Exército. A carta do TPI nega à corte o direito de investigar e julgar supostos crimes em países que possuem Judiciários independentes, capazes de conduzir suas próprias investigações e julgamentos; opositores argumentam que uma corte mais fraca não atenderia a este padrão. O que poderia ser uma preocupação grave se o TPI já tivesse demonstrado alguma deferência pela atual Suprema Corte israelense. Mas o TPI nunca o fez. Sua ex-promotora-chefe Fatou Bensouda abriu uma investigação a respeito de supostos crimes de guerra durante a guerra entre Israel e o Hamas de 2014, em Gaza, mesmo após essas alegações terem sido exaustivamente investigadas pelo próprio sistema Judiciário israelense (e vários países ocidentais pediram a ela que não o fizesse). E um painel pré-judicial de magistrados do TPI pediu em duas ocasiões que Bensouda reconsiderasse sua decisão de não investigar o ataque de Israel contra uma flotilha a caminho de Gaza, em 2010, a despeito das investigações exaustivas do sistema Judiciário israelense a respeito do incidente.

Em terceiro lugar, o argumento favorável à reforma judicial também foi prejudicado, compreensivelmente, por temores de que Netanyahu a esteja empreendendo apenas para escapar dos processos criminais a que responde. Dado que ele esmagou todas as iniciativas pela reforma judicial em seus primeiros mandatos à frente do gabinete israelense, esta conclusão não é de nenhuma maneira irrazoável. E apesar de nenhuma das provisões da reforma pretender alterar o papel da Suprema Corte em casos cíveis ou criminais, restringir seu poder de derrubar leis e políticas poderia, por exemplo, possibilitar uma legislação que concederia imunidade a primeiros-ministros no exercício da função. Não obstante, a maioria dos legisladores da coalizão de governo — incluindo os principais arquitetos da reforma, Levin e Rothman — já pressionavam pela mudança muito antes dos processos contra Netanyahu serem abertos. Mais importante, seus eleitores também a conclamavam, conforme notado anteriormente. Portanto, mesmo que os problemas de Netanyahu com a Justiça o motivem pessoalmente, não é isso que motiva a reforma como um todo. Seria mais acurado afirmar que os outros legisladores da coalizão estão se aproveitando desses problemas para fazer o que de qualquer maneira já desejavam havia muito.

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Uma preocupação muito mais séria do que essas três é que a proposta destruiria o sistema israelense de pesos e contrapesos. Mesmo que muitos dos atuais críticos não tenham expressado nenhuma preocupação a respeito de alguma ausência de pesos e contrapesos durante todos os anos que o Judiciário veio concentrando poder em excesso, seria equivocado descartar tal preocupação classificando-a como mera hipocrisia; de fato, até mesmo alguns antigos críticos conservadores da Suprema Corte temem que o pacote de reformas possa ir longe demais. E a verdade é que os controles sobre o Executivo presentes na maioria das democracias em seus sistemas Legislativos não existem na Knesset.

Primeiro há aquela falta de uma constituição formal. E então o fato de Israel possuir uma só câmara legislativa — não tem Senado, por exemplo. Além disso, a Knesset é virtualmente a única legislatura à qual os legisladores não são eleitos diretamente pelos eleitores de alguma maneira. Os israelenses votam em partidos, não em candidatos individuais à Knesset, e, na maioria dos partidos, a liderança da legenda concentra toda a autoridade de determinar quem integra sua lista de candidatos. Isso significa que legisladores raramente se mostram dispostos a se opor aos líderes dos partidos — quase todos ocupando funções no gabinete; e, portanto, não servem como contrapeso eficaz ao poder do Executivo. É por este motivo que muitos israelenses consideram essencial uma Suprema Corte forte.

