Repetindo a história, Flórida pode ser novamente fiel da balança 

Desde 1996, o candidato que tem a maioria dos votos no Estado é o vencedor da eleição presidencial, mas as margens de vitória são quase sempre mínimas

PUBLICIDADE

Foto do author Beatriz Bulla

CONDADO DE PINELLAS, EUA - Mesmo antes de receber aval dos médicos para voltar a viajar após o diagnóstico de covid-19, Donald Trump anunciou onde faria a primeira parada da campanha: Flórida. Desde 1996, o candidato que tem a maioria dos votos no Estado é o vencedor da eleição presidencial.

PUBLICIDADE

As margens de vitória são quase sempre mínimas: 1,2 ponto porcentual para Trump em 2016, 0,9 a favor de Barack Obama em 2012 e os históricos 537 votos a mais para George W. Bush contra Al Gore em 2000. A disputa acirrada parece se repetir em 2020, quando todas as atenções se voltam novamente para a Flórida como possível fiel da balança na disputa presidencial. 

A retomada dos comícios de Trump não foi no norte conservador do Estado e nem no sul democrata. Sua parada foi na área central próxima de Orlando, em um aceno aos eleitores das cidades da I-4, a rodovia estadual de pouco mais de 2 mil km do meio do Estado conhecida como "a rota para a Casa Branca" pela tradicional concentração de indecisos. 

Rosemary, de 72 anos, eleitora de Trump em Clearwaterwater, centro da Flórida Foto: Beatriz Bulla / Estadão

Os latinos são chave para a definição do resultado no Estado, mas não são um bloco monolítico. Enquanto cubanos e venezuelanos mostram preferência pela retórica antissocialista de Trump, os porto-riquenhos do centro do Estado tendem a votar nos democratas. Diante das divisões e da tradicional dificuldade em fazer latinos comparecerem para votar, um outro grupo se tornou central para a definição no Estado: os adultos com mais de 65 anos.

Publicidade

O clima quente, os lagos e as praias da Flórida atraem os aposentados americanos. Quase 21% dos moradores do Estado são idosos, mais do que os 16,5% do país. Há cidades da região da I-4 onde essa proporção é muito maior, como o Condado de Pinellas, onde um em cada quatro moradores é idoso, e a comunidade chamada de Villages, onde 80% têm mais de 65 anos.

As pesquisas mostraram que Trump perdeu apoio entre os mais velhos durante a pandemia. Parte do grupo de risco, os idosos têm sofrido com a falta de controle na covid-19 no país. Ao minimizar o perigo do vírus, Trump chegou a dizer que a doença afetava "virtualmente ninguém", pois os jovens reagem melhor. Na reta final da campanha, o republicano foi em busca desse eleitorado, assim como Biden. 

O clima quente, os lagos e as praias da Flórida atraem os aposentados americanos. Quase 21% dos moradores do Estado são idosos, mais do que os 16,5% do país. Há cidades da região da Interestadual-4 onde essa proporção é maior, como o condado de Pinellas, onde um em cada quatro moradores é idoso, e a comunidade chamada de Villages, onde 80% têm mais de 65 anos.

A aposentada Rosemary, de 72 anos, se mudou do Estado de Nova York para Clearwater, na região central da Flórida, há cinco anos. Ela não é uma das que pretende abandonar Trump e exibe com orgulho o adesivo de apoio ao presidente que tem no parachoque do carro. "Ninguém é perfeito", diz a aposentada ao falar da resposta de Trump à pandemia. "Acho que sempre haverá críticas, mas ele fez o que pode", afirma Rosemary, que não quis dizer o sobrenome. 

Publicidade

Condado-pêndulo

Clearwater é uma das cidades do condado de Pinellas, um dos quatro do Estado a virar republicano na última eleição. A região é descrita na imprensa americana como "o maior condado-pêndulo no principal Estado-pêndulo". Nos últimos 40 anos, a maioria do condado votou no candidato vitorioso com exceção de uma vez: em 2000, quando o voto de Pinellas foi por Al Gore. 

