SYDNEY — O rei Charles III foi confrontado por uma senadora de origem indígena durante uma visita ao Parlamento da Austrália nesta segunda-feira, 22. No fim de um discurso do rei, a senadora Lidia Thorpe se levantou em protesto, gritou “você não é nosso rei” e citou o genocídio dos povos indígenas e roubo de terras cometidos pela coroa britânica.
“Devolvam nossas terras”, declarou a senadora. “Devolvam o que roubaram de nós: nossos ossos, nossos crânios, nossos bebês, nosso povo. Vocês destruíram nossa terra. Façam um acordo. Queremos um acordo nesse país”, acrescentou.
O discurso feito por Charles III, antes do protesto, prestou homenagem aos indígenas do país, com quem se reuniu após o evento no Parlamento. O incidente, no entanto, chamou a atenção para os crimes históricos da família real aos povos originários da Austrália.
Depois do protesto, a senadora foi conduzida para fora do Parlamento australiano, enquanto continuava gritando “você não é o nosso rei”.
O rei e a rainha Camilla, sentados no palco ao lado do primeiro-ministro Anthony Albanese, não reagiram aos gritos, conforme mostram as imagens. Trata-se da primeira visita oficial dele à Austrália desde a coroação, em maio de 2023. Antes de entrar no Parlamento, ele foi recebido por centenas de apoiadores e opositores.
Oficialmente, Charles III é o chefe de Estado da Austrália, mas de forma decorativa. No entanto, o incidente tende a reacender o debate em torno da colonização da Austrália, que ganhou força após a morte da rainha Elizabeth II, em 8 de setembro de 2022.
A Austrália é uma das poucas nações da Comunidade Britânica colonizadas que não tem um acordo com os povos originários. O território foi colonizado no século 18 pelo explorador James Cook, que reivindicou pela primeira vez o continente para a coroa britânica, comandada à época pelo rei George III.
Quando a rainha Elizabeth II morreu, os australianos passaram a discutir se ela era responsável pelos erros do passado e pelas desigualdades que atingem os povos indígenas. Entre 1800 e 1970, ano em que Elizabeth já era rainha há quase duas décadas, crianças mestiças e indígenas eram enviadas à força para internatos e para missões eclesiásticas.
Um relatório do governo australiano estima que cerca de um terço das crianças indígenas foram retiradas à força de suas famílias em todo o país. As crianças ficaram conhecidas como ‘gerações roubadas’.
Durante o colonialismo, dezenas de restos mortais de indígenas foram levados para museus britânicos, onde alguns permanecem até hoje.
O legado do imperialismo britânico também contribuiu para as disparidades raciais em educação, moradia e taxas de encarceramento, segundo especialistas. Mais de 400 indígenas morreram sob custódia desde 1991, e a expectativa de vida da população indígena, estimada em 800 mil, é inferior à população geral por anos, de acordo com dados do governo.
No início do seu discurso, Charles III se dirigiu aos povos originários como povos que “amaram e cuidaram deste continente por 65 mil anos”. “Em minhas muitas visitas à Austrália, testemunhei a coragem e esperança que guiaram a longa e às vezes difícil jornada das Nações em direção à reconciliação”, disse ele.
“Os povos das Primeiras Nações da Austrália me deram a grande honra de compartilhar tão generosamente suas histórias e culturas. Só posso dizer o quanto minha própria experiência foi moldada e fortalecida por essa sabedoria tradicional”, acrescentou.
Pouco após o discurso, Lidia Thorpe começou a gritar. Antes, ela virou as costas para o monarca quando “God Save the King” foi tocada no Parlamento. /THE WASHINGTON POST
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