O primeiro-ministro de Israel, Binyamin Netanyahu, gesticula durante a reunião com a equipe ministerial no escritório do primeiro-ministro em Jerusalém  Foto: Abir Sultan / AP

Há questões sérias. Mas, após 30 anos de experiência, parece claro que simplesmente não fazer nada e permitir a existência de uma Suprema Corte imperialista não é a resposta correta; tudo o que isso ocasionou foi metade do país abominar o tribunal e desconfiar dele. Uma solução melhor, conforme tenho argumentado há décadas, seria impulsionar a independência da legislatura permitindo que os eleitores votem em candidatos específicos de alguma maneira, para que, em vez de precisar satisfazer os líderes de seus partidos para conseguir se reeleger, os legisladores tenham de agradar aos eleitores. Isso daria poder aos legisladores para desafiar os líderes de seus partidos quando os interesses deles divergirem dos interesses dos eleitores, como ocorre com tanta frequência.

Evidentemente, todos os esforços anteriores de introduzir eleições diretas de legisladores fracassaram principalmente porque essas propostas tentaram introduzir um modelo de escrutínio majoritário uninominal anglo-americano incompatível com o atual sistema israelense de representação proporcional. Mas outros métodos de eleição direta são compatíveis com representação proporcional; a maioria dos países europeus os utiliza. E já que a maioria dos israelenses quer manter a representação proporcional, Israel precisa começar a explorar seriamente esses modelos. Não se trata de um processo operável da noite para o dia, e não há nenhuma garantia de que tal transformação sucederá. Mas acho que as chances disto ocorrer melhorarão uma vez que a Suprema Corte seja restituída às suas dimensões apropriadas, já que nesse ponto qualquer um preocupado com um Executivo poderoso demais será forçado a olhar para além do tribunal em busca de soluções.

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Mas mesmo se isto não ocorrer, é importante lembrar que o sistema de Israel tem também um contrapeso que falta a muitas democracias: sua multiplicidade de pequenos partidos — a atual Knesset é composta por 10 legendas eleitorais representando 15 partidos diferentes — significa que mesmo quando um único bloco tem legisladores suficientes para formar uma coalizão de governo, geralmente ela é pequena demais para ser estável sem ter de compor com pelo menos um partido do bloco rival. O atual governo é o primeiro em décadas sem um partido desse tipo e provavelmente comporia com algum caso as legendas de oposição não estivessem boicotando Netanyahu. Mais amplamente, todos os partidos costumam exigir poder de veto sobre temas que consideram importantes como parte dos acordos de coalizão, e isso com frequência evita que governos assumam posições extremas em relação a temas controvertidos. O que, incidentalmente, é outra razão para muitos direitistas com frequência sentirem que votaram “na direita mas rumaram para a esquerda”; mas nesse caso esquerdistas podem se sentir igualmente entravados quando ocupam o poder.

Outra objeção não trivial é que, ainda que a reforma restaure amplamente o status quo pré-revolução judicial, os membros da Knesset mudaram radicalmente desde então: perderam seu comedimento e agora com frequência introduzem propostas que teriam sido impensáveis três décadas atrás. Isto também é verdadeiro; eu discordo dos oponentes da reforma porque considero os legisladores irresponsáveis uma consequência inevitável e perniciosa da revolução judicial. Por 30 anos, os legisladores israelenses se acostumaram com a ideia de que suas propostas e seu conteúdo importam muito pouco, porque a Suprema Corte derruba em todo caso qualquer ideia de que desgoste. Consequentemente, muitas propostas legislativas acabaram não passando de comunicados à imprensa para render manchetes. Trata-se de uma versão adulta de crianças que nunca aprendem a assumir a responsabilidade pelos seus atos porque seus pais sempre as protegem das consequências de suas ações.

Mas uma vez que a consequencialidade for restabelecida, tanto políticos quanto eleitores tenderão a tomar juízo muito rapidamente. Como exemplo considere o que ocorreu nos EUA sete meses depois que a Suprema Corte do país decidiu que o direito ao aborto não é mais um direito constitucional. Conforme noticiou o New York Times em janeiro, direitos ao aborto foram aprovados nas urnas em seis Estados em novembro, incluindo os “Estados republicanos” de Kansas, Kentucky e Montana; os democratas foram melhor do que o esperado nas eleições de meio de mandato alimentados em parte pela ansiedade em relação ao aborto; e muitos políticos republicanos que haviam apoiado expressamente banimentos ao aborto começaram a rever posições. O que ocorre porque a maioria dos americanos se posiciona no centro, apoiando limites mas não banimentos — e uma vez que a Suprema Corte saiu do jogo, apoios de políticos a banimentos gerais não puderam mais ser ignorados. Os eleitores começaram a agir em conformidade e os políticos responderam, como costuma ocorrer em democracias.

