O piloto americano sentiu seu avião estremecer no céu perto da costa de West Sussex, na Inglaterra. Era 22 de junho de 1944. A praia brilhava lá embaixo, e à sua frente se estendia um pasto verde.
Ele e nove outros tripulantes a bordo do B-24 Liberator acabavam de ser sacudidos por um explosivo disparado por um avião alemão. O projétil rasgou o metal da aeronave, colocando o piloto, tenente William B. Montgomery, em desespero enquanto tentava voar de volta de Paris à sua base na Inglaterra.
O piloto do Exército americano tinha 24 anos e era conhecido em sua cidade —Ford City, Pensilvânia— como jogador de futebol americano que gostava de usar o anel de ouro de sua fraternidade universitária. Ele parecia saber que o esforço seria inútil. Segundo historiadores, manteve o avião voando em West Sussex para que seus colegas pudessem saltar de paraquedas. Sete deles o fizeram e sobreviveram.
Montgomery e dois outros permaneceram no avião, que caiu num campo agrícola, abrindo uma cratera incandescente que soterrou partes da aeronave e restos humanos numa profundidade de cerca de seis metros. Eles acabaram sendo incluídos na conta dos mortos da Segunda Guerra Mundial.
Por oito décadas as autoridades classificaram os restos mortais de Montgomery como irrecuperáveis. Mas este mês, após uma trajetória que abrangeu gerações e envolveu exames de DNA e pistas vagas dadas por agricultores, uma agência do Departamento de Defesa anunciou ter identificado os restos do tenente. Montgomery será sepultado no Cemitério Nacional de Arlington, numa cerimônia que contará com a presença de um sobrinho septuagenário que recebeu o nome do piloto.
“Fiquei tão emocionado”, disse o William Montgomery mais jovem, que tem 76 anos e vive em Roswell, na Georgia, falando do momento em que foi informado da descoberta. “Cheguei a derramar lágrimas.”
O xará do tenente ouviu histórias sobre seu tio contadas por seu pai, Thomas Braden Montgomery, morto em 2010, sobre como Montgomery salvou a vida de sete homens na Europa no meio de uma batalha épica contra as potências do Eixo. Como ele tinha sido capitão do time de futebol americano e da equipe de atletismo no Washington & Jefferson College. E de como esse rapaz de quase 1,80 metro e 86 quilos se tornara um piloto forte, capaz de pilotar aeronaves imensas como o B-24, cujo peso podia passar de 24 toneladas.
“Imagino que as famílias daqueles sete militares ficaram muito felizes por meu tio ser um ótimo piloto”, comenta Montgomery.
O escritor britânico Andy Saunders, estudioso da história da aviação, tentou durante anos determinar onde estavam os restos mortais de Montgomery. Em 1974, ele começou a investigar a perda de uma aeronave, possivelmente envolvendo um B-24 americano que poderia ter caído nas proximidades de Arundel, cidade perto do Canal da Mancha com cerca de 3.000 habitantes.
Um dos trabalhadores de uma fazenda nas proximidades administrada por um morador local chamado John Seller disse a Saunders em 1974 que, durante a guerra, havia ido ao local do acidente e recolhido uma pulseira com o nome Montgomery. Ela foi entregue às autoridades na época, e não se sabe o que foi feito dela desde então.
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Seller compartilhou com Saunders em 1974 que, por volta das 21h do dia 22 de junho de 1944, quando era garoto e estava se preparando para ir dormir, ouviu “o grito lancinante de um avião num mergulho vertical”, segundo anotações feitas na época por Saunders.
Saunders pediu à Agência de Pesquisas Históricas da Força Aérea um relatório sobre o acidente. O material documentou detalhadamente as ações de Montgomery naquele dia, por meio de relatos na primeira pessoa de membros sobreviventes da tripulação. Também identificou os dois outros tripulantes que permaneceram no avião e morreram naquele dia: John C. Crowther, oficial de voo cujo corpo foi encontrado a metros do local da queda, e sargento John Holoka Jr., cujos restos mortais ainda não foram identificados.
A tripulação tinha sido enviada para bombardear uma pista de pouso próxima ao Palácio de Versalhes, nos arredores de Paris, que estava sob ocupação alemã. Mas o avião foi atingido por disparos antiaéreos. Eles fugiram para West Sussex, onde sete dos tripulantes saltaram de paraquedas, segundo o relatório.
“Quando saltei do avião e meu paraquedas abriu, eu vi o avião. E, uns 30 segundos depois ou até menos, ele iniciou um mergulho vertical e se chocou contra o solo”, disse o segunto tenente Herbert K. King. Outro tripulante, o segundo tenente D.M. Henderson, contou que eles estavam perto da costa inglesa “quando chegou a ordem pelo interfone: preparem-se para saltar”.
Saunders disse que por décadas procurou convencer a agência do Departamento de Defesa responsável por localizar militares desaparecidos em ação ou prisioneiros de guerra a investigar o local do acidente.
Finalmente, uma vez em 2019 e novamente em 2021, a agência enviou equipes ao local e submeteu a exames de DNA alguns fragmentos de ossos encontrados a metros debaixo da superfície, que mesmo décadas mais tarde ainda cheiravam a fluido hidráulico, conta o pesquisador de história militar Mark Khan.
Os fragmentos eram “muito insubstanciais”, diz Khan, que auxiliou a equipe arqueológica, com a exceção de um dente e de uma bota dentro da qual haviam ossos preservados de um pé, que pode ter sido de Montgomery ou de Holoka.
Foram encontrados outros objetos, incluindo uma pulseira que provavelmente era de Holoka e o anel da fraternidade universitária Phi Kappa Psi que Montgomery usava.
Foi esse objeto que o sobrinho do tenente viu quando um oficial da base militar Fort Benning, na Georgia, foi à sua casa para discutir os arranjos para o funeral. O anel estava amassado, e seu brilho dourado original adquirira uma aparência de um objeto antigo de latão.
Montgomery o tirou do saquinho lacrado em que estava e olhou uma foto de seu tio sorrindo com seus tripulantes. Olhou mais de perto. Viu que havia uma faixa escura no dedo de seu tio. “É o anel.”
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