Com as pesquisas apontando o amplo favoritismo de vitória do “rechaço” no referendo constituinte que acontece neste domingo, 4, no Chile, forças políticas já se movimentam para o dia seguinte à votação. Muitos planos começam a surgir, mas analistas e lideranças da política chilena não conseguem afirmar com exatidão o que acontecerá em caso de rejeição da proposta atual.
A Convenção Constitucional do Chile, formada por 155 deputados escolhidos em uma votação realizada em 2020, apresentou a redação final da proposta de nova carta magna ao presidente Gabriel Boric em julho. O texto - o mesmo que vai a votação popular no domingo - contém 499 artigos, que trazem pontos polêmicos, como o reconhecimento da plurinacionalidade para incluir os povos indígenas e reformas no sistema de justiça.
De acordo com o estabelecido pelo governo chileno, o procedimento é simples. Se o “apruebo” sair vencedor no domingo, o Chile passa a ter uma nova Constituição, que entra em vigor após um período de transição para adequação das regras. Em caso de maioria para o “rechazo”, a Constituição atual, herança da ditadura de Augusto Pinochet, se mantém em vigor, e o processo constituinte de quase três anos se encerra sem nenhuma mudança de fato. Apesar disso, é improvável que as tentativas de mudança constitucional se encerrem neste domingo.
Falta de representatividade
“Em termos jurídicos (a vitória do rechazo), segue vigente a Constituição atual, de 1980, reformada em 2005. Mas em termos políticos, há um entendimento transversal de que a atual Constituição não goza de legitimidade suficiente, tanto em razão do plebiscito de 2020 quanto porque os atores políticos não se sentem representados pelo texto constitucional”, disse Pamela Figueroa, professora do Instituto de Estudos Avançados da Universidade de Santiago do Chile e Coordenadora Acadêmica do Observatório Nueva Constitución.
Duas semanas antes da votação, o presidente Gabriel Boric afirmou que pretende fazer novas alterações na ordem constitucional em qualquer dos cenários. “Vou em busca de um Chile unido por uma nova Constituição, quer ganhe o aprovo ou o rechaço”, afirmou em uma entrevista a uma rádio chilena.
Boric, que pautou sua campanha presidencial e projeto de governo em cima de um cenário de aprovação da constituinte, afirmou que pretende reformar pontos polêmicos do texto por meio de emendas constitucionais em caso de vitória da aprovação. Ele também detalhou o plano em caso de rejeição:
“Se vencer a rejeição, teremos que enfrentar um novo processo constituinte, uma nova Convenção, que vai demorar um pouco mais, mas o povo do Chile já definiu por ter uma nova Constituição escrita de uma forma democrática, paritária, com mais participação do que se fazia tradicionalmente e, por certo, (com mais participação do que) na Constituição de 80″.
A vontade expressa pelo presidente, contudo, não especifica o passo a passo do que seria esse novo processo Constituinte - o que não está definido em nenhum lugar da lei. De acordo com Cecilia Osório, professora na Faculdade de Governo da Universidade do Chile, a rejeição cria um cenário mais aberto no pós-referendo.
“A vitória do “rechazo” poderia implicar na convocação de uma nova Convenção Constitucional ou algum outro mecanismo similar, mas os mecanismos exatos não foram estipulados”, explicou.
Propostas começam a se desenhar no tabuleiro político chileno. O PPD, tradicional sigla de centro-esquerda, projetou a realização de “um rápido acordo no Congresso para convocar uma nova convenção constitucional”, de acordo com um documento consultado pelo jornal chileno La Tercera. No texto, a legenda ainda aponta como um erro “entrar em um cenário de negociação dura” no Congresso antes de se iniciar um novo processo.
Além de defender uma retomada rápida da discussão sobre as mudanças constitucionais, o PPD também propõe mudanças no processo de escolha dos deputados constituintes, que seriam reduzidos a 100. A principal mudança na proposta, segundo o jornal chileno, seria a exclusão de listas formadas apenas por candidatos independentes - o que é uma das principais críticas de defensores e detratores da proposta atual, em relação a escolha dos candidatos em 2020 - e a inclusão de especialistas de diversas áreas para acompanharem o novo processo, que teria um prazo de 6 meses para entregar o resultado final.
Segundo a pesquisadora Carmen Le Foulon, coordenadora de Opinião Pública do Centro de Estudos Públicos (CEP) do Chile, há um consenso entre os partidos governistas e de oposição de que, apesar do cenário incerto, a discussão sobre uma nova Constituição não pode se prolongar por muito mais tempo – como é evidenciado pela proposta do PPD. Ela acredita que, se o ‘rechazo’ ganhar, haverá um novo processo constitucional com prazos mais curtos.
Um fator que favorece discussões mais rápidas, diz Carmen, é a maturidade alcançada na construção da atual proposta. “Houve muito diálogo sobre alguns temas, que antes não eram discutidos. É o caso da paridade e do reconhecimento aos povos indígenas”, declarou.
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