Aqui, também com a Suprema Corte fora do jogo, a coalizão de governo será forçada a considerar as consequências de suas ações. Uma delas é a pressão de aliados, especialmente os EUA. Mas ainda mais importante é a possibilidade de perder a próxima eleição se suas políticas forem radicais demais. Por este motivo, por exemplo, que o ministro da Cultura, Miki Zohar, voltou atrás quando sua promessa de acabar com o financiamento público para eventos no shabat provou-se profundamente impopular — até mesmo entre sua própria base.

Na eleição de novembro, os partidos direitistas receberam apenas 30 mil votos a mais do que seus oponentes, entre quase 4,8 milhões de votos válidos. (Essa margem tênue ocorreu porque três partidos que disputaram a eleição não conquistaram o número mínimo de votos para entrar na Knesset, ocasionando centenas de milhares dos chamados “votos desperdiçados”, a maioria para partidos esquerdistas.) Consequentemente, não seria necessário muito esforço para fazer a balança pender para o outro lado, especialmente porque os partidos da coalizão de governo receberam muitos votos de centro-direitistas e religiosos moderados hoje profundamente insatisfeitos com muitas das posições do gabinete — particularmente em relação a temas como religião e Estado, mas também a respeito das próprias reformas judiciais. Repetidas pesquisas têm mostrado desde o início que minorias consideráveis de eleitores dos partidos da coalizão têm preocupações a respeito das reformas, e esses números parecem ter crescido em razão de temores de dano econômico e cisão social.

E isso nos traz a uma das mais profundas preocupações a respeito da reforma: o temor de que ela venha a destruir a coesão social de Israel. De fato, seria brutalmente irresponsável não levar a sério a atual tensão, que atinge níveis extraordinariamente elevados. À parte as manifestações massivas, que têm corrido semanalmente nos dois meses recentes, números crescentes de reservistas ameaçam não se apresentar ao trabalho, e as preocupações reverberam para além dos círculos favoráveis a uma poderosa Suprema Corte disposta e capaz de impor valores e políticas progressistas. Muitos israelenses temem genuinamente que as reformas minarão a democracia de Israel criando um Executivo todo-poderoso; o fato de o atual governo ter dado poucos sinais de comedimento em relação a qualquer tema exacerba este medo.

Em relação a isso, a primeira coisa a dizer é que a coesão social de Israel já estava em frangalhos; o lado representado pelo atual governo estava amargamente infeliz havia anos. Talvez os oponentes da reforma simplesmente não tenham percebido a insatisfação porque houve poucas manifestações massivas contra o ativismo judicial. (A direita tinha desistido de convocar protestos em massa depois que essa estratégia fracassou notavelmente em impedir tanto os Acordos de Oslo quanto a retirada unilateral de Gaza.) Direitistas do mainstream também nunca ameaçaram reduzir o contingente militar reservista (a recusa em se apresentar para o serviço durante a retirada de Gaza, por exemplo, foi insignificante), nem ameaçaram guerra civil, conforme alguns oponentes da reforma lamentavelmente fazem neste momento (o que pode explicar por que estarrecedores 60% dos israelenses de todos os espectros políticos e religiosos afirmaram em pesquisas temer que a disputa fique violenta). Em vez disso, a direita se dedicou a eleger legisladores que apoiam a reforma judicial. Restabelecer a coesão social, portanto, será impossível no longo prazo sem uma reforma judicial séria.

