O recado ao Ocidente não poderia ter sido mais claro. Com participação de 82% do 1,5 milhão de eleitores inscritos e com 95,5% de apoio a Crimeia aprovou neste domingo, 16, sua separação da Ucrânia e anexação à Rússia. A votação ocorreu sob vigilância de tropas russas e grupos paramilitares, mas transcorreu sem incidentes após uma trégua firmada entre Kiev e Moscou para que não haja agressões nas bases militares até o dia 21.
O resultado parcial do referendo foi informado às 21h30 (16h30 em Brasília) pelo presidente da Comissão Eleitoral, Mikhailo Malychev. Após o anúncio, o primeiro-ministro regional, o separatista Serguei Axionov, disse que solicitará nesta segunda-feira, 17, a reincorporação da península como 84.ª república da Federação Russa. "O Parlamento da Crimeia se reunirá em sessão extraordinária para adotar uma candidatura oficial à integração", afirmou Axionov.
Antes mesmo de o pedido ser homologado, o Kremlin garantiu que "respeitará a vontade da população", reiterando a legalidade da consulta popular com base no direito à autodeterminação dos povos, prevista na Carta da ONU.
O resultado esmagador favorável à anexação, porém, foi obtido em um referendo contestado nos EUA, na Europa, em Kiev e denunciado por militantes pró-Ucrânia. A participação de eleitores foi realmente intensa, mas o acesso às urnas foi fácil demais - a ponto de levantar dúvidas sobre a lisura da votação. Russos com visto de permanência provisória de apenas um ano na Ucrânia, por exemplo, foram autorizados a votar.
Aprovação. Além disso, a apuração dos votos foi feita sem a presença de jornalistas. Como os observadores internacionais da Organização para a Segurança e a Cooperação na Europa (OSCE) foram impedidos de entrar na Crimeia, o trabalho de fiscalização coube a um grupo de cinco estrangeiros convidados - todos com discursos radicais de extrema esquerda ou de extrema direita.
Na noite de sábado e no domingo, o Estado conversou com dois deles - ambos estavam convencidos da legitimidade da votação. "Por que não seria legítimo? Pessoas que vivem em uma determinada região querem decidir seu futuro", afirmou Bela Kovacs, observador húngaro que disse não lembrar o nome da ONG que lhe teria pagado os custos da viagem.
"Os organizadores não estão trapaceando. As pessoas estão vindo livremente", disse Ge Zhili, vice-presidente da Fundação Chinesa para o Desenvolvimento dos Direitos Humanos, ignorando que Simferopol estava sitiada por forças armadas estrangeiras no mesmo momento.
Alheia às dúvidas, a maior parte da população da capital aderiu à ideia da anexação. "Para nós, a Rússia é nosso país natal, é a nossa história", disse a aposentada Yelena Petrowski, que votou acompanhada de seu marido, Genady, também pró-Rússia. "Nós sonhamos com uma nova União Soviética. É o que queremos para o nosso futuro."
Yevgeny Razzhivaykin, outro eleitor pró-Rússia, não se mostrou preocupado com a lisura do referendo, mas sim com o risco de um conflito armado com Kiev. "Os últimos 22 anos foram de disputas sobre a Crimeia e entre o Leste e o Oeste da Ucrânia. É tempo de acabar com isso de forma pacífica", afirmou.
Horas depois, em meio a uma multidão de dezenas de milhares de pessoas que celebravam a vitória na Praça Lenin, centro de Simferopol, as universitárias Anya Bilinka, de 23 anos, e Galya Tihonoba, de 22, comemoravam juntas posando para fotos abraçadas à bandeira da Rússia, que consideram seu novo país. "Acredito que agora seremos apenas mais felizes e teremos um futuro melhor", disse Galya, estudante de economia.
Protestos. Enquanto na Crimeia a noite foi de festa, o dia foi de protestos em cidades importantes do leste da Ucrânia onde se concentram grandes comunidades de russos. Houve manifestações em Karkov pela federalização da Ucrânia, em Donetsk, pela formação de um novo governo local, e em Odessa, onde 5 mil pessoas foram às ruas em apoio ao referendo na Crimeia.
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