A área central da cidade teve acesso de carros limitado para que restaurantes ampliassem o atendimento na área externa, nas calçadas e rua, durante a pandemia. Na tarde de uma terça-feira de outubro, as mesas dos estabelecimentos da região estavam lotadas de aposentados. Parte se mudou para lá em busca das praias cristalinas banhadas pelo Golfo do México.

Eleitores com mais de 65 anos ouvidos pelo Estadão, no entanto, dizem que não foi só a pandemia que os afastou de Trump. Sentadas em uma mesa com quatro amigas, Pat Cunningham e Margareth Griffing, as duas com 69 anos, aposentadas, endossam a lista dos eleitores de Biden. As duas dizem que nem sempre votam em democratas, mas não apoiaram Trump em 2016. Neste ano, elas votarão em Biden em busca de "verdade e decência" na Casa Branca. 

Publicidade

CONTiNUA APÓS PUBLICIDADE

Dos Estados em disputa no chamado Cinturão do Sol, a Flórida é o mais cobiçado. A menos de uma semana da eleição, o democrata Joe Biden tem média de 1,5 ponto de vantagem sobre Trump nas pesquisas de intenção de voto. Considerada a margem de erro, os dois estão empatados na disputa pelos 29 delegados que o Estado têm no Colégio Eleitoral -- a terceira maior proporção. A folga de Biden é muito maior na média nacional (9 pontos a mais do que Trump). 

Na véspera da eleição de 2016, os idosos eram o único grupo etário em que Trump ganhava de Hillary Clinton. Nas primárias do partido republicano daquele ano, o apoio de Trump também veio dos mais velhos. Trump teve 8 pontos porcentuais a mais do que Hillary Clinton entre os idosos no país.

Agora, o presidente tem ficado atrás de Biden na preferência dos mais velhos. Pesquisa New York Times/Siena College finalizada no início de outubro aponta que Biden tem 2 pontos de vantagem entre os mais velhos na Flórida. Isso significa quase 20 pontos de apoio a menos do que teve na eleição passada. 

Augustin Gonzáles se encaixa nos dois grupos que estão em disputa na Flórida: é latino e idoso. Quando Trump teve covid-19 diagnosticado, Gonzáles orou pela saúde do presidente, apesar de não gostar dele. O porto-riquenho de 72 anos serviu no exército americano e é registrado como um eleitor republicano, mas irá votar em Joe Biden. "Ele não fez coisas ruins, mas não gosto do jeito que ele trata as minorias", afirma. Sobre a pandemia, diz que Trump poderia ter agido antes para conter o vírus, mas não culpa o presidente.

Publicidade

Em um artigo publicado pelo site da emissora NBC, o estrategista republicano e autor de livro sobre o partido Evan Siefried argumenta que a tendência de perda do eleitorado idosos começou a ser notada nas eleições legislativas de 2018 e ganhou força agora. 

Trump tem tentado uma política de contenção de danos ao prometer disponibilizar aos idosos do país o mesmo tratamento de covid-19 ao qual ele teve acesso. Ao retomar a campanha em Sanford, a cerca de duas horas de Clearwater, Trump também mandou um recado aos idosos. Apesar de defender que os americanos voltem às atividades que tinham antes da pandemia, Trump disse aos mais velhos "se você não se sente seguro, se quiser ficar em casa, fique”. 

Se depender de Ted Harcovitz, de 60 anos, o presidente será reeleito. Ele critica a imigração, o aborto, os protestos antirracismo, defende a hidroxicloroquina e vitaminas como tratamento para covid-19 e acredita que o coronavírus gerou o maior número de mortes nos EUA porque o país recebe mais visitantes estrangeiros. "Países mais prósperos como os EUA recebem mais voos. Foi isso o que aconteceu aqui", justifica. 

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.