Refugiados seguem trilho para escapar do conflito sírio

Em linha de trem abandonada entre Sérvia e Hungria, caminham pessoas de vários países que tentam chegar a um local seguro para refazer a vida

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Por SÉRVIA

Caminhar quilômetros por uma linha de trem não é fácil, principalmente após semanas de um trajeto por diversos países. Mas o desafio fica ainda maior quando esse percurso precisa ser feito em uma cadeira de rodas. O trilho abandonado de uma linha ferroviária que ligava a Sérvia à Hungria passou a ser ocupado nas últimas semanas por milhares de refugiados que desafiam a governos e as dificuldades físicas para chegar à Europa Ocidental.

Uma senhora idosa, que já não caminhava, era levada – dormente por dormente – em uma cadeira de rodas por um grupo que queria garantir que ela também fosse salva. Seriam centenas de solavancos até o final da linha, já na Hungria. Mais à frente na travessia, policiais cercaram o grupo e o escoltaram .

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Por falta de uma política coerente de asilo na Europa, o trilho se transformou em um espelho de um fracasso do bloco sobre como receber os milhares de refugiados. O Estado acompanhou centenas de refugiados que, de uma forma ininterrupta, percorriam o local até chegar à Hungria, a porta da União Europeia. Ou pelo menos era isso que imaginavam. 

A multidão fazia parte de cerca de 4 mil refugiados que está atravessando a Sérvia rumo à UE. Quase todos tinham a mesma história para contar. Desembarcaram na Grécia e, dali, ganharam o caminho pela Macedônia até chegar à Sérvia. Ainda teriam de cruzar a Hungria para chegar a Viena ou Munique. 

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O fluxo não dá sinal de que vai perder força. Dados da ONU revelam que mais 7 mil pessoas chegaram ontem à Macedônia, vindos da Grécia, e logo também tomarão a mesma rota, o trilho de trem abandonado. 

Crise. O trajeto era uma síntese rara de diversos conflitos pelo mundo. Pelos mesmos trilhos passavam sírios, iraquianos, afegãos, palestinos, nigerianos e pessoas de diversas outras nacionalidades. Eram centenas de homens, mulheres grávidas, crianças, bebês de poucos meses, idosos e pessoas com lembranças físicas de suas guerras. 

Lely era uma delas. Sua perna direita ainda estava engessada. “Ela quebrou quando uma bomba explodiu ao lado de nossa casa”, disse o pai, Ahmed, que a carregava no colo. “Vivíamos no centro de Alepo. Mas passamos a ser bombardeados pelo Estado Islâmico e por Bashar Assad. Eu estava ficando louco.”

O sírio Hussein Homsi leva em seus ombros uma de suas cinco filhas. “Mudei de casa três vezes antes de decidir deixar a Síria”, disse. “Não me importo para qual país vou agora. O que quero é levar minhas filhas e mulher a um lugar seguro”. Ele mostra Sara, em seus ombros. “Ela nasceu na guerra. Nunca viveu sem bomba.” 

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Uma mulher grávida caminhava ao lado dele. Seu marido morreu na guerra e a família de Homsi decidiu que não a deixaria sozinha. 

Logo atrás, um grupo de pelo menos 30 iraquianos caminhava com passos firmes. “Quantos quilômetros faltam?”, perguntou um deles ao Estado. Daquele ponto, seria uma caminhada de 3 quilômetros até a fronteira com a Hungria. 

Um grupo de jovens de Bangladesh se queixava. “Desde que começamos a andar, há sete horas, todos nos dizem que estamos chegando.” 

A travessia pelo trilho parecia também ser uma espécie de desabafo para alguns. Um grupo de jovens sírios contou à reportagem que haviam sido sequestrados por máfias búlgaras. “Fomos trancados em um local por três dias e apenas nos soltaram quando nossos pais, em Damasco, enviaram 2 mil euros pela liberação de cada um de nós”, contou Ahmed. “Foi um pesadelo.”

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Descaso. Durante a travessia da Sérvia, os refugiados não receberam qualquer tipo de informação sobre o que ocorreria quando chegassem à Hungria. Belgrado os ignorou, na esperança de que passassem de forma rápida pelo território. Já o governo de Budapeste apenas distribuiu panfletos alertando que não aceitará a “imigração ilegal”. Os papéis eram largados pelo caminho, como se o alerta não soasse como uma ameaça para quem sobreviveu a bombas.

O trilho também estava repleto de papel picado. Eram registros desses mesmos refugiados feitos na Grécia. Um desses documentos, recuperados pelo Estado, indicava que um certo Raju Ahmed, nascido em 1974, havia entrado na Grécia em 13 de novembro de 2013. 

Pela lei da UE, o refugiado é obrigado a permanecer no país por onde entrou no bloco e ali pedir seu asilo. Mas, para os estrangeiros, a forma de apagar esse registro é justamente picar o documento e ir para Áustria ou Alemanha como se acabassem de chegar à Europa. 

O problema é que, para chegar até o destino final, precisam atravessar a Hungria e muitos não escondiam o temor de serem detidos por governo de Budapeste – o que ocorreria horas depois. A maioria foi encaminhada a um campo de refugiados, já no lado húngaro, nas proximidades da cidade de Roszke.

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O local transbordava de pessoas que não eram autorizadas a sair. Centenas de policiais tentavam organizar a transferência dos refugiados. 

Dentro do campo, o mau cheiro era forte, devido ao acúmulo de comida abandonada e muito lixo. Lá, os refugiados dormem e esperam para saber para onde serão levados. 

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