O ministro da Segurança Nacional, Itamar Ben-Gvir, abraça um apoiador após chegar a um assentamento na Cisjordânia  Foto: Ahmad Gharabli/AFP

Mas, do mesmo modo, a reforma será impossível se for realizada de uma maneira que deixe os oponentes sentindo que perderam seu país. E isso relaciona-se diretamente com outra objeção muito séria, de que grandes mudanças sistêmicas devem ser feitas com amplo consenso, em vez de empurradas goela abaixo da sociedade por um governo que venceu a eleição com a mais tênue das margens. Eu estou completamente certa, tanto no que tange princípio quanto pela razão absolutamente prática da ausência de apoio do outro lado: o governo seguinte poderá muito bem reverter todas essas medidas. Um consenso amplo também reduziria a probabilidade da Suprema Corte desencadear uma crise constitucional sem precedentes ao derrubar as reformas; ainda que isso possa ser inevitável, seria claramente melhor evitar se possível.

O consenso é indubitavelmente complicado pelo fato de que a esquerda passou as três décadas recentes rejeitando inflexivelmente todas as mudanças concebíveis, mesmo propostas muito mais modestas do que a atual, qualificando-as antidemocráticas. De fato, até recentemente, a maioria na esquerda se recusava até a admitir que houvesse algo de errado no atual sistema, e muitos esquerdistas ainda o fazem. Além disso, ainda que alguns oponentes da reforma tenham passado a conclamar o diálogo, poucos entre os defensores mais antigos da Suprema Corte (ao contrário de oponentes antigos que discordam de certos elementos desta reforma) mencionaram qualquer mudança específica que estejam dispostos a fazer.

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O presidente Isaac Herzog, que revelou seu próprio cronograma de um caminho para o consenso em meados de fevereiro, é a exceção potencialmente influente. Ele propôs a formulação de uma Lei Básica: Legislação que incluiria três elementos: estabelecer procedimentos para elaboração e aplicação de Leis Básicas; conceder poder para a Suprema Corte derrubar legislações ordinárias, mas não Leis Básicas; e criar um procedimento pelo qual a Knesset seria capaz de derrubar decisões do tribunal em certos casos. Herzog também propôs a reformulação da Comissão de Nomeações Judiciais, para dar a todos os poderes do Estado representação equivalente e garantir que nenhum lado detenha uma maioria automática, limitando mas não abolindo a doutrina da razoabilidade e dando passos para reduzir a morosidade da Justiça em casos comuns (nomeando mais juízes, por exemplo). Esta proposta claramente ressoou entre grande parte do público; em uma pesquisa, 72% dos entrevistados disseram-se a favor de um diálogo na direção do consenso; entre eles, 60% dos eleitores dos partidos da coalizão de governo e 84% dos eleitores da oposição.

O ministro da Defesa, Yoav Gallant, conversa com o líder da oposição e ex-primeiro-ministro israelense Yair Lapid  Foto: Abir Sultan / EFE

Mas a resposta da arena política à proposta de Herzog não foi nada encorajadora, sem dúvida influenciada por vozes bastante estridentes em ambos os campos que rejeitam qualquer concessão mútua. Líderes da oposição insistiram que o diálogo seria impossível se a tramitação das reformas não fosse paralisada antes da primeira votação na Knesset, porque senão seria equivalente a negociar “com uma arma na cabeça”; e os líderes da coalizão afirmaram que o diálogo seria impossível se a tramitação das reformas fosse paralisada, porque temiam que a oposição buscasse enterrar o pacote em discussões intermináveis. Ambas as posições são tão absurdas que claramente não contam a história real. A primeira votação (pela qual a maioria das reformas já passou) é um estágio preliminar do processo; é seguida por audiências em comissões e por outras duas votações pelo plenário do Parlamento, e os textos normalmente passam por extensas revisões nas comissões.

Consequentemente, a oposição ainda não está “com a arma na cabeça” e pode se permitir dedicar algum tempo a explorar a disposição da coalizão em buscar meios-termos. E a coalizão, já tendo provado sua capacidade de aprovar leis, pode se permitir suspender o processo por um tempo determinado para conferir se a oposição é séria a respeito da busca de consensos ou está meramente empacando o processo.

O que mais provavelmente motiva a relutância em negociar é que, neste momento, ambos os lados creem que são capazes de vencer. O governo tem os votos para aprovar seu plano sem nenhuma alteração; e a oposição acredita que a força dos protestos, os alertas contínuos a respeito de desastre econômico, o número crescente de reservistas que ameaçam não se apresentar para o serviço e a pressão internacional cada vez maior forçarão o governo a desistir. Além disso, nenhum dos lados acredita que um meio-termo satisfatório é possível, e ambos consideram o diálogo um risco, porque temem acabar sendo culpados por seu eventual colapso. A proposta de Herzog é vaga em detalhes, e vários desses detalhes são possíveis fatores determinantes em relação à continuidade ou ao rompimento de negociações. Por exemplo, há uma enorme diferença entre uma maioria de 61 legisladores e maiorias, digamos, de 70 ou 80 legisladores; a primeira sempre será alcançável, a segunda, quase nunca. E Herzog tampouco especificou se o veto dos ministros da Suprema Corte na Comissão de Nomeações Judiciais seguiria intacto ou não, uma questão crucial a respeito da qual nenhum dos lados pretenderia ceder.

Eu considero que, não obstante, o esforço valeria a pena; apesar de ter argumentado que a reforma proposta pelo governo não é apenas defensável, mas necessária, as vantagens de uma reforma que desfruta de apoio amplo justificaria certas concessões. Mas mesmo se nenhum meio-termo for alcançado, o governo poderia buscar aliviar preocupações dos oponentes propondo outros contrapesos ao poder do Executivo para compensar uma Suprema Corte mais fraca. O Estado de Israel ainda é dividido demais para promulgar uma constituição plena, da mesma forma que era quando a primeira Knesset decidiu não redigir uma em 1950, e há importantes medidas, como eleição direta para os legisladores, para as quais o apoio público deve ser construído anteriormente. Mas uma versão estrita da Lei Básica sobre legislação — que estabeleça procedimentos rigorosos para a adoção de Leis Básicas sem abordar as questões da revisão judicial e das maiorias necessárias na Knesset — deveria ser alcançável, já que ambos os lados concordam a respeito de sua necessidade. Além disso, as Leis Básicas existentes deixam desprotegidos muitos direitos básicos, como liberdade de expressão e de reunião; o próprio Rothman disse recentemente que poderia listar “de 30 a 40 direitos constitucionais que eu acho que a Knesset deveria ancorar e proteger”. Propor Leis Básicas a respeito de alguns desses temas pode ajudar a convencer a oposição de que o governo não está buscando poder irrestrito para suprimir direitos humanos.

Talvez a preocupação mais grave a respeito da reforma seja que, conforme o filósofo israelense Micah Goodman notou recentemente, qualquer grande mudança surte consequências imprevistas e não intencionais. Trata-se de um perigo real, especialmente com uma reforma com tantas peças mudando de posição, e eu considero isso muito importante. Por esta razão, também, seria melhor ter o maior número possível de israelenses favoráveis às mudanças.

Mas apesar de todos os riscos genuínos, esta reforma judicial é uma resposta devida há muito ao problema verdadeiro — e de décadas — do excesso de poder da Justiça de Israel. Contanto que seja calibrada apropriadamente, no sentido de não minar a democracia israelense, a reforma deverá, em vez disso, favorecê-la. Remover a Suprema Corte de disputas relativas a políticas e valores forçaria ambos os lados a travar essas batalhas na arena pública, à qual elas pertencem. E tornar a corte mais diversa ideologicamente provavelmente resultaria na esquerda passando a compartilhar do ceticismo a respeito do poder judicial da direita, do mesmo modo que tem ocorrido nos EUA; o que seria muito mais saudável do que a atual situação, na qual este ceticismo tem se confinado somente em um dos lados do espectro político. Se metade do país sente que seus valores, convicções, preocupações e políticas estão sendo sumariamente desconsiderados por uma Suprema Corte não eleita, não importando quantas eleições vença, essa metade poderá se desiludir com a própria democracia. E e tal situação é insustentável em qualquer país que pretenda continuar democrático. / TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL

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Leia a primeira parte do artigo neste link.

Leia a segunda parte do artigo neste link.

* Evelyn Gordon é comentarista e ex-repórter de assuntos jurídicos, imigrou a Israel em 1987. Além de escrever no Mosaic, publicou no jornal Jerusalem Post, nas plataformas Azure, Commentary e em outros meios. O endereço de seu blog é evelyncgordon.